O 'hip hop' também mata
"Não tenho grande coisa a dizer sobre a morte, a tiros da PSP, de um morador de Chelas chamado Nuno Rodrigues e (moderadamente) conhecido por MC Snake. Não testemunhei a desobediência do sr. Rodrigues à paragem da polícia nem a perseguição subsequente. Apenas me parece que a execução sumária é uma resposta desproporcionada, e que as autoridades fariam bem em investigar o caso e, já agora, em reorientar o zelo de alguns dos seus agentes.
Mais fáceis de descrever, e mais extraordinárias, são as reacções à morte do sr. Rodrigues. Houve-as de dois tipos. As de júbilo notaram--se principalmente nos comentários da Internet, onde multidões de anónimos exibiram puro ódio a um sujeito de que nunca ouviram falar até às notícias do respectivo fim, as quais incluíam referências a uma temporada na prisão por tráfico de droga. A brutal expressão "Não faz falta nenhuma!" resume o sentimento desta, digamos, corrente de opinião.
As reacções de pesar não foram menos curiosas. Ao contrário dos familiares, de uma contenção apreciável dadas as circunstâncias, a maioria repetiu a tese de que o sr. Rodrigues morreu por ser preto, pobre, rapper e, aos olhos da polícia, um estereótipo. É possível, embora a responsabilidade pelo estereótipo caiba inteirinha ao sr. Rodrigues.
O rap ou o hip hop que o sr. Rodrigues praticava não o transformava no "músico" referido em diversos obituários. No seu primarismo, o hip hop tem pouco a ver com música e muito a ver com uma atitude de confronto face a uma sociedade que é, ou que se imagina, discriminatória. É, vá lá, um estilo de vida, traduzido à superfície no vestuário ridículo e nos gestos animalescos. E nas letras das "canções" (?). As letras, que certa "inteligência" considera "poesia das ruas", são, além de analfabetas, manifestações de rancor social. Por norma, são também glorificações do crime e panfletos misóginos.
O hip hop nasceu na América enquanto braço "musical" e tardio do black power, como os blaxploitation movies dos anos 1970 constituíram o seu reflexo "cinematográfico" (as aspas não são fortuitas). O princípio, se é que tais misérias possuem um, é o de que a "identidade negra" somente se define contra o "sistema", numa postura de desafio e fúria que a "inteligência" julga legitimada por uma suposta opressão. Vale a pena lembrar que, em tempos realmente opressores, os pretos inventaram o jazz, um dos maiores contributos da América para a humanidade. E vale a pena lembrar o exemplo de Louis Armstrong, um génio que os "radicais" achavam o paradigma do "traidor". Tudo porque, tendo sofrido na pele a discriminação, Armstrong preferiu combatê-la pelo talento e não agravá-la através de inanidades gritadas por cima de uma caixa de ritmos.
Obviamente, o hip hop é principalmente uma invenção das indústrias discográfica e televisiva, e não traria mal ao mundo se o mundo não se deixasse influenciar por semelhante patetice. Infelizmente, do Bronx a Chelas, essa celebração da boçalidade é erguida aos currículos escolares e milhões de jovens tomam-na por "afirmação". Na verdade, é o inverso: o hip hop é a sujeição dos pretos ao que o "multiculturalismo" em vigor deles espera. Ao trocar a literatura pela "poesia das ruas", a música pelo ruído, a educação pela agressividade, o esforço pela automarginalização, a única afirmação do hip hop é a da inferioridade. Se levado a sério, o paternalismo condescendente limita os membros de uma etnia a uma existência parcial nas franjas da legalidade. E não anda longe do folclore abertamente racista.
É claro que incontáveis pretos não engolem estas patranhas, e que vários intelectuais "afro-americanos" (o termo em voga), de Thomas Sowell a Thomas McWhorter, exprimem com frequência a repulsa que o atraso implícito e o "segregacionismo" assumido do hip hop lhes suscitam. Ou, nas palavras do historiador Stanley Crouch, "quem no seu perfeito juízo daria um bom emprego a 50 Cent (uma das vedetas do género que ainda não tiveram morte violenta)?"
