sexta-feira, março 30, 2012
http://publication.prod.wcm.impresa.pt:8080/sicnot/pais/article1384793.ece
Falar em democracia é um semantismo, ou seja, a ser caso de semântica é a pior das ditaduras porque feita em nome da liberdade.
Em nome do lema da revolução francesa foram cometidas as maiores atrocidades, em nome da libertação também, como em nome da fé.
Hoje é uma das doutrinas secularistas.
O cão de Pavlov ensina que os povos podem ser cães de Pavlov e assim melhor instrumentalizados..
terça-feira, março 27, 2012
Paradoxo da austeridade.
"O défice é uma variável endógena, dependente do andamento da economia, e daí este paradoxo da austeridade. É apenas um dos paradoxos da economia da depressão. O que parece racional para cada agente, público ou privado, individualmente considerado – poupar mais devido à incerteza face ao futuro – gera um resultado global de compressão da procura, do rendimento e no final da própria poupança. É o famoso paradoxo da poupança. Juntem-lhe mais um paradoxo, o salarial: tratar os salários como um custo a conter a todo o custo pode parecer racional para tentar incrementar a procura externa à custa dos vizinhos, mas como todos os países estão na mesma senda, temos a procura externa deprimida em cima de uma procura interna que colapsa e lá se vai o único e sempre insuficiente motor. As reformas ditas estruturais, o tal aumento da liberdade dos patrões a que se chama flexibilidade, pura ideologia, só aumentam os encadeamentos perversos neste e noutros campos.
E chegamos ao paradoxo fatal da dívida: quanto mais os devedores se esforçam por pagar, vendendo tudo a preço de saldo, mais eles devem. Perceber os paradoxos da depressão exige sair do mundo mágico dos equilíbrios de mercado onde vive Vítor Gaspar e entrar no mundo real da causalidade cumulativa, no contexto do círculo vicioso da depressão em que estamos trancados, e que o bom jornalismo de economia vai revelando. A realidade tem tal força que os editoriais do Público, embora com rodriguinhos, já vão dizendo a “verdade singela” sobre as políticas do governo: “Ao fim de quase um ano de troika o país está pior do que o previsto e, mais grave ainda, não se vislumbram ao fundo do túnel nem expectativas de crescimento, nem sequer o regresso aos mercados financeiros. Quando se faz bem uma coisa má, não se está a fazer bem.”
Ladrões de Bicicletas
E chegamos ao paradoxo fatal da dívida: quanto mais os devedores se esforçam por pagar, vendendo tudo a preço de saldo, mais eles devem. Perceber os paradoxos da depressão exige sair do mundo mágico dos equilíbrios de mercado onde vive Vítor Gaspar e entrar no mundo real da causalidade cumulativa, no contexto do círculo vicioso da depressão em que estamos trancados, e que o bom jornalismo de economia vai revelando. A realidade tem tal força que os editoriais do Público, embora com rodriguinhos, já vão dizendo a “verdade singela” sobre as políticas do governo: “Ao fim de quase um ano de troika o país está pior do que o previsto e, mais grave ainda, não se vislumbram ao fundo do túnel nem expectativas de crescimento, nem sequer o regresso aos mercados financeiros. Quando se faz bem uma coisa má, não se está a fazer bem.”
Ladrões de Bicicletas
O temível petróleo
"O petróleo já está bem acima dos 100 dólares por barril, apesar do fraco crescimento económico nos países avançados e em muitos mercados emergentes. O prémio do medo poderá fazer subir muito mais os preços, mesmo que acabe por não ocorrer nenhum conflito militar.
A actual frágil economia mundial depara-se com muitos riscos: o risco de um reacender a crise da Zona Euro; o risco de um abrandamento mais significativo do que o esperado na China; e o risco de que a retoma económica nos Estados Unidos perca o ímpeto (uma vez mais). Contudo, nenhum risco é mais sério do que aquele que é colocado por uma nova escalada dos preços do petróleo.
O preço do barril do Brent do Mar do Norte, que no ano passado se manteve bastante abaixo dos 100 dólares, atingiu recentemente os 125 dólares. Os preços da gasolina nos EUA estão a aproximar-se dos quatro dólares por galão [3,78 litros], um limiar danoso para a confiança do consumidor, e aumentarão ainda mais durante o Verão, estação em que há uma forte procura.
O motivo é o medo. As reservas de crude são abundantes e a procura nos EUA e na Europa tem diminuído, à conta de uma menor utilização dos automóveis nos últimos anos e de um crescimento fraco ou negativo do PIB nos Estados Unidos e na Zona Euro. No entanto, os crescentes receios de um conflito militar entre Israel e o Irão criaram aquilo a que se chama "prémio do medo".
As últimas três recessões mundiais (anteriores a 2008) resultaram todas de choques geopolíticos no Médio Oriente que provocaram uma forte subida das cotações do petróleo. A guerra do Yom Kippur, de 1973, entre Israel e os Estados árabes, levou a uma estagflação global (recessão e inflação) em 1974-1975. A revolução iraniana, em 1979, conduziu a uma estagflação mundial em 1980-1982. E a invasão do Koweit pelo Iraque, no Verão de 1990, levou à recessão global de 1990-1991.
Mesmo a recente recessão mundial, se bem que desencadeada por uma crise financeira, foi exacerbada pela escalada dos preços do petróleo em 2008. Com o preço do barril a atingir os 147 dólares em Julho desse ano, as economias avançadas e os mercados emergentes que importavam petróleo confrontaram-se com um ponto de viragem recessivo.
O risco de que a ameaça de Israel de ataque às instalações nucleares do Irão resulte, de facto, num conflito militar, pode ser baixo – mas está a intensificar-se. A recente visita do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, aos Estados Unidos, demonstrou que o pavio de Israel é muito mais curto do que o dos norte-americanos. A actual guerra de palavras está a escalar, bem como a guerra clandestina que Israel e os EUA estão alegadamente a levar a cabo com o Irão (incluindo a morte de cientistas nucleares e o recurso à guerra electrónica para danificar instalações nucleares).
O Irão, com as costas encostadas à parede, numa altura em que as sanções "mordem" com mais força (especialmente as recentes restrições aos bancos iranianos por parte do SWIFT [Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication] e a decisão da Europa de deixar de importar petróleo iraniano), poderá reagir com um aumento de tensões no Golfo. Poderá até afundar facilmente alguns navios, de modo a bloquear o Estreito de Ormuz, ou promover uma ofensiva através dos movimentos que controla na região, o que inclui as forças xiitas pró-iranianas no Iraque, Bahrein, Koweit e Arábia Saudita, o Hezbollah no Líbano e o Hamas e a Jihad Islâmica em Gaza.
Os recentes ataques a embaixadas israelitas em todo o mundo parecem ser uma reacção iraniana à guerra encoberta que tem vindo a ser promovida contra o país e ao endurecimento das sanções de que é alvo, que estão a agravar os efeitos da má gestão da economia por parte do regime de Teerão. Da mesma forma, a recente escalada nos combates transfronteiriços entre Israel e os militantes palestinianos sediados em Gaza poderá ser um sinal do que está para vir.
As próximas semanas poderão trazer uma diminuição das tensões, já que os EUA, França, Alemanha, Reino Unido, China e Rússia vão levar a cabo mais uma ronda no sentido de evitar que o Irão desenvolva armas nucleares ou a capacidade para as produzir. Mas se esta tentativa fracassar, como é muito provável, não podemos descartar a possibilidade de, no Verão, os EUA e Israel concluírem que terão de usar de força para travar o Irão.
Com efeito, se bem que Israel e os Estados Unidos discordem nalguns pontos – Israel quer aracar este ano, ao passo que a Administração Obama se opõe a uma acção militar antes das eleições presidenciais de Novembro – ambos os lados concordam nos objectivos e nos planos. Mais importante ainda, os EUA estão agora a rejeitar claramente qualquer tipo de contenção (aceitando um Irão nuclear e recorrendo a uma estratégia de dissuasão). Assim, se as sanções e as negociações não resultarem de forma credível, os EUA (um país que não faz "bluff", segundo Obama) terão de agir militarmente contra o Irão. Os Estados Unidos estão a fornecer bombas "bunker-buster" [bombas perfurantes que foram desenhadas para penetrar em blocos de cimento ("bunkers") até 60,96 metros antes de explodirem] e a reabastecerem aviões de Israel, ao mesmo tempo que os exércitos de ambos os países realizam exercícios militares conjuntos para o caso se ser necessário e inevitável atacar o Irão.
