quarta-feira, novembro 03, 2010

O inconsciente colectivo

"O sucesso de um político depende da absoluta falta da consciência de si, não no sentido que Marx deu ao termo mas no sentido que a língua inglesa lhe dá. A self-consciousness fornece ao indivíduo a noção do ridículo, o que talvez seja óptimo na vida quotidiana e é certamente péssimo numa carreira pública, onde a inteligência e a timidez associadas à forte consciência de si são dois estorvos que o pretenso estadista não pode arrastar. Nuns momentos mais do que noutros.

Veja-se, por exemplo, as apresentações das candidaturas presidenciais: o protagonista de uma situação assim afirma-se convencido das qualidades que o habilitam a chefiar o Estado. O sujeito julga-se, ou no mínimo finge que se julga, superior a todas as alternativas, no fundo os milhões de cidadãos tecnicamente elegíveis. Bem sei que não há maneira diferente, e eficaz, de fazer as coisas, mas a atitude sempre me pareceu descarada. Só a circunstância de estar ali sem se rir implica uma pretensão peculiar, mesmo que o candidato nada diga.

E quando o candidato diz? E quando o candidato, por exemplo Cavaco Silva, passa os vinte e tal minutos do discurso a elogiar a sua excelsa pessoa? O prof. Cavaco encontra-se satisfeitíssimo com a sua "acção intensa e ponderada", a sua "magistratura de influência", a sua "experiência", o seu "conhecimento", a sua estratégia para poupar dinheiro em out-doors, etc.

Acredito sinceramente que o prof. Cavaco tenha, palavras dele, "consciência dos problemas do País". Consciência de si, não tem muita. Um espectador olha o seu primeiro mandato e recorda principalmente o quê? Uma trapalhada em volta de "escutas" relativamente irreais, os escrúpulos em varrer um Governo calamitoso para não complicar a própria reeleição e, nos últimos tempos, os "apelos discretos", com idênticos fins, em prol da aprovação do orçamento.

E o pior não é isso. O pior é que, se comparados com o que o cerca, até os exageros do prof. Cavaco suscitam tolerância. Apesar de tudo, e "tudo" não é pouco, há no prof. Cavaco um vestígio essencial do bom senso que não há em seu redor, quer se procure na excêntrica concorrência presidencial, quer se procure nos partidos do poder e da oposição. A noção de ridículo que existe em doses limitadas no actual inquilino de Belém é um conceito absolutamente desconhecido de cada uma das demais alminhas que cirandam na política caseira. Em matéria de lucidez, o prof. Cavaco é afinal um oásis, e se ele é um oásis imagine-se o que será o resto. Ou nem é preciso imaginar: basta sentir
."

Alberto Gonçalves

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