terça-feira, março 16, 2010

O fim da linha

"As divergências entre o programa eleitoral do partido no poder e o Programa de Estabilidade e Crescimento já foram enxovalhadas por toda a gente. Toda? Não. Uma pequena parcela da população, vulgarmente conhecida por PS, resiste a admitir a fulminante incoerência de ambos os documentos. Não convém contrariá-la, já que o espectáculo que proporciona é singular.

Se antes o investimento público era essencial no combate à crise, agora a redução do investimento público é essencial no combate à crise. Se antes o TGV era indispensável ao desenvolvimento do País, agora o adiamento da maioria das linhas de TGV previstas é indispensável ao desenvolvimento do País. Se antes não se podia aumentar os impostos, agora é imperioso aumentar (indirectamente) os impostos. Se antes a limitação dos benefícios fiscais no IRS era inviável, visto que prejudicava a classe média, agora essa limitação é desejável, visto que só prejudica a classe alta. Se antes era urgente promover a melhoria sustentada dos salários reais da fun- ção pública, agora urge congelar os salários. Etc.

Ver socialistas e aficionados repetir estas coisas de cara séria é entrar numa dimensão até aqui ignorada da retórica política. Por norma, os políticos mentem. O que o PS faz não é mentir, acto que pressupõe no mínimo um interlocutor enganado. Este PS não engana ninguém: não é possível uma pessoa normal engolir inadvertidamente contradições tão evidentes.

Talvez as pessoas vagamente suportem o desconchavo que passa por Governo porque desistiram de procurar nas suas vidas a consequência das políticas, sejam irresponsáveis e populistas como as do programa eleitoral ou desesperadas e insuficientes como as do PEC está mais à mão.

A existir, a apatia social está nessa crença difusa de que se chegou a um ponto sem emenda nem retorno. Habituados a esperar do Estado a salvação, os portugueses descobriram-se subitamente sozinhos, logo indiferentes a um Governo que nas sondagens consideram mau sem considerar a hipó-tese de o remover. Não é apenas uma questão de não imaginarem alternativa ao PS: os portugueses não imaginam alternativa ao seu futuro, se é que, na escuridão, ainda imaginam um. TGV à parte, aproxima-se o fim da linha. Ou, em tom menos apocalíptico, o do regime
."

ALBERTO GONÇALVES

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