Se os tambores de guerra rufarem mais alto este Verão, os preços do petróleo poderão disparar para níveis capazes de levar a uma desaceleração do crescimento dos EUA e do resto do mundo, e até mesmo a uma recessão directa no caso de ocorrer um conflito militar e os preços do crude escalarem de imediato.
Além disso, há outras tensões geopolíticas no Médio Oriente que não estão a atenuar-se e que poderão mesmo intensificar-se. Além da profunda incerteza em relação ao curso dos acontecimentos no Egipto e na Líbia, agora a Síria está à beira da guerra civil e há forças radicais que podem ganhar vantagem no Iémen, minando a segurança na Arábia Saudita. Também não estão postos de parte os receios em torno das tensões políticas no Bahrein e na Província Oriental da Arábia Saudita (rica em petróleo), e mesmo no Koweit e na Jordânia – regiões onde a população de xiitas ou de outros grupos instáveis é significativa.
Agora que os Estados Unidos saíram do Iraque, o aumento de tensões entre as facções xiitas, sunitas e curdas não é um bom prenúncio para a probabilidade de um aumento da produção iraquiana de petróleo, pelo menos para breve. Há também o conflito Israel-Palestina, as tensões entre Israel e a Turquia e outros "pontos quentes" – particularmente Afeganistão e Paquistão – nas redondezas.
O petróleo já está bem acima dos 100 dólares por barril, apesar do fraco crescimento económico nos países avançados e em muitos mercados emergentes. O prémio do medo poderá fazer subir muito mais os preços, mesmo que acabe por não ocorrer nenhum conflito militar, e poderá dar-se uma recessão global no caso de haver mesmo alguma guerra."
Nouriel Roubini
A actual frágil economia mundial depara-se com muitos riscos: o risco de um reacender a crise da Zona Euro; o risco de um abrandamento mais significativo do que o esperado na China; e o risco de que a retoma económica nos Estados Unidos perca o ímpeto (uma vez mais). Contudo, nenhum risco é mais sério do que aquele que é colocado por uma nova escalada dos preços do petróleo.
O preço do barril do Brent do Mar do Norte, que no ano passado se manteve bastante abaixo dos 100 dólares, atingiu recentemente os 125 dólares. Os preços da gasolina nos EUA estão a aproximar-se dos quatro dólares por galão [3,78 litros], um limiar danoso para a confiança do consumidor, e aumentarão ainda mais durante o Verão, estação em que há uma forte procura.
O motivo é o medo. As reservas de crude são abundantes e a procura nos EUA e na Europa tem diminuído, à conta de uma menor utilização dos automóveis nos últimos anos e de um crescimento fraco ou negativo do PIB nos Estados Unidos e na Zona Euro. No entanto, os crescentes receios de um conflito militar entre Israel e o Irão criaram aquilo a que se chama "prémio do medo".
As últimas três recessões mundiais (anteriores a 2008) resultaram todas de choques geopolíticos no Médio Oriente que provocaram uma forte subida das cotações do petróleo. A guerra do Yom Kippur, de 1973, entre Israel e os Estados árabes, levou a uma estagflação global (recessão e inflação) em 1974-1975. A revolução iraniana, em 1979, conduziu a uma estagflação mundial em 1980-1982. E a invasão do Koweit pelo Iraque, no Verão de 1990, levou à recessão global de 1990-1991.
Mesmo a recente recessão mundial, se bem que desencadeada por uma crise financeira, foi exacerbada pela escalada dos preços do petróleo em 2008. Com o preço do barril a atingir os 147 dólares em Julho desse ano, as economias avançadas e os mercados emergentes que importavam petróleo confrontaram-se com um ponto de viragem recessivo.
O risco de que a ameaça de Israel de ataque às instalações nucleares do Irão resulte, de facto, num conflito militar, pode ser baixo – mas está a intensificar-se. A recente visita do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, aos Estados Unidos, demonstrou que o pavio de Israel é muito mais curto do que o dos norte-americanos. A actual guerra de palavras está a escalar, bem como a guerra clandestina que Israel e os EUA estão alegadamente a levar a cabo com o Irão (incluindo a morte de cientistas nucleares e o recurso à guerra electrónica para danificar instalações nucleares).
O Irão, com as costas encostadas à parede, numa altura em que as sanções "mordem" com mais força (especialmente as recentes restrições aos bancos iranianos por parte do SWIFT [Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication] e a decisão da Europa de deixar de importar petróleo iraniano), poderá reagir com um aumento de tensões no Golfo. Poderá até afundar facilmente alguns navios, de modo a bloquear o Estreito de Ormuz, ou promover uma ofensiva através dos movimentos que controla na região, o que inclui as forças xiitas pró-iranianas no Iraque, Bahrein, Koweit e Arábia Saudita, o Hezbollah no Líbano e o Hamas e a Jihad Islâmica em Gaza.
Os recentes ataques a embaixadas israelitas em todo o mundo parecem ser uma reacção iraniana à guerra encoberta que tem vindo a ser promovida contra o país e ao endurecimento das sanções de que é alvo, que estão a agravar os efeitos da má gestão da economia por parte do regime de Teerão. Da mesma forma, a recente escalada nos combates transfronteiriços entre Israel e os militantes palestinianos sediados em Gaza poderá ser um sinal do que está para vir.
As próximas semanas poderão trazer uma diminuição das tensões, já que os EUA, França, Alemanha, Reino Unido, China e Rússia vão levar a cabo mais uma ronda no sentido de evitar que o Irão desenvolva armas nucleares ou a capacidade para as produzir. Mas se esta tentativa fracassar, como é muito provável, não podemos descartar a possibilidade de, no Verão, os EUA e Israel concluírem que terão de usar de força para travar o Irão.
Com efeito, se bem que Israel e os Estados Unidos discordem nalguns pontos – Israel quer aracar este ano, ao passo que a Administração Obama se opõe a uma acção militar antes das eleições presidenciais de Novembro – ambos os lados concordam nos objectivos e nos planos. Mais importante ainda, os EUA estão agora a rejeitar claramente qualquer tipo de contenção (aceitando um Irão nuclear e recorrendo a uma estratégia de dissuasão). Assim, se as sanções e as negociações não resultarem de forma credível, os EUA (um país que não faz "bluff", segundo Obama) terão de agir militarmente contra o Irão. Os Estados Unidos estão a fornecer bombas "bunker-buster" [bombas perfurantes que foram desenhadas para penetrar em blocos de cimento ("bunkers") até 60,96 metros antes de explodirem] e a reabastecerem aviões de Israel, ao mesmo tempo que os exércitos de ambos os países realizam exercícios militares conjuntos para o caso se ser necessário e inevitável atacar o Irão.
Se os tambores de guerra rufarem mais alto este Verão, os preços do petróleo poderão disparar para níveis capazes de levar a uma desaceleração do crescimento dos EUA e do resto do mundo, e até mesmo a uma recessão directa no caso de ocorrer um conflito militar e os preços do crude escalarem de imediato.
Além disso, há outras tensões geopolíticas no Médio Oriente que não estão a atenuar-se e que poderão mesmo intensificar-se. Além da profunda incerteza em relação ao curso dos acontecimentos no Egipto e na Líbia, agora a Síria está à beira da guerra civil e há forças radicais que podem ganhar vantagem no Iémen, minando a segurança na Arábia Saudita. Também não estão postos de parte os receios em torno das tensões políticas no Bahrein e na Província Oriental da Arábia Saudita (rica em petróleo), e mesmo no Koweit e na Jordânia – regiões onde a população de xiitas ou de outros grupos instáveis é significativa.
