terça-feira, fevereiro 16, 2010

Contos.


Sempre que passava no caminho olhava para aquela casa com curiosidade. Curiosidade que os altos muros iam alimentando cada vez mais. As lendas que circulavam na aldeia falavam de mistérios e fantasmas. O tempo passava e a casa continuava solitária e altiva no alto do monte, desafiando o tempo e as gentes. Mas sempre que conseguia arranjar coragem, o sol, que se punha sobre as árvores, avisava-me que estava na hora de sair dali e nunca cheguei a entrar nela. Um dia parti e esqueci-a. Passados muitos anos, voltei. O mistério da casa continuava imutável no tempo. Mas este tinha passado a sua mão pela casa. Mais alguns vidros partidos e os telhados que sob o efeito do peso se deformavam, denunciavam a sua passagem. Mas, se a sua passagem pouco afectou a casa, em mim tinha deixado duras marcas. Já não era dos fantasmas da casa que eu tinha medo mas sim dos meus próprios fantasmas.

Fruto do longo abandono temporal, a porta de entrada estava entreaberta. Empurrei-a e entrei na casa, desafiando trocista os medos de outrora. A claridade do dia e os sons transformaram-se em escuridão e silêncio, quebrado unicamente pelo gemido das velhas tábuas do soalho prensadas pelo peso dos meus passos. Abrindo caminho por entre enormes teias de aranha, tentava visualizar o caminho no meio da densa poeira que pairava no ar enquanto o meu aspecto se embranquecia cada vez mais. Pequenos feixes de luz, que emergiam entre frinchas e telhas partidas, pouco ou nada ajudavam. Tal como é habitual nos filmes, em vez de estar vazia, a casa tinha móveis cuidadosamente cobertos por lençóis e mantos de poeira. Parecia que aguardava o regresso de alguém.

Continuei com o pensamento absorto na descoberta, quando um ruído ecoou pela casa. Dei um salto a tremer de medo. Voltei-me com os cabelos em pé. Mas atrás de mim não havia nada. Só as trevas silenciosas. Ao perscrutá-las profundamente senti-me invadido por suores frios. Os piores receios começaram então a emergir.

Mas nada perturbou o silêncio e a imobilidade da escuridão. De repente gritei impulsionado pelo terror do momento: "Está aí alguém?" tendo por única resposta o murmúrio do eco. Dominado pelo medo, em desespero, procurei a porta de saída. Entrei num quarto e tornei a ouvir novamente o ruído. Tentei sossegar, atribuindo a sua origem ao vento e continuei à procura da porta da salvação. Ouvi novamente o ruído e senti o coração parar. Vinha da janela em frente. Enchi-me de coragem e abri os cortinados empoeirados. Um vulto negro raspou-me a cabeça, parou no outro lado da sala fitando-me olhos nos olhos. O seu olhar fixo e ardente gelava-me até ao mais íntimo do meu ser. O ar tornou-se irrespirável. No meu último folgo de coragem, apontei a lanterna na sua direcção. Tratava-se de um corvo. Um miserável corvo que quase me matava de coração. Lágrimas de alívio brotaram. Alegre entrei no Hall, preparando-me para abandonar a maldita casa de vez. Mas o chiar das escadas prendeu-me a atenção. Uma figura humana transparente descia na minha direcção.

A pouca luz tornou-se turva até desaparecer na escuridão total. Quando acordei, estava deitado no jardim, em frente à porta. Sorri de alegria, pensado ter sido vítima de um medonho pesadelo. Comecei a sacudir o pó do fato quando reparei que nele tinha a marca de duas mãos. Senti um arrepio invadir-me a espinha. Olhei para a casa. A porta estava totalmente aberta. Não queria que o quer que estava encerrado no interior daquela casa se escapulisse e corri a fechá-la. Pareceu-me ouvir uma voz a agradecer o gesto mas não arrisquei a confirmar.

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