Não vão na conversa da solvência europeia
"Numa altura em que os Europeus celebram o fim da crise financeira, algo de estranho está acontecer nos mercados obrigacionistas.
O fosso de rentabilidade das obrigações a dez anos entre os países periféricos e a Alemanha está a aumentar a um ritmo alarmante. E está agora próximo dos níveis registados antes da decisão da UE de criar um fundo de salvamento em Maio.
Na sexta-feira passada, os ‘spreads' eram de 3,4% para a Irlanda, 9,4% para a Grécia, 3,4% para Portugal e 1,7% para Espanha. A rentabilidade das obrigações alemãs a 10 anos é ridiculamente baixa, na ordem dos 2,3%. Os mercados financeiros vêem de certo modo a Alemanha como um exemplo de virtude, estabilidade e boa gestão financeira, e dão-se por contentes se os seus investimentos a 10 anos não registarem grandes retornos. Se os mercados obrigacionistas voltassem ao normal e se os ‘spreads' se mantivessem assim, a Europa periférica deparar-se-ia com um fardo em matéria de taxas de juro difícil de suportar.
Esta observação remete-nos para a questão da capacidade de solvência de alguns países num cenário como este. A solvência é definida como a capacidade de financiar dívida de uma forma sustentada e é afectada tanto pelo montante de dívida como pelo rendimento que permite reembolsar essa dívida.
Espanha aparentemente está bem. A dívida do sector público e privado em Portugal ultrapassa os 200% do PIB. Na Irlanda, o principal problema é o sector bancário. Os economistas Peter Boone e Simon Johnson fizeram alguns cálculos e concluíram que o montante de dívida dos bancos que provavelmente vai acabar nas mãos do governo irlandês é de cerca de um terço do PIB. E concluíram que se as taxas a 10 anos se mantiverem nestes níveis - próximas dos 6% - a Irlanda acabará por ficar insolvente. Para corrigir isto a Irlanda terá que gerar taxas de crescimento futuro espectaculares. Estará este país em condições de replicar o modelo do Tigre Celta?
Na Grécia, o programa de ajustamento está a correr bem - muito melhor do que se esperava. Algumas das pessoas com quem discuti o assunto falam de modo quase eufórico sobre a forma como o governo grego abordou esta crise. Eu próprio estou a levar muito a sério o empenho do governo, nomeadamente no que toca às medidas fiscais e orçamentais.
Mas estou menos optimista no que toca às reformas estruturais. De lembrar que, mesmo fazendo uma avaliação relativamente optimista das mudanças nas políticas na Grécia, a solvência está longe de garantida. Ainda não encontrei nenhuma estimativa realista que aponte para uma estabilização da dívida da Grécia face ao PIB. Os mais optimistas apontam para a eventualidade de um crescimento acima das previsões, sem explicarem no entanto de onde virá esse crescimento.
Nesta questão da recuperação, os indicadores de confiança das empresas apontam no sentido de uma recuperação da economia global, mas nada nos dizem sobre a natureza e sustentabilidade dessa recuperação."
Wolfgang Münchau
O fosso de rentabilidade das obrigações a dez anos entre os países periféricos e a Alemanha está a aumentar a um ritmo alarmante. E está agora próximo dos níveis registados antes da decisão da UE de criar um fundo de salvamento em Maio.
Na sexta-feira passada, os ‘spreads' eram de 3,4% para a Irlanda, 9,4% para a Grécia, 3,4% para Portugal e 1,7% para Espanha. A rentabilidade das obrigações alemãs a 10 anos é ridiculamente baixa, na ordem dos 2,3%. Os mercados financeiros vêem de certo modo a Alemanha como um exemplo de virtude, estabilidade e boa gestão financeira, e dão-se por contentes se os seus investimentos a 10 anos não registarem grandes retornos. Se os mercados obrigacionistas voltassem ao normal e se os ‘spreads' se mantivessem assim, a Europa periférica deparar-se-ia com um fardo em matéria de taxas de juro difícil de suportar.
Esta observação remete-nos para a questão da capacidade de solvência de alguns países num cenário como este. A solvência é definida como a capacidade de financiar dívida de uma forma sustentada e é afectada tanto pelo montante de dívida como pelo rendimento que permite reembolsar essa dívida.
Espanha aparentemente está bem. A dívida do sector público e privado em Portugal ultrapassa os 200% do PIB. Na Irlanda, o principal problema é o sector bancário. Os economistas Peter Boone e Simon Johnson fizeram alguns cálculos e concluíram que o montante de dívida dos bancos que provavelmente vai acabar nas mãos do governo irlandês é de cerca de um terço do PIB. E concluíram que se as taxas a 10 anos se mantiverem nestes níveis - próximas dos 6% - a Irlanda acabará por ficar insolvente. Para corrigir isto a Irlanda terá que gerar taxas de crescimento futuro espectaculares. Estará este país em condições de replicar o modelo do Tigre Celta?
Na Grécia, o programa de ajustamento está a correr bem - muito melhor do que se esperava. Algumas das pessoas com quem discuti o assunto falam de modo quase eufórico sobre a forma como o governo grego abordou esta crise. Eu próprio estou a levar muito a sério o empenho do governo, nomeadamente no que toca às medidas fiscais e orçamentais.
Mas estou menos optimista no que toca às reformas estruturais. De lembrar que, mesmo fazendo uma avaliação relativamente optimista das mudanças nas políticas na Grécia, a solvência está longe de garantida. Ainda não encontrei nenhuma estimativa realista que aponte para uma estabilização da dívida da Grécia face ao PIB. Os mais optimistas apontam para a eventualidade de um crescimento acima das previsões, sem explicarem no entanto de onde virá esse crescimento.
Nesta questão da recuperação, os indicadores de confiança das empresas apontam no sentido de uma recuperação da economia global, mas nada nos dizem sobre a natureza e sustentabilidade dessa recuperação."
Wolfgang Münchau
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