sábado, novembro 24, 2012

Uma banca acima das nossas possibilidades

"Uma das dimensões mais negligenciadas da actual crise europeia esteve, até há pouco tempo, na força centrífuga que varreu o sistema financeiro europeu. Se é certo que um mercado bancário homogéneo na Zona Euro nunca foi uma realidade, a actual crise empurrou os bancos para os braços dos seus Estados: primeiro com as garantias públicas ao seu financiamento externo num momento de desconfiança generalizada, depois na dependência dos bancos centrais nacionais no acesso à liquidez - onde as condições de colateral são mais flexíveis do que junto do BCE - e, finalmente, com os processos de recapitalização encetados por cada Estado. Em resumo, as instituições públicas nacionais ocuparam-se diligentemente dos constrangimentos à sua actividade - a liquidez e o capital - sem qualquer contrapartida nas suas políticas de concessão de crédito.
Não satisfeitos, os bancos portugueses encetaram um processo de recomposição dos seus balanços à custa do contribuinte. Os recentes relatórios publicados pela banca portuguesa mostram esta realidade. Bancos como o BCP e o BPI, onde a informação foi publicamente disponibilizada, expandiram fortemente a quantidade de dívida pública, sobretudo de curto prazo (2 mil milhões de euros no caso do BCP, 2,7 mil milhões no do BPI).
Estas compras, feitas sobretudo no mercado secundário a preço de desconto, permitiram um enorme aumento da margem financeira bancária, sem risco – uma possível reestruturação da dívida pública liderada pelos nossos credores deixará de fora os Bilhetes de Tesouro, como já aconteceu na Grécia - e sem grandes constrangimentos à sua actividade "tradicional" de concessão de crédito - estes títulos podem ser usados como colateral no acesso à liquidez do Eurosistema (embora com descontos, é certo) e não têm impacto nos rácios de capital. A banca consegue assim, com custos marginais, aumentar a sua rendibilidade à custa dos nossos impostos.
Dada a escala destas operações, a banca gere facilmente os juros supostamente elevados cobrados pelo Estado nos seus processos de recapitalização - já reduzidos pelas amortizações fiscais associadas e que serão alvo de uma nova redução a acreditar nas palavras de Vítor Gaspar na sua última conferência de imprensa. O Estado empresta à banca, que por sua vez paga a dívida com os lucros de empréstimos ao Estado. A banca portuguesa tem benefícios que qualquer outro negócio não ousa imaginar. Imagine o leitor um negócio onde o Estado financia o capital, garante os empréstimos e o acesso à liquidez e, finalmente, assegure um modelo de negócio rentável. Há outro motivo que não o poder dos seus proprietários e o preconceito ideológico para este negócio ser privado?
Num contexto em que as empresas portuguesas identificam o acesso crédito como um dos seus maiores constrangimentos, ainda que abaixo da queda da procura causada pela austeridade, é tempo para começarmos uma discussão mais profunda sobre as responsabilidades do sistema de crédito na actual crise, o seu papel na economia e, finalmente, a sua propriedade e modelo de gestão."

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