Contos.
Sempre que passava no caminho olhava para aquela casa com curiosidade. Curiosidade que os altos muros iam alimentando cada vez mais. As lendas que circulavam na aldeia falavam de mistérios e fantasmas. O tempo passava e a casa continuava solitária e altiva no alto do monte, desafiando o tempo e as gentes. Mas sempre que conseguia arranjar coragem, o sol, que se punha sobre as árvores, avisava-me que estava na hora de sair dali e nunca cheguei a entrar nela. Um dia parti e esqueci-a. Passados muitos anos, voltei. O mistério da casa continuava imutável no tempo. Mas este tinha passado a sua mão pela casa. Mais alguns vidros partidos e os telhados que sob o efeito do peso se deformavam, denunciavam a sua passagem. Mas, se a sua passagem pouco afectou a casa, em mim tinha deixado duras marcas. Já não era dos fantasmas da casa que eu tinha medo mas sim dos meus próprios fantasmas.
Fruto do longo abandono temporal, a porta de entrada estava entreaberta. Empurrei-a e entrei na casa, desafiando trocista os medos de outrora. A claridade do dia e os sons transformaram-se em escuridão e silêncio, quebrado unicamente pelo gemido das velhas tábuas do soalho prensadas pelo peso dos meus passos. Abrindo caminho por entre enormes teias de aranha, tentava visualizar o caminho no meio da densa poeira que pairava no ar enquanto o meu aspecto se embranquecia cada vez mais. Pequenos feixes de luz, que emergiam entre frinchas e telhas partidas, pouco ou nada ajudavam. Tal como é habitual nos filmes, em vez de estar vazia, a casa tinha móveis cuidadosamente cobertos por lençóis e mantos de poeira. Parecia que aguardava o regresso de alguém.
Continuei com o pensamento absorto na descoberta, quando um ruído ecoou pela casa. Dei um salto a tremer de medo. Voltei-me com os cabelos em pé. Mas atrás de mim não havia nada. Só as trevas silenciosas. Ao perscrutá-las profundamente senti-me invadido por suores frios. Os piores receios começaram então a emergir.
Mas nada perturbou o silêncio e a imobilidade da escuridão. De repente gritei impulsionado pelo terror do momento: "Está aí alguém?" tendo por única resposta o murmúrio do eco. Dominado pelo medo, em desespero, procurei a porta de saída. Entrei num quarto e tornei a ouvir novamente o ruído. Tentei sossegar, atribuindo a sua origem ao vento e continuei à procura da porta da salvação. Ouvi novamente o ruído e senti o coração parar. Vinha da janela em frente. Enchi-me de coragem e abri os cortinados empoeirados. Um vulto negro raspou-me a cabeça, parou no outro lado da sala fitando-me olhos nos olhos. O seu olhar fixo e ardente gelava-me até ao mais íntimo do meu ser. O ar tornou-se irrespirável. No meu último folgo de coragem, apontei a lanterna na sua direcção. Tratava-se de um corvo. Um miserável corvo que quase me matava de coração. Lágrimas de alívio brotaram. Alegre entrei no Hall, preparando-me para abandonar a maldita casa de vez. Mas o chiar das escadas prendeu-me a atenção. Uma figura humana transparente descia na minha direcção.
A pouca luz tornou-se turva até desaparecer na escuridão total. Quando acordei, estava deitado no jardim, em frente à porta. Sorri de alegria, pensado ter sido vítima de um medonho pesadelo. Comecei a sacudir o pó do fato quando reparei que nele tinha a marca de duas mãos. Senti um arrepio invadir-me a espinha. Olhei para a casa. A porta estava totalmente aberta. Não queria que o quer que estava encerrado no interior daquela casa se escapulisse e corri a fechá-la. Pareceu-me ouvir uma voz a agradecer o gesto mas não arrisquei a confirmar.
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