Agora que os Estados Unidos saíram do Iraque, o aumento de tensões entre as facções xiitas, sunitas e curdas não é um bom prenúncio para a probabilidade de um aumento da produção iraquiana de petróleo, pelo menos para breve. Há também o conflito Israel-Palestina, as tensões entre Israel e a Turquia e outros "pontos quentes" – particularmente Afeganistão e Paquistão – nas redondezas.
O petróleo já está bem acima dos 100 dólares por barril, apesar do fraco crescimento económico nos países avançados e em muitos mercados emergentes. O prémio do medo poderá fazer subir muito mais os preços, mesmo que acabe por não ocorrer nenhum conflito militar, e poderá dar-se uma recessão global no caso de haver mesmo alguma guerra."
Nouriel Roubini
segunda-feira, março 26, 2012
Transparências especiais...
1/ "Presidente da Galp defende que mercado de combustíveis é "de uma transparência inigualável (mais aqui)"
2/ "Preço do gasóleo dá renda a cinco milionários (mais aqui)"
2/ "Preço do gasóleo dá renda a cinco milionários (mais aqui)"
Etiquetas: "O povo é sereno", atirem-nos areia para os olhos.
Negócios e execução orçamental...
"1/ Tráfego na Via do Infante caiu para metade com portagens (mais aqui)""Amigos amigos, negócios...". Nada que prejudique a brilhante execução orçamental... (mais aqui)"
2/ "O Governo aumentou a rentabilidade das concessionárias das ex-SCUT do Algarve e da Beira Interior, detidas em maioria pela espanhola Cintra e pela portuguesa Soares da Costa, respectivamente. A alteração foi efectuada no âmbito da negociação para a introdução de portagens nestas estradas, de acordo com o relatório da comissão de negociação, a que o SOL teve acesso. As taxas internas de rentabilidade (TIR) accionistas subiram de 13,03% para 13,97% na ex-SCUT da Beira Interior e de 7,72% para 8,62%, no Algarve (mais aqui)
De derrocada em derrocada...
"Até agora tinha sido uma ‘derrocada’ pela quebra de consumo. A partir de agora passa a ser acrescida do impacto do aumento dos impostos, nomeadamente do IVA, até porque maioria das empresas não conseguiu induzir este aumento nos preços de venda. Em Maio, será o final da catástrofe, porque vai ser a maioria dos pagamentos trimestrais (mais aqui)"
Etiquetas: Portugal no "bom" caminho.
Economia da Troika
1/ "Cerca de mil empresas de transporte de mercadorias fecharam desde 2011. Há empresas que têm camiões parados, umas porque o serviço não é rentável, outras porque já não conseguem crédito para o combustível (mais aqui)"
2/ "Famílias entregaram 37 casas por dia à banca em dezembro (mais aqui)"
3/ "Dispara número de casais desempregados (mais aqui)
Etiquetas: Portugal no "bom" caminho.
domingo, março 25, 2012
Um homem honrado
"Quero condenar firmemente os boatos que dão o eng. Sócrates como envolvido numa história de suborno a propósito do licenciamento do Freeport. A hipótese de o ex-primeiro-ministro (e à data ministro do Ambiente) ter pedido 500 mil contos para aprovar o outlet em Alcochete não passa de uma infâmia e de uma grosseira mentira.
É mentira porque, ao contrário do eng. Sócrates, o acusador Augusto Ferreira do Amaral é antigo ministro do PSD, feio e malvado. É mentira porque, ao contrário do eng. Sócrates, a fonte do acusador é réu no processo, feio e malvado. É mentira porque à data do alegado e delirante episódio o euro já estava em vigor e um sujeito tão esclarecido quanto o eng. Sócrates teria feito a requisição em euros. É mentira porque toda a gente sabe que as despesas do eng. Sócrates em Paris, incluindo um apartamento de sete mil euros mensais, uma pós-graduação de 13 mil euros anuais e os estudos do filho (dois mil e tal euros em propinas), são suportadas pela comprovadíssima fortuna pessoal da mãe dele, um doce de senhora e um poço de generosidade. É mentira porque o próprio eng. Sócrates e o seu ilustre advogado juram que é mentira.
Finalmente, é mentira porque o eng. Sócrates é pessoa de contas certas, excepto as que, conforme se viu nos casos do TGV ou da Parque Escolar ou do que calha, atingem o Tribunal das ditas. As contas restantes nem chegam a tribunal nenhum, prova cabal da honradez de um Homem, com maiúscula e, não tarda, mestrado para certificar uma mestria inata."
Alberto Gonçalves
É mentira porque, ao contrário do eng. Sócrates, o acusador Augusto Ferreira do Amaral é antigo ministro do PSD, feio e malvado. É mentira porque, ao contrário do eng. Sócrates, a fonte do acusador é réu no processo, feio e malvado. É mentira porque à data do alegado e delirante episódio o euro já estava em vigor e um sujeito tão esclarecido quanto o eng. Sócrates teria feito a requisição em euros. É mentira porque toda a gente sabe que as despesas do eng. Sócrates em Paris, incluindo um apartamento de sete mil euros mensais, uma pós-graduação de 13 mil euros anuais e os estudos do filho (dois mil e tal euros em propinas), são suportadas pela comprovadíssima fortuna pessoal da mãe dele, um doce de senhora e um poço de generosidade. É mentira porque o próprio eng. Sócrates e o seu ilustre advogado juram que é mentira.
Finalmente, é mentira porque o eng. Sócrates é pessoa de contas certas, excepto as que, conforme se viu nos casos do TGV ou da Parque Escolar ou do que calha, atingem o Tribunal das ditas. As contas restantes nem chegam a tribunal nenhum, prova cabal da honradez de um Homem, com maiúscula e, não tarda, mestrado para certificar uma mestria inata."
Alberto Gonçalves
sábado, março 24, 2012
Toda a mentira
"Portugal apruma-se como bom aluno. Não somos muito marrões, mas ficámos com respeitinho e até um pouco graxistas. Quando apanhamos um estrangeiro, fazemos carinha de anjo e portamo-nos como um urso de peluche que repete quando se lhe aperta a barriga: "Portugal não é a Grécia". Porque cumprimos. Porque não mentimos. Mas aqui para nós: não descobrimos nós mentiras todos os dias? Como agora, com as autarquias?
"Portugal não é a Grécia" é uma saudação inteira à Pátria. E sim, senhores credores, senhores mercadores, senhores e senhoras da troika, da Alemanha, da Holanda, dos países nórdicos, estamos a cumprir. Não ignoramos como a Grécia, não desafiamos como Espanha. Escolhemos executar a sermos executados.
Já privatizámos empresas, já despedimos nos transportes, já cortámos custos, já reformámos a lei laboral e a lei das rendas, já estamos a consolidar, a mexer os défices, já estamos a desalavancar. E a Grécia não fez nada disto, nem um quilómetro de ferrovia reduziu.
Mas aqui que ninguém nos ouve, a mentira grassa e ainda não pagou os seus impostos. Nada é comparável à falsificação grega mas esta verdade conveniente de que omitir não é mentir é o mata-borrão da nossa década. Porque em cada armário há esqueletos a rir às gargalhadas nas nossas caras.
Como escreveu Pedro Mexia este fim-de-semana no "Expresso", mentir é uma escolha moral e "uma mentira em geral exige outras mentiras, exige que se 'viva uma mentira', e nesse crescendo destrói-se a confiança, que é o bem mais importante na vida em sociedade". Em 2009 Portugal reportou uma dívida pública de 76% do PIB, em 2011 ela passou para 107% do PIB. Trinta e um pontos em dois anos?! Não, em muitos anos, estavam escondidos. Em parte, por esquemas generosamente providenciados pela banca. Noutros, pelos fornecedores.
Nas empresas públicas, o valor era conhecido mas era dívida pública desorçamentada. Como nas PPP. O Governo Regional da Madeira mentiu nas suas contas. No BPN há uma pegada crescente de transferências do Estado, que estão por assumir. Nos hospitais, há financiamento à custa de fornecedores. Ainda ontem a execução orçamental do último mês mostrou novo crescimento das dívidas a fornecedores. É dinheiro que o Estado não paga às empresas, condenando-as às falências privadas. E o que ainda falta, como alertava ontem o BPI (reconheça-se, tem sido sempre o BPI): faltam os custos das renegociações dos contratos das PPP e da capitalização dos próprios bancos, prontos para extrair maus créditos das empresas de construção, imobiliário, turismo.
