O Estado Social da penúria (III)
"Onde o autor prossegue a sua apopléctica, ou melhor, apocalíptica análise sobre o Estado Social da envelhecida e desgovernada Pátria, que lá vai afundando com toda a gente lá dentro - os botes de salvamento, como no Titanic, são para ricos -, bem consciente de que o Povo é que paga, mas o Povo é que vota, e lembra sítios onde as coisas se resolveram).
Como vimos anteriormente e todos sabem, a reforma profunda do Estado Social que temos é imperativa pela boa razão de que não existe nem se cria riqueza para o sustentar, e os longos anos em que isso acontece demonstram uma situação completamente bloqueada que só produz défice e mais dívida. Vimos, também, como o sistema actual desincentiva o aforro, em queda de 50% desde 1995 (coincidência ou causalidade com a política do PS e a "década perdida"?). O círculo vicioso do aumento descontrolado de despesa, acoplado à diminuição de riqueza criada, incorpora-se no "status quo" que se desejaria, pelo contrário, virtuoso.
Obviamente, o mal não é um exclusivo português (aqui acontece um exacerbamento) e boas soluções procuram-se em todo o lado. O essencial é encontrá-las e aplicá-las com espírito pragmático, adoptando o que produz efeito, e não o que é político e ideologicamente correcto. Não sendo especialista, não sei como se devem alterar as coisas, sei, sim, o que não corre bem, em diagnóstico totalmente evidente. Sei também observar experiências alheias e hoje lembro a de Piñera, no Chile, em 1980, muito estudada e parcialmente imitada em toda a parte, mas sub-repticiamente, ou não fosse uma coisa vinda dos "Chicago boys" (a proveniência de Piñera, porém, era Harvard). O método implantado na generalidade era muito simples, criando um sistema facultativamente duplo, de um lado apoiado no sistema antigo ainda vigente, o estadual, e, de outro, no novo, suportado na ideia de investimentos próprios em fundos e "contas pessoais de reforma", a partir de 10% dos salários, sendo a opção totalmente livre. No final de 2006, 7,7 milhões de chilenos tinham a sua conta pessoal e 2,7 o seu próprio seguro de saúde, enquanto o défice orçamental se tornara, em média, irrelevante e a taxa de aforro passara 30% do PIB, uma das maiores do mundo. Entretanto, este fluxo notável de fundos a entrar na economia nacional permitiu taxas médias de crescimento de 3,2%, enquanto a dos 15 anos anteriores havia sido de 0,15%. Há ainda a mencionar outro efeito indirecto, incidindo na taxa de pobreza, que passou para 15%, enquanto que no resto do continente se situava nos 40%.
O problema é saber como é que reformas transformadoras podem passar em eleições, se permanentemente são transmitidas mensagens que incutem receio e sentimento de instabilidade. Os métodos demagógicos integram sempre esta poderosa via, que tem como ponto de apoio o apego das pessoas ao que têm ou julgam possuir. Seria dramático que, por um lado, soubéssemos que tínhamos de mudar mas, por outro, víssemos que estávamos impossibilitados de o fazer por nós próprios. Em Portugal, o Estado Social é uma vaca sagrada tão sacra que nem ao veterinário pode ser levada para que não estrebuche e faleça. Piñera, para levar avante a sua reforma, teve à disposição a estação televisiva do Estado e vários meses de campanha. Claro que o sucesso veio mais tarde, graças a resultados persuasivos para aumentar a onda de adesões, mas teve a oportunidade de estabelecer a sua metodologia por ter tido a possibilidade de convencer os compatriotas.
Em Portugal, não é possível a mesma coisa, até porque o Governo e o partido do poder, enquanto estabelecem algumas medidas avulsas de reforma, usam despudoradamente o tema seríssimo da reforma para fins eleitoralistas. Mas não é só isso, obviamente, dada a força da esquerda em sindicalismo radical e em partidos extremistas que agregam quase 20% do eleitorado. Provavelmente, as reestruturações imperativas terão que ser impostas, mas do exterior, quando a Europa, o FMI e a sr.ª Merkl e a GNR aparecerem nas praias nacionais em lanchas de desembarque."
Fernando Braga de Matos
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