segunda-feira, maio 16, 2011

A 'troika' nunca existiu

"Ao contrário de muitos, não achei despropositado que Francisco Assis apelasse aos portugueses para conterem a euforia após o acordo com a troika. Sobretudo se o apelo se dirigia prioritariamente aos portugueses que exercem funções directivas no PS, militam no PS ou dependem de alguma maneira do PS e do Estado que o PS, embora não só o PS, galhardamente ajudou a erguer.

Aliás, o dr. Assis foi dos primeiros eufóricos a carecer de moderação. Mal se soube que o "memorando de entendimento" determina a redução ("significativa") do número de municípios e freguesias, o insigne parlamentar correu logo a opinar que concordava com a erradicação de algumas juntas, mas "não acredita" que "se avance para a eliminação dos concelhos", os quais, garante, não são "em número excessivo" no "contexto europeu".

Talvez não valha a pena explicar ao dr. Assis que, salvo uma ou duas excepções, o "contexto europeu" é um nadinha diferente do contexto nacional, leia-se a mendicidade absoluta. O que vale a pena é reler as suas palavras, essenciais para se perceber a atitude do PS face às directivas do FMI e parceiros: no fundo, os senhores que estropiaram Portugal nos últimos seis anos e misteriosamente concorrem a estropiá-lo nos próximos quatro acreditam que, com jeitinho, tudo permanecerá intocável pela parte que lhes toca.

Os "cortes" nas autarquias são um exemplo, por acaso comum aos demais partidos. Há muitos exemplos, assumidos ou implícitos, de exclusiva lavra socialista. Privatização de empresas estatais? Quiçá uma ou duas, na condição de que o Estado, leia-se os amigos do PS, permaneça lá dentro. Abolição de fundações, empresas municipais e portentos afins? Uma pequeníssima fracção, de preferência a seleccionar entre entidades imaginárias. Revisão dos subsídios às energias "renováveis"? As "renováveis" garantem a independência pátria. Moderação do sorvedouro chamado RTP? Não convém "desvirtuar a natureza" do "serviço público". Suspensão do TVG? Não se pode isolar Portugal da Europa. Redução da taxa social única? Com certeza, de 0,25% e nunca (nunca!) dos 8% a 12% de que o sr. Thomson do FMI se convenceu.

O sr. Thomson, que pelos vistos é de uma ingenuidade notável, convenceu-se de imensas coisas. Sobretudo convenceu-se de que lidava com gente suficientemente inapta para afundar uma economia e suficientemente séria para realizar os esforços necessários à sua salvação. Acertou em metade. Na demorada passagem por Lisboa, os delegados da troika ridicularizaram ponto por ponto os desígnios do PS para o País. O PS vinga-se apresentando, e defen- dendo, um programa eleitoral que nem remotamente admite a existência da troika.

Ao insistir na exacta receita que tornou imprescindível o empréstimo, das duas, uma: ou o eng. Sócrates procura aldrabar os cidadãos e termina com a farsa após as eleições ou procura aldrabar os financiadores e leva a farsa rumo à "reestruturação" da dívida (o calote), à saída do euro e ao que calhar. A confirmar-se a segunda hipótese, o eng. Sócrates será justo consigo mesmo: prometeu que não governaria com o FMI e, por uma vez na vida, arrisca-se a cumprir a promessa. Falta saber como. E falta saber se o deixamos. Acima de tudo, falta saber porque é que ainda ponderamos deixá-lo
."

Alberto Gonçalves

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