As dívidas das autarquias eram mais um segredo de polichinelo. São seis mil milhões, como juravam? Nove mil milhões, como agora admitem? 12 mil milhões, como insinua o Governo? É mais uma brutalidade que estava fora de balanço, aninhada nas empresas municipais onde se empregaram mais administrações, se contrataram fornecedores, se teceram negociatas sob as nossas barbas.
Não, nós não mentimos, as regras contabilísticas é que mudaram. E, diz-se, se toda a gente fazia o mesmo, não há mal. Agora, queixam-se de uma lei de enquadramento orçamental que é estúpida porque não é olho-vivo, é cega. Mas quando há uns dez anos, o Governo quis dominar o desmando centralizando nas Finanças o controlo de toda a tesouraria, no dia seguinte abriram excepções para toda a gente.
Não, nós não mentimos. Só os gregos. Os autarcas não mentiram, a Madeira não mentiu, as empresas públicas não mentiram, o Governo não mentiu. Esta grande mentira em que vivemos foi de geração espontânea. Agora querem criminalizar as falsas declarações no IRS, o que não vai acontecer mas soa bem, os portugueses aplaudem. Mesmo que tenhamos durante anos comprado casas sem pagar Sisa que se visse. Mesmo que hoje faltem mais de cem mil filhos nas declarações de IRS. Mas não, não mentimos.
Sim, mentimos. Entre a verdade ou consequência, escolhemos sempre a consequência. Mentimos sobretudo a nós próprios. Aceitamos o relativismo. Porque há mil mentiras mas não há um só mentiroso.
É isto, a Primavera? É este o fim? Perdemos tudo na autópsia das verdades? Na escatologia das mentiras? Será "mentira" o que nos define, consome e traduz, a nossa última palavra?"
Pedro Santos Guerreiro
"Portugal não é a Grécia" é uma saudação inteira à Pátria. E sim, senhores credores, senhores mercadores, senhores e senhoras da troika, da Alemanha, da Holanda, dos países nórdicos, estamos a cumprir. Não ignoramos como a Grécia, não desafiamos como Espanha. Escolhemos executar a sermos executados.
Já privatizámos empresas, já despedimos nos transportes, já cortámos custos, já reformámos a lei laboral e a lei das rendas, já estamos a consolidar, a mexer os défices, já estamos a desalavancar. E a Grécia não fez nada disto, nem um quilómetro de ferrovia reduziu.
Mas aqui que ninguém nos ouve, a mentira grassa e ainda não pagou os seus impostos. Nada é comparável à falsificação grega mas esta verdade conveniente de que omitir não é mentir é o mata-borrão da nossa década. Porque em cada armário há esqueletos a rir às gargalhadas nas nossas caras.
Como escreveu Pedro Mexia este fim-de-semana no "Expresso", mentir é uma escolha moral e "uma mentira em geral exige outras mentiras, exige que se 'viva uma mentira', e nesse crescendo destrói-se a confiança, que é o bem mais importante na vida em sociedade". Em 2009 Portugal reportou uma dívida pública de 76% do PIB, em 2011 ela passou para 107% do PIB. Trinta e um pontos em dois anos?! Não, em muitos anos, estavam escondidos. Em parte, por esquemas generosamente providenciados pela banca. Noutros, pelos fornecedores.
Nas empresas públicas, o valor era conhecido mas era dívida pública desorçamentada. Como nas PPP. O Governo Regional da Madeira mentiu nas suas contas. No BPN há uma pegada crescente de transferências do Estado, que estão por assumir. Nos hospitais, há financiamento à custa de fornecedores. Ainda ontem a execução orçamental do último mês mostrou novo crescimento das dívidas a fornecedores. É dinheiro que o Estado não paga às empresas, condenando-as às falências privadas. E o que ainda falta, como alertava ontem o BPI (reconheça-se, tem sido sempre o BPI): faltam os custos das renegociações dos contratos das PPP e da capitalização dos próprios bancos, prontos para extrair maus créditos das empresas de construção, imobiliário, turismo.
As dívidas das autarquias eram mais um segredo de polichinelo. São seis mil milhões, como juravam? Nove mil milhões, como agora admitem? 12 mil milhões, como insinua o Governo? É mais uma brutalidade que estava fora de balanço, aninhada nas empresas municipais onde se empregaram mais administrações, se contrataram fornecedores, se teceram negociatas sob as nossas barbas.
Não, nós não mentimos, as regras contabilísticas é que mudaram. E, diz-se, se toda a gente fazia o mesmo, não há mal. Agora, queixam-se de uma lei de enquadramento orçamental que é estúpida porque não é olho-vivo, é cega. Mas quando há uns dez anos, o Governo quis dominar o desmando centralizando nas Finanças o controlo de toda a tesouraria, no dia seguinte abriram excepções para toda a gente.
Não, nós não mentimos. Só os gregos. Os autarcas não mentiram, a Madeira não mentiu, as empresas públicas não mentiram, o Governo não mentiu. Esta grande mentira em que vivemos foi de geração espontânea. Agora querem criminalizar as falsas declarações no IRS, o que não vai acontecer mas soa bem, os portugueses aplaudem. Mesmo que tenhamos durante anos comprado casas sem pagar Sisa que se visse. Mesmo que hoje faltem mais de cem mil filhos nas declarações de IRS. Mas não, não mentimos.
Sim, mentimos. Entre a verdade ou consequência, escolhemos sempre a consequência. Mentimos sobretudo a nós próprios. Aceitamos o relativismo. Porque há mil mentiras mas não há um só mentiroso.
É isto, a Primavera? É este o fim? Perdemos tudo na autópsia das verdades? Na escatologia das mentiras? Será "mentira" o que nos define, consome e traduz, a nossa última palavra?"
Pedro Santos Guerreiro
sexta-feira, março 23, 2012
O poder dos profetas e das imagens
"O que nos acontecerá se, de repente, os investidores financeiros internacionais acreditarem que Portugal é capaz de gerir a sua dívida? Simples. O programa de ajustamento será um sucesso e os sacrifícios exigidos para o cumprir serão muito mais baixos. Eis a força dos mercados no seu esplendor. E é isso que começa a acontecer com Portugal.
Em contrapartida, se os investidores não acreditarem na capacidade de mudança de Portugal, na capacidade de se disciplinar financeiramente e de aproximar a sua despesa interna ao seu rendimento, o preço do ajustamento pode ser tão brutal como aquele que enfrenta a Grécia. Foi a descrença na capacidade dos gregos satisfazerem as suas dívidas que levou os investidores a fugirem, e até os próprios depositantes.
Os mercados financeiros são dos poucos que têm o poder de concretizar as suas profecias. Quando se gera uma onda de convicção na valorização de um activo, seja ele a acção de uma empresa, o título de dívida de um país ou uma economia, os capitais aparecem e acabam por ditar a subida das acções e a disponibilidade de financiamento para dinamizar a economia.
Teoricamente, os investidores deveriam estar super bem informados. Mas a informação, contrariamente ao que se pressupõe nos modelos dos mercados racionais, não é perfeita e custa dinheiro. Gastar dinheiro para saber se Portugal vai ser um caso de sucesso não tem rendibilidade pela falta de dimensão do mercado português. Também não gastam esse dinheiro com a Irlanda. A razão de fundo para a assimetria no tratamento de Portugal e da Irlanda está no facto de os irlandeses falarem inglês e estarem a dois passos dos dois centros financeiros mais importantes do mundo: Londres e Nova Iorque.
O que fazem então os investidores nestes casos? Vão atrás das convicções generalizadas por quem consideram bem informado e que, frequentemente, são os órgãos de comunicação social internacionais. Quantas vezes neste último ano não vimos as taxas de juro da dívida pública portuguesa subirem apenas por causa de uma notícia no "Wall Street Journal" ou no "Financial Times"?
