terça-feira, abril 26, 2011

O equívoco de Mário Soares

"Três ex-presidentes da República e o actual titular do cargo ensaiaram, ontem, o consenso que acreditam ser necessário para que Portugal supere a mais grave crise dos últimos 37 anos. A festa foi bonita mas a eficácia da mensagem gera dúvidas.


No Palácio de Belém, através dos oradores e do seu passado, estiveram representados os eleitores que conduziram os quatro políticos à chefia do Estado. Da esquerda à direita, ninguém ficou excluído. Do ponto de vista simbólico, a iniciativa funcionou.

Não haverá, também, quem não concorde que, sob a ameaça de bancarrota, será preciso construir uma solução de Governo sólida, apoiada numa maioria consistente. Os objectivos de aplicar as medidas imediatas destinadas a assegurar a saúde financeira do País e de lançar as reformas que, a prazo, podem retirar Portugal da espiral recessiva em que mergulhou exigem-no.

Um terceiro detalhe que esteve presente nas intervenções de Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva tem potencial para ter agradado a um largo número de eleitores. O apelo para que a próxima campanha para as legislativas seja feita no tom adequado para que as portas do entendimento pós-eleitoral não fiquem fechadas visou secar a conflitualidade e centrar o debate nas propostas de cada partido. Mas é aqui que as boas intenções dos discursos mais se arriscam a sofrer um choque frontal com a realidade.

O acto eleitoral de 5 de Junho vai ser realizado em circunstâncias delicadas e os programas dos partidos que as podem vencer vão estar condicionados pelas contrapartidas que forem exigidas a Portugal em troca do apoio financeiro da União Europeia e do FMI. As discussões, as propostas e as promessas vão estar limitadas por este facto. Mas umas eleições não servem apenas para escolher quem vai governar no futuro. Também permitem aos eleitores avaliar o passado e premiarem ou castigarem de acordo com o juízo que decidam fazer sobre o desempenho de quem teve nas mãos as rédeas do poder.

Mário Soares, que não é um inocente na luta política, não esqueceu este detalhe no seu discurso. Apelou ao consenso e a uma campanha eleitoral asséptica, mas não se eximiu de fornecer o seu próprio julgamento sobre os anos mais recentes da governação.

O ex-líder socialista assinalou que José Sócrates chegou a conseguir colocar o défice público abaixo de 3% do produto, quando a revisão dos valores do desequilíbrio das contas públicas veio já revelar não ter havido um único exercício em que o actual Governo tenha cumprido as exigências da Zona Euro. E alertou para os perigos de os mercados e os especuladores poderem derrubar o euro, quando este risco advém, em primeiro lugar, da indisciplina financeira e das políticas erradas seguidas por países que, como Portugal, estão agora dependentes de ajuda externa para se manterem à tona de água.

Enquanto líder de um Governo que, nos anos 80, negociou com o FMI, teve que impor austeridade e abriu caminho para a retoma económica que se seguiu à entrada de Portugal na União Europeia, Soares tem legitimidade para pedir contenção no verbo e soluções de consenso. Mas, na situação actual, isso não chega.

Primeiro, porque os eleitores têm o direito de não passar uma esponja sobre o passado antes de fazerem o julgamento sobre quem tem responsabilidades na grave crise actual. Depois, porque é o partido que fundou que mais tem feito para manter viva a discussão sobre quem tem culpas no cartório. Uma campanha séria, honesta e civilizada seria possível se no actual PS conhecessem a palavra "humildade". Mas esta é uma expressão que não consta no dicionário dos dirigentes socialistas, circunstância que Mário Soares devia lamentar
."

Joao Silva

1 Comments:

Blogger mfc said...

Estão a preparar-nos a cama!

quarta-feira, abril 27, 2011  

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