Quem concorre por gosto não cansa
"A última vez que se cartelizaram sem segredo, os banqueiros juntaram-se e deixaram de financiar o Estado. Foi há quase dois anos e a decisão apressou o pedido de intervenção externa, que passou de inevitável a inadiável. Para Sócrates, foi uma traição. Mas combinam os banqueiros taxas de juro no crédito? A AdC suspeita que sim.
Milhares de razões podem explicar uma coincidência de preços incluindo a concorrência quase perfeita. Quando os bancos ofereciam "spreads" de quase 0% no crédito à habitação não se ouviram dúvidas quanto ao que era, evidentemente, uma guerra de preços. Mesmo que uma guerra de preços seja, muitas vezes, anticoncorrencial, porque visa conquistar quota de mercado e eventualmente "quebrar" concorrentes mais fracos.
Agora, as taxas de juro estão muito elevadas e não muito baixas. Não é possível dizer que há cartel a não ser com provas irrefutáveis (e provar uma combinação de preços é tão difícil que quase sempre exige provas que só um arrependido consegue apresentar, pelo que lhe é, aliás, garantida a clemência). Mas é possível dizer que, ao contrário do que dizem os bancos, falta concorrência na banca em Portugal.
A crise financeira e a necessidade de reduzir o endividamento dos bancos levaram a uma guerra de depósitos. Assim, subiram as taxas de juro quer dos depósitos, quer dos créditos. Desde o ano passado, porém, que as taxas dos depósitos estão em queda, o que aliás foi incentivado pelo Banco de Portugal. Mas as taxas dos créditos não desceram. A diferença entre as taxas cobradas e pagas são lucro da banca. E o alargamento dessa diferença ajudou a que a margem financeira dos bancos melhorasse ao longo de 2012. Hoje, os créditos novos em Portugal ultrapassam em média 6%, segundo a APB. Os depósitos não chegam a taxas médias de 3%.
Se houver cartel na banca, a sua OPEP será a APB. Há poucos dias, o seu presidente, Faria de Oliveira, repetiu que o problema dos bancos é rentabilidade. Os prejuízos do ano passado foram devastadores em Portugal. Porque os bancos estão grandes para o negócio que resta, o que já levou a milhares de despedimentos; porque o malparado e o crédito em risco é alto; e porque nos balanços dos bancos pesa um legado tóxico chamado crédito à habitação. Os bancos concederam créditos a 30 e a 40 anos com spreads inferiores a 1% que são financiados hoje com taxas muito mais altas. A guerra de preços do passado decorreu de má gestão e de falta de regulação. O sonho virou um pesadelo.
Manuel Sebastião arriscava-se a sair da Autoridade da Concorrência sem deixar um só vestígio. Esta investigação, que a nova Lei da Concorrência (imposta pela troika) viabiliza, garante-lhe a pegada. Os bancos juram que os juros que hoje cobram corresponde ao prémio de risco da economia: há mais probabilidade de que os clientes não paguem pelo que tem de se cobrar mais caro. É verdade. E é mentira. O que os bancos estão a fazer é compensar com os novos créditos caros a perda com os velhos créditos baratos. Essa perda está nos bancos em lenta decomposição. Para evitar isso, aqui se defendeu uma venda agressiva de carteiras de crédito, o que levaria ao prejuízo brutal mas imediato, permitindo limpar os balanços e reiniciar vida nova. Não foi o caminho seguido.
Os bancos dizem que não falta oferta de crédito, mas sim procura. Ora, a procura e a oferta cruzam-se num preço. Se os créditos fossem mais baratos, haveria mais procura de crédito. E isso é particularmente importante no caso das empresas, que hoje pagam juros quatro a cinco pontos percentuais mais caros do que muitos concorrentes europeus. Os "spreads" e comissões que estão sob suspeita não são no entanto esses, mas os de créditos a particulares.
Há outra forma de olhar para a equação: assumir que o crédito antigo traz um custo afundado. Hoje não há problemas de capitalização nos bancos e há colaterais suficientes para recorrer ao Banco Central Europeu, que empresta a taxas ridículas. Um banco que não tivesse o legado do crédito caro poderia cobrar mais barato. Teoricamente.
Na prática, os bancos estão aflitos para recuperar o negócio, pagar empréstimos ao Estado e fazer subir as acções para compensar quem investiu em aumentos de capital. Mas há um ponto aqui importante: se o Governo achar que os créditos estão caros tem um banco para fazê-los descer: a Caixa é suficientemente grande para impor uma descida generalizada do crédito. E isso significa que, se há cartel, o banco do Estado tem de fazer parte dele.
O que pensa a Caixa de tudo isto? O que pensa o Banco de Portugal, o último a saber e o primeiro a sair mal da história? O que pensa Vítor Gaspar, que quer forçar os bancos a baixarem os preços? Para já, importa o que pensa a justiça. Deixem-nos adivinhar: um furacão."
Pedro Santos Guerreiro