Como se pode mudar essas convicções? Sem factos novos não há nada a fazer. Até há bem pouco tempo, Portugal nada tinha de bom para mostrar. Pelo contrário. Os buracos financeiros que iam aparecendo criaram a convicção de que o envelope financeiro calculado pela troika era insuficiente. Só agora Portugal começa a ter resultados para apresentar e simpatias da troika para mostrar.
"O sucesso do nosso programa depende da nossa capacidade de afectar percepções e expectativas." A frase é do ministro das Finanças em entrevista dada esta semana ao "Diário Económico" e reflecte bem a fase em que Portugal está na concretização do programa de ajustamento económico e financeiro (PAEF). Como reflecte o que andou Vítor Gaspar a fazer no seu périplo por Frankfurt e Washington e que vai continuar por Angola.
E as percepções e expectativas sobre Portugal estão a mudar. Neste momento, a maioria dos analistas diz que Portugal não vai reestruturar a sua dívida, como o fez a Grécia, e que vai precisar de um novo empréstimo que será concedido sem problemas. São cada vez menos os que dizem que será necessário reestruturar a dívida. Mas começa a surgir no pólo oposto quem diga que Portugal nem vai precisar de um segundo empréstimo. As profecias sobre Portugal estão a mudar. E a prova disso é, mais do que as análises, o dinheiro que está a ser investido em dívida pública que já não poderá ser paga com este empréstimo da troika.
O custo do ajustamento pode mesmo ser mais baixo do que se esperava. Ainda é cedo para festejar mas podemos começar a ter algumas (boas) expectativas.
A violência gratuita, que vimos ontem, em nada contribui para mudar as expectativas sobre o futuro de Portugal. A estabilidade política e a coesão social são activos fundamentais para o sucesso do programa de ajustamento. Todos os sabem. O aparente descontrolo de ontem da polícia, como mostram as fotografias, pode desfazer num ápice o trabalho de formiguinha de conquista de credibilidade externa e distanciamento das imagens de violência da Grécia. "
Helena Garrido
Em contrapartida, se os investidores não acreditarem na capacidade de mudança de Portugal, na capacidade de se disciplinar financeiramente e de aproximar a sua despesa interna ao seu rendimento, o preço do ajustamento pode ser tão brutal como aquele que enfrenta a Grécia. Foi a descrença na capacidade dos gregos satisfazerem as suas dívidas que levou os investidores a fugirem, e até os próprios depositantes.
Os mercados financeiros são dos poucos que têm o poder de concretizar as suas profecias. Quando se gera uma onda de convicção na valorização de um activo, seja ele a acção de uma empresa, o título de dívida de um país ou uma economia, os capitais aparecem e acabam por ditar a subida das acções e a disponibilidade de financiamento para dinamizar a economia.
Teoricamente, os investidores deveriam estar super bem informados. Mas a informação, contrariamente ao que se pressupõe nos modelos dos mercados racionais, não é perfeita e custa dinheiro. Gastar dinheiro para saber se Portugal vai ser um caso de sucesso não tem rendibilidade pela falta de dimensão do mercado português. Também não gastam esse dinheiro com a Irlanda. A razão de fundo para a assimetria no tratamento de Portugal e da Irlanda está no facto de os irlandeses falarem inglês e estarem a dois passos dos dois centros financeiros mais importantes do mundo: Londres e Nova Iorque.
O que fazem então os investidores nestes casos? Vão atrás das convicções generalizadas por quem consideram bem informado e que, frequentemente, são os órgãos de comunicação social internacionais. Quantas vezes neste último ano não vimos as taxas de juro da dívida pública portuguesa subirem apenas por causa de uma notícia no "Wall Street Journal" ou no "Financial Times"?
Como se pode mudar essas convicções? Sem factos novos não há nada a fazer. Até há bem pouco tempo, Portugal nada tinha de bom para mostrar. Pelo contrário. Os buracos financeiros que iam aparecendo criaram a convicção de que o envelope financeiro calculado pela troika era insuficiente. Só agora Portugal começa a ter resultados para apresentar e simpatias da troika para mostrar.
"O sucesso do nosso programa depende da nossa capacidade de afectar percepções e expectativas." A frase é do ministro das Finanças em entrevista dada esta semana ao "Diário Económico" e reflecte bem a fase em que Portugal está na concretização do programa de ajustamento económico e financeiro (PAEF). Como reflecte o que andou Vítor Gaspar a fazer no seu périplo por Frankfurt e Washington e que vai continuar por Angola.
E as percepções e expectativas sobre Portugal estão a mudar. Neste momento, a maioria dos analistas diz que Portugal não vai reestruturar a sua dívida, como o fez a Grécia, e que vai precisar de um novo empréstimo que será concedido sem problemas. São cada vez menos os que dizem que será necessário reestruturar a dívida. Mas começa a surgir no pólo oposto quem diga que Portugal nem vai precisar de um segundo empréstimo. As profecias sobre Portugal estão a mudar. E a prova disso é, mais do que as análises, o dinheiro que está a ser investido em dívida pública que já não poderá ser paga com este empréstimo da troika.
O custo do ajustamento pode mesmo ser mais baixo do que se esperava. Ainda é cedo para festejar mas podemos começar a ter algumas (boas) expectativas.
A violência gratuita, que vimos ontem, em nada contribui para mudar as expectativas sobre o futuro de Portugal. A estabilidade política e a coesão social são activos fundamentais para o sucesso do programa de ajustamento. Todos os sabem. O aparente descontrolo de ontem da polícia, como mostram as fotografias, pode desfazer num ápice o trabalho de formiguinha de conquista de credibilidade externa e distanciamento das imagens de violência da Grécia. "
Helena Garrido
quinta-feira, março 22, 2012
The best of Pedro Passos Coelho...
http://www.youtube.com/watch?v=gNu5BBAdQec
É bom de ver, agora que Sócrates se passeia por Paris com os seus poucos rendimentos, tem um substituto à altura.
Depois a composição do horror com o Sr Silva que não cumpre e nunca cumpriu o seu dever e que se desculpa com um PM que deveria ter demitido, mas que lhe poderia ter custado a sua reeleição que estava primeiro que o País, que foi em tempos um PM que destruiu o tecido produtivo deste país rodeado também de quadrilhas de ladrões de lesa Estado, com um Barroso que estendeu a passadeira a Bush e gente do género e ganhou como prémio o cargo de Presidente da Comissão Europeia, controlada por Wall Street e a City depois de ter sido um dos que estiveram no fogo à Embaixada de Espanha por todos nós pago, o acto criminoso, depois de Guterres e dos seus muchachos e depois do Soares e dos tipos do PREC que agora ladram contra tudo.
É bom de ver o vídeo, mas torna-se a repetição de quanto custa a liberdade a democracia...
É bom de ver, agora que Sócrates se passeia por Paris com os seus poucos rendimentos, tem um substituto à altura.
Depois a composição do horror com o Sr Silva que não cumpre e nunca cumpriu o seu dever e que se desculpa com um PM que deveria ter demitido, mas que lhe poderia ter custado a sua reeleição que estava primeiro que o País, que foi em tempos um PM que destruiu o tecido produtivo deste país rodeado também de quadrilhas de ladrões de lesa Estado, com um Barroso que estendeu a passadeira a Bush e gente do género e ganhou como prémio o cargo de Presidente da Comissão Europeia, controlada por Wall Street e a City depois de ter sido um dos que estiveram no fogo à Embaixada de Espanha por todos nós pago, o acto criminoso, depois de Guterres e dos seus muchachos e depois do Soares e dos tipos do PREC que agora ladram contra tudo.
É bom de ver o vídeo, mas torna-se a repetição de quanto custa a liberdade a democracia...
segunda-feira, março 19, 2012
Descontos e entradas gratuitas...