Ninguém. O sr. Rodrigues, ou sr. "Snake", escolheu o seu próprio estereótipo. O que a polícia fez depois terá sido injustificável, mas não totalmente imprevisível. "
Alberto Gonçalves
Mais fáceis de descrever, e mais extraordinárias, são as reacções à morte do sr. Rodrigues. Houve-as de dois tipos. As de júbilo notaram--se principalmente nos comentários da Internet, onde multidões de anónimos exibiram puro ódio a um sujeito de que nunca ouviram falar até às notícias do respectivo fim, as quais incluíam referências a uma temporada na prisão por tráfico de droga. A brutal expressão "Não faz falta nenhuma!" resume o sentimento desta, digamos, corrente de opinião.
As reacções de pesar não foram menos curiosas. Ao contrário dos familiares, de uma contenção apreciável dadas as circunstâncias, a maioria repetiu a tese de que o sr. Rodrigues morreu por ser preto, pobre, rapper e, aos olhos da polícia, um estereótipo. É possível, embora a responsabilidade pelo estereótipo caiba inteirinha ao sr. Rodrigues.
O rap ou o hip hop que o sr. Rodrigues praticava não o transformava no "músico" referido em diversos obituários. No seu primarismo, o hip hop tem pouco a ver com música e muito a ver com uma atitude de confronto face a uma sociedade que é, ou que se imagina, discriminatória. É, vá lá, um estilo de vida, traduzido à superfície no vestuário ridículo e nos gestos animalescos. E nas letras das "canções" (?). As letras, que certa "inteligência" considera "poesia das ruas", são, além de analfabetas, manifestações de rancor social. Por norma, são também glorificações do crime e panfletos misóginos.
O hip hop nasceu na América enquanto braço "musical" e tardio do black power, como os blaxploitation movies dos anos 1970 constituíram o seu reflexo "cinematográfico" (as aspas não são fortuitas). O princípio, se é que tais misérias possuem um, é o de que a "identidade negra" somente se define contra o "sistema", numa postura de desafio e fúria que a "inteligência" julga legitimada por uma suposta opressão. Vale a pena lembrar que, em tempos realmente opressores, os pretos inventaram o jazz, um dos maiores contributos da América para a humanidade. E vale a pena lembrar o exemplo de Louis Armstrong, um génio que os "radicais" achavam o paradigma do "traidor". Tudo porque, tendo sofrido na pele a discriminação, Armstrong preferiu combatê-la pelo talento e não agravá-la através de inanidades gritadas por cima de uma caixa de ritmos.
Obviamente, o hip hop é principalmente uma invenção das indústrias discográfica e televisiva, e não traria mal ao mundo se o mundo não se deixasse influenciar por semelhante patetice. Infelizmente, do Bronx a Chelas, essa celebração da boçalidade é erguida aos currículos escolares e milhões de jovens tomam-na por "afirmação". Na verdade, é o inverso: o hip hop é a sujeição dos pretos ao que o "multiculturalismo" em vigor deles espera. Ao trocar a literatura pela "poesia das ruas", a música pelo ruído, a educação pela agressividade, o esforço pela automarginalização, a única afirmação do hip hop é a da inferioridade. Se levado a sério, o paternalismo condescendente limita os membros de uma etnia a uma existência parcial nas franjas da legalidade. E não anda longe do folclore abertamente racista.
É claro que incontáveis pretos não engolem estas patranhas, e que vários intelectuais "afro-americanos" (o termo em voga), de Thomas Sowell a Thomas McWhorter, exprimem com frequência a repulsa que o atraso implícito e o "segregacionismo" assumido do hip hop lhes suscitam. Ou, nas palavras do historiador Stanley Crouch, "quem no seu perfeito juízo daria um bom emprego a 50 Cent (uma das vedetas do género que ainda não tiveram morte violenta)?"
Ninguém. O sr. Rodrigues, ou sr. "Snake", escolheu o seu próprio estereótipo. O que a polícia fez depois terá sido injustificável, mas não totalmente imprevisível. "
Alberto Gonçalves
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