"Desempregados com descontos e entradas gratuitas em museus e teatros nacionais (mais aqui)"Ora aqui está uma boa ideia para entreter os desempregados enquanto não arranjam emprego… Especialmente a parte de optar por comprar comida ou um bilhete…
Etiquetas: "O povo é sereno"
Juncker reconhece falhas no primeiro plano de resgate da Grécia
"Penso que não nos focámos suficientemente sobre a dimensão do crescimento” quando foi acordado, em Maio de 2010, o primeiro programa de ajustamento financeiro. “Insistimos muito sobre a consolidação orçamental”, sem ser deixada outra alternativa ao Governo então liderado por Georgios Papanderou (mais aqui)
Etiquetas: Cavalgada das Valquírias versão Apocalypse Now, Diz o povo que quem se lixa é o mexilhão.
38ª subida no preço da gasolina
"Este ano, o preço da gasolina subiu dia sim, dia não, num total de 37 vezes. Esta segunda-feira subirá pela 38.ª vez. É certo que desceu 26 vezes, mas o valor da descida foi tão pequeno que, no espaço de dois meses e meio, o litro da gasolina 95 octanas ficou mais caro 13 cêntimos (mais aqui)
Etiquetas: Paga tonho
domingo, março 18, 2012
Os roteiros do Presidente
"Contra toda a lucidez, ainda dura uma polémica enviesada em volta do prefácio de Cavaco Silva ao seu Roteiros VI. Para os três ou quatro cidadãos que não repararam no assunto, lembro que no texto em causa o prof. Cavaco acusa o eng. Sócrates de "uma falta de lealdade institucional que ficará registada na história da nossa democracia". Porquê? Porque o eng. Sócrates anunciou ao país o PEC IV sem avisar previamente o Presidente da República, desfeita que, segundo o prof. Cavaco, obstou a que o Chefe do Estado exercesse "a sua magistratura de influência com vista a evitar o deflagrar de uma crise política".
Face a isto, há quem acuse o prof. Cavaco de interpretação deficiente da Constituição, quem o acuse de atacar pelas costas um sujeito que agora é um mero estudante parisiense e quem o acuse de omitir o episódio no momento em que o episódio deveria ter sido tornado público e implicado consequências.
O que acho espantoso é o facto de, na cabeça do prof. Cavaco, os erros do eng. Sócrates se resumirem a um capricho protocolar. Que o eng. Sócrates espatifasse o país a uma velocidade com que nem os seus desastrados antecessores sonharam não parece importar ao prof. Cavaco. Que os únicos instrumentos políticos do eng. Sócrates fossem a incompetência, o subterfúgio e a pura mentira não parece importar ao prof. Cavaco. Que o eng. Sócrates revelasse uma falta de lealdade histórica para com os cidadãos em geral não parece importar ao prof. Cavaco.
Não parece e realmente não importou, já que o Presidente assistiu à devastação com uma serenidade que talvez não chegasse a ser cúmplice mas decerto foi conveniente. E a conveniência era recíproca, na medida em que, pelos vistos, o maior receio do prof. Cavaco consistia na "crise política" que alegadamente tentou impedir ou, para falarmos com franqueza, na troca do eng. Sócrates por um governo do partido a que, queira ou não, o prof. Cavaco estará sempre associado. Se é assim, é grave: dificilmente um estadista a sério permitiria o regabofe liderado pelo eng. Sócrates e, o que é pior, continuaria, muitos meses depois, a lamentar o fim do regabofe.
Se não é assim, é o quê? Talvez um golpe publicitário para divulgar o mais recente dos sazonais livrinhos que, sem préstimo aparente, os sucessivos presidentes teimam em editar. Quem se quiser candidatar a um processo por desrespeito dirá que, em qualquer das hipóteses, temos um presidente que submete os interesses do país a preferências privativas e um país que, no fundo, se dá lindamente com isso e apenas se queixa de pechisbeques decorativos. Eu não digo nada: fecho os olhos e canto esta nação valente e imortal. Imortal até ver."
Alberto Gonçalves
Face a isto, há quem acuse o prof. Cavaco de interpretação deficiente da Constituição, quem o acuse de atacar pelas costas um sujeito que agora é um mero estudante parisiense e quem o acuse de omitir o episódio no momento em que o episódio deveria ter sido tornado público e implicado consequências.
O que acho espantoso é o facto de, na cabeça do prof. Cavaco, os erros do eng. Sócrates se resumirem a um capricho protocolar. Que o eng. Sócrates espatifasse o país a uma velocidade com que nem os seus desastrados antecessores sonharam não parece importar ao prof. Cavaco. Que os únicos instrumentos políticos do eng. Sócrates fossem a incompetência, o subterfúgio e a pura mentira não parece importar ao prof. Cavaco. Que o eng. Sócrates revelasse uma falta de lealdade histórica para com os cidadãos em geral não parece importar ao prof. Cavaco.
Não parece e realmente não importou, já que o Presidente assistiu à devastação com uma serenidade que talvez não chegasse a ser cúmplice mas decerto foi conveniente. E a conveniência era recíproca, na medida em que, pelos vistos, o maior receio do prof. Cavaco consistia na "crise política" que alegadamente tentou impedir ou, para falarmos com franqueza, na troca do eng. Sócrates por um governo do partido a que, queira ou não, o prof. Cavaco estará sempre associado. Se é assim, é grave: dificilmente um estadista a sério permitiria o regabofe liderado pelo eng. Sócrates e, o que é pior, continuaria, muitos meses depois, a lamentar o fim do regabofe.
Se não é assim, é o quê? Talvez um golpe publicitário para divulgar o mais recente dos sazonais livrinhos que, sem préstimo aparente, os sucessivos presidentes teimam em editar. Quem se quiser candidatar a um processo por desrespeito dirá que, em qualquer das hipóteses, temos um presidente que submete os interesses do país a preferências privativas e um país que, no fundo, se dá lindamente com isso e apenas se queixa de pechisbeques decorativos. Eu não digo nada: fecho os olhos e canto esta nação valente e imortal. Imortal até ver."
Alberto Gonçalves
sábado, março 17, 2012
As quadrilhas
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=jqAnktfokXw
José Gomes Ferreira não se deve aguentar por muito tempo, Deus o ajude e não é para aqui chamado.
José Gomes Ferreira não se deve aguentar por muito tempo, Deus o ajude e não é para aqui chamado.
Quem manda na EDP não é Mexia, é Catroga e os chinas e, quem manda em Coelho são os banqueiros, o tipo do GS que agora se prepara para uma incompatibilidade vergonhosa em que o governo, (diria esta coisa a que chamam de governo, no Brasil chamam coisa de favela), quem manda no país são quadrilhas organizadas que estão nos partidos políticos deste regime, em vez de Portas falar na Primavera árabe deveria dizer a Primavera do Ocidente, onde as democracias são as representações de quadrilhas organizadas, a soldo da finança de WallStreet e da City.
sexta-feira, março 16, 2012
Até já
"Um desconhecido demitiu-se do Governo. Querem fazer uma algazarra disso. Fazer do desconhecido um mártir. Alinhar no populismo fácil de atacar a EDP. Invocar a lenga-lenga de que os lóbis ganham sempre. Pois querem. Querem e fazem bem.
Henrique Gomes era um desconhecido. Depois do bulício destes dias, vai continuar a sê-lo: as polémicas em Portugal são como o Carnaval, duram dois dias e, no fundo, ninguém leva a mal. Mas a política de subsidiação energética está longe de ser uma desconhecida. Henrique Gomes quis alterá-la, não conseguiu, então demitiu-se. Álvaro Santos Pereira e Passos Coelho também quiseram mudá-la, não conseguiram, então mudaram de opinião.
O sector da energia é sempre subsidiado. Na construção ou na operação, há sempre subsídios, evidentes ou evanescentes, até no petróleo. O primeiro mito a desfazer é portanto que a alternativa a subsidiar produção de energia é... não subsidiar produção de energia. O que há é muitos lóbis a disputar as fatias do bolo. Quando Patrick Monteiro de Barros quis construir uma refinaria em Sines, ela seria paga pelo Estado; quando se ataca as eólicas para construir nuclear, é com subsídios; quando as indústrias defendem a cogeração, querem subsídios; quando se anunciam carros eléctricos, micro-produção caseira ou os maiores parques de solar fotovoltaica da Europa, é porque há subsídios, subsídios, subsídios. Pronto: é só para desintoxicar dos paladinos da boa utilização dos dinheiros públicos que não querem mais que apropriar-se deles.
Subsidiar não é em si mesmo errado. No caso da cogeração, é preciso separar os escandalosos casos de quem anda a queimar "a seco" só para receber subsídio das indústrias que incluem a energia no seu processo produtivo. No caso das barragens e das eólicas, já aqui foi dito, essa opção estratégica está tomada, não se desmantela agora, aproveita recursos naturais de Portugal e será mais competitiva à medida que o petróleo inexoravelmente encarece. O problema não é pois a subsidiação, mas a escolha tecnológica que assiste e, no caso, é o seu valor, se é justo ou excessivo. Porque "subsídio" é apenas um nome fino para impostos que pagamos cegos e tarifas que suportamos mudos. A factura energética é uma fartura energética. Para muita, muita gente, incluindo autarquias.
O subsídio é excessivo? A "troika" diz que sim. Santos Pereira e Passos diziam, antes, que sim. Um estudo encomendado pelo Governo diz que sim. Quem diz que não? Quem recebe. A EDP, pois claro. Mas não só: a Endesa, a Iberdrola, todos os operadores de renováveis, que andam calados atrás das costas largas de António Mexia.
Os CMEC são contratos com uma origem antiga, custam 27 euros por ano a cada família portuguesa e são, já aqui foi escrito, um excelente negócio para a EDP, pois o Estado assume o risco da operação. Era isso que Henrique Gomes queria desfazer. Debalde. E porquê?
Essa é a grande pergunta: porquê? O Governo queria. A troika exigiu. O Ministério da Economia avançou com um imposto especial para tirar de um lado o que os subsídios davam por outro. Adiou-se tudo por causa da privatização. Perdeu-se o tempo certo. A secretária de Estado do Tesouro anunciou no dia da venda aos chineses que o Governo continuava livre para decidir tarifas. Não continuou nada: os chineses enfureceram-se. O Governo, se os queria enganar, enganou-se. E calou-se.
Não foi só um secretário de Estado que se demitiu de um cargo, foi um Governo que se demitiu da sua função, tornando-se perigosamente parecido com quem criticara violentamente no passado.
O encaixe brutal da privatização tem contrapartidas, como se viu nas nomeações de políticos para a administração, como se vê agora nesta postura obediente aos chineses. No fundo, percebe-se agora, parte desse encaixe da privatização será pago por nós, consumidores e indústrias. É por isso que este é o país "até já": Santos Pereira diz até já a Henrique Gomes, Passos diz até já a Sócrates, todos dizemos até já aos lóbis, mudamos para que tudo fique na mesma, neste até já Portugal, até já sectores não transaccionáveis, até já cepa torta, sempre "até" e sempre "já" e sempre "nunca", nunca, nunca mais saímos disto."
Pedro Santos Guerreiro
Henrique Gomes era um desconhecido. Depois do bulício destes dias, vai continuar a sê-lo: as polémicas em Portugal são como o Carnaval, duram dois dias e, no fundo, ninguém leva a mal. Mas a política de subsidiação energética está longe de ser uma desconhecida. Henrique Gomes quis alterá-la, não conseguiu, então demitiu-se. Álvaro Santos Pereira e Passos Coelho também quiseram mudá-la, não conseguiram, então mudaram de opinião.
O sector da energia é sempre subsidiado. Na construção ou na operação, há sempre subsídios, evidentes ou evanescentes, até no petróleo. O primeiro mito a desfazer é portanto que a alternativa a subsidiar produção de energia é... não subsidiar produção de energia. O que há é muitos lóbis a disputar as fatias do bolo. Quando Patrick Monteiro de Barros quis construir uma refinaria em Sines, ela seria paga pelo Estado; quando se ataca as eólicas para construir nuclear, é com subsídios; quando as indústrias defendem a cogeração, querem subsídios; quando se anunciam carros eléctricos, micro-produção caseira ou os maiores parques de solar fotovoltaica da Europa, é porque há subsídios, subsídios, subsídios. Pronto: é só para desintoxicar dos paladinos da boa utilização dos dinheiros públicos que não querem mais que apropriar-se deles.
Subsidiar não é em si mesmo errado. No caso da cogeração, é preciso separar os escandalosos casos de quem anda a queimar "a seco" só para receber subsídio das indústrias que incluem a energia no seu processo produtivo. No caso das barragens e das eólicas, já aqui foi dito, essa opção estratégica está tomada, não se desmantela agora, aproveita recursos naturais de Portugal e será mais competitiva à medida que o petróleo inexoravelmente encarece. O problema não é pois a subsidiação, mas a escolha tecnológica que assiste e, no caso, é o seu valor, se é justo ou excessivo. Porque "subsídio" é apenas um nome fino para impostos que pagamos cegos e tarifas que suportamos mudos. A factura energética é uma fartura energética. Para muita, muita gente, incluindo autarquias.
O subsídio é excessivo? A "troika" diz que sim. Santos Pereira e Passos diziam, antes, que sim. Um estudo encomendado pelo Governo diz que sim. Quem diz que não? Quem recebe. A EDP, pois claro. Mas não só: a Endesa, a Iberdrola, todos os operadores de renováveis, que andam calados atrás das costas largas de António Mexia.
Os CMEC são contratos com uma origem antiga, custam 27 euros por ano a cada família portuguesa e são, já aqui foi escrito, um excelente negócio para a EDP, pois o Estado assume o risco da operação. Era isso que Henrique Gomes queria desfazer. Debalde. E porquê?
Essa é a grande pergunta: porquê? O Governo queria. A troika exigiu. O Ministério da Economia avançou com um imposto especial para tirar de um lado o que os subsídios davam por outro. Adiou-se tudo por causa da privatização. Perdeu-se o tempo certo. A secretária de Estado do Tesouro anunciou no dia da venda aos chineses que o Governo continuava livre para decidir tarifas. Não continuou nada: os chineses enfureceram-se. O Governo, se os queria enganar, enganou-se. E calou-se.
Não foi só um secretário de Estado que se demitiu de um cargo, foi um Governo que se demitiu da sua função, tornando-se perigosamente parecido com quem criticara violentamente no passado.
O encaixe brutal da privatização tem contrapartidas, como se viu nas nomeações de políticos para a administração, como se vê agora nesta postura obediente aos chineses. No fundo, percebe-se agora, parte desse encaixe da privatização será pago por nós, consumidores e indústrias. É por isso que este é o país "até já": Santos Pereira diz até já a Henrique Gomes, Passos diz até já a Sócrates, todos dizemos até já aos lóbis, mudamos para que tudo fique na mesma, neste até já Portugal, até já sectores não transaccionáveis, até já cepa torta, sempre "até" e sempre "já" e sempre "nunca", nunca, nunca mais saímos disto."
Pedro Santos Guerreiro
quinta-feira, março 15, 2012
Dinheiro do BCE não ajuda só os bancos
"A banca foi a grande beneficiada com os dois últimos "mega-empréstimos" realizados pelo BCE. Mais de um bilião de euros, com uma taxa de juro de 1% e um prazo de três anos, representa para o sector financeiro europeu uma oportunidade única para resolver parte dos seus problemas de financiamento e esticar as maturidades das dívidas.
Mas os críticos desta medida, que acusam o BCE de estar a favorecer apenas a banca, esquecem-se dos efeitos "colaterais" das duas operações de refinanciamento de longo prazo conduzidas pela autoridade monetária europeia. Para os portugueses que têm crédito à habitação, com taxa variável, os efeitos não têm sido poucos e vão fazer-se sentir ao longo de todo este ano.
Desde o início de Dezembro [precisamente quando o BCE baixou os juros para 1% e anunciou que iria emprestar dinheiro sem limite a longo prazo aos bancos], a taxa Euribor a 3 meses tem descido todas as sessões, acumulando já uma quebra superior a meio ponto percentual em pouco mais de três meses. A diferença das taxas entre Dezembro e agora representa uma descida de cerca de 7% no valor da prestação mensal do crédito à habitação. Uma poupança que os portugueses vão sentir no seu orçamento ao longo deste ano, e que servirá para atenuar o forte impacto das medidas de austeridade implementadas para baixar o défice, como o aumento de impostos e corte de salários.
Mario Draghi classificou os resultados dos empréstimos de "sucesso inquestionável" e tem razão. Os bancos estão mais desafogados, mas também os orçamentos das famílias e os mercados financeiros. O sucesso só não é total porque parece estar a falhar num dos seus principais objectivos: aumentar o volume de crédito na economia europeia. A grande maioria dos 800 bancos que participaram no leilão de Fevereiro foram buscar o dinheiro ao BCE para o "devolverem" a Frankfurt no dia seguinte. Apesar do temido "credit crunch" ter sido aparentemente evitado, as empresas portuguesas continuam a queixar-se que não têm acesso ao crédito. "Falta saber para onde vai esse dinheiro", afirmou Belmiro de Azevedo, poucos dias depois do último leilão. A resposta veio pouco tempo depois. O presidente do Montepio reconheceu que o dinheiro que o banco obtém junto do BCE está aplicado em dívida pública portuguesa. A garantia de que não falta crédito aos projectos e empresas que mais riqueza geram é fundamental para reanimar a economia portuguesa e aqui a banca tem um papel fundamental. "
Nuno Carregueiro
Mas os críticos desta medida, que acusam o BCE de estar a favorecer apenas a banca, esquecem-se dos efeitos "colaterais" das duas operações de refinanciamento de longo prazo conduzidas pela autoridade monetária europeia. Para os portugueses que têm crédito à habitação, com taxa variável, os efeitos não têm sido poucos e vão fazer-se sentir ao longo de todo este ano.
Desde o início de Dezembro [precisamente quando o BCE baixou os juros para 1% e anunciou que iria emprestar dinheiro sem limite a longo prazo aos bancos], a taxa Euribor a 3 meses tem descido todas as sessões, acumulando já uma quebra superior a meio ponto percentual em pouco mais de três meses. A diferença das taxas entre Dezembro e agora representa uma descida de cerca de 7% no valor da prestação mensal do crédito à habitação. Uma poupança que os portugueses vão sentir no seu orçamento ao longo deste ano, e que servirá para atenuar o forte impacto das medidas de austeridade implementadas para baixar o défice, como o aumento de impostos e corte de salários.
Mario Draghi classificou os resultados dos empréstimos de "sucesso inquestionável" e tem razão. Os bancos estão mais desafogados, mas também os orçamentos das famílias e os mercados financeiros. O sucesso só não é total porque parece estar a falhar num dos seus principais objectivos: aumentar o volume de crédito na economia europeia. A grande maioria dos 800 bancos que participaram no leilão de Fevereiro foram buscar o dinheiro ao BCE para o "devolverem" a Frankfurt no dia seguinte. Apesar do temido "credit crunch" ter sido aparentemente evitado, as empresas portuguesas continuam a queixar-se que não têm acesso ao crédito. "Falta saber para onde vai esse dinheiro", afirmou Belmiro de Azevedo, poucos dias depois do último leilão. A resposta veio pouco tempo depois. O presidente do Montepio reconheceu que o dinheiro que o banco obtém junto do BCE está aplicado em dívida pública portuguesa. A garantia de que não falta crédito aos projectos e empresas que mais riqueza geram é fundamental para reanimar a economia portuguesa e aqui a banca tem um papel fundamental. "
Nuno Carregueiro
quarta-feira, março 14, 2012
O Código Bancário
"Portugal precisa de um Código Bancário. O principal diploma bancário nacional, o Regime Geral bancário, publicado há quase 20 anos e já tendo sido objecto de 25 modificações desde a sua originária aprovação, constitui um diploma claramente carecido de reforma.
Este diagnóstico funda-se, em primeiro lugar, na necessidade de assegurar uma maior acessibilidade da regulação bancária, sobretudo por parte dos pequenos aforradores. O problema reside no défice de sistematização do regime das operações bancárias, que padecem de uma aflitiva balcanização legislativa, tão elevado é o número de diplomas por que se repartem. A título de exemplo, a disciplina do crédito à habitação, que deveria ser de fácil conhecimento por parte de todos os cidadãos, divide-se por mais de uma dezena de diplomas, sendo complexa a articulação entre eles. O insuficiente fôlego sistematizador do Regime Geral bancário é, nesse sentido, causador de uma significativa e preocupante dispersão legislativa. Deste ponto de vista, o esforço codificador deve ser significativamente aprofundado. O quadro actual, aliás, é paradoxal: no sistema financeiro, a área bancária, apesar de ser mais intensamente regulada, sofre de uma maior dispersão legislativa do que sucede no âmbito segurador ou do mercado de capitais.
Um Código Bancário, por outro lado, asseguraria uma maior coerência das soluções adoptadas. A regulação bancária tem sido aprovada por sucessivas intervenções, que se sobrepõem como camadas, faltando desde há décadas a preocupação por uma visão integrada e de conjunto. Permanecem em vigor regras aprovadas em períodos tão díspares como o final do século XIX e a década de 1940 – com quadros terminológicos e alguns conteúdos inteiramente anacrónicos. Mesmo a tipologia institucional em que assenta o Regime Geral em diversos casos, fruto de épocas diferentes, resulta hoje desnecessariamente complexa. O Regime Geral bancário deixa, além disso, por regular largos aspectos do Direito comportamental bancário, o que é potenciador de fundos problemas.
Por último, um Código Bancário asseguraria um manuseio facilitado do vasto material normativo bancário, deste modo propiciando um ambiente de cumprimento e favorecendo a literacia financeira. O pesado acervo de respostas regulatórias à crise apenas confirma a oportunidade desta constatação. Quanto maior o fluxo regulatório, mais aguda é a importância da sua arrumação ordenada e cuidada.
Pelos motivos apontados, a elaboração de um Código Bancário deveria constituir um desígnio nacional.
Um Código Bancário deve ser preparado com rigor técnico e sentido de oportunidade na sua calendarização. Segundo creio, o momento mais adequado para cumprir este projecto é o da transposição da Directiva CRD IV e o da simultânea realização de ajustamentos ao Regulamento europeu que a irá complementar. Assim, e em síntese, a melhor forma de assinalar os 20 anos do diploma que aprovou o Regime Geral é a de iniciar a preparação de um Código Bancário que, com toda a vantagem, o substitua."
Paulo Câmara
Este diagnóstico funda-se, em primeiro lugar, na necessidade de assegurar uma maior acessibilidade da regulação bancária, sobretudo por parte dos pequenos aforradores. O problema reside no défice de sistematização do regime das operações bancárias, que padecem de uma aflitiva balcanização legislativa, tão elevado é o número de diplomas por que se repartem. A título de exemplo, a disciplina do crédito à habitação, que deveria ser de fácil conhecimento por parte de todos os cidadãos, divide-se por mais de uma dezena de diplomas, sendo complexa a articulação entre eles. O insuficiente fôlego sistematizador do Regime Geral bancário é, nesse sentido, causador de uma significativa e preocupante dispersão legislativa. Deste ponto de vista, o esforço codificador deve ser significativamente aprofundado. O quadro actual, aliás, é paradoxal: no sistema financeiro, a área bancária, apesar de ser mais intensamente regulada, sofre de uma maior dispersão legislativa do que sucede no âmbito segurador ou do mercado de capitais.
Um Código Bancário, por outro lado, asseguraria uma maior coerência das soluções adoptadas. A regulação bancária tem sido aprovada por sucessivas intervenções, que se sobrepõem como camadas, faltando desde há décadas a preocupação por uma visão integrada e de conjunto. Permanecem em vigor regras aprovadas em períodos tão díspares como o final do século XIX e a década de 1940 – com quadros terminológicos e alguns conteúdos inteiramente anacrónicos. Mesmo a tipologia institucional em que assenta o Regime Geral em diversos casos, fruto de épocas diferentes, resulta hoje desnecessariamente complexa. O Regime Geral bancário deixa, além disso, por regular largos aspectos do Direito comportamental bancário, o que é potenciador de fundos problemas.
Por último, um Código Bancário asseguraria um manuseio facilitado do vasto material normativo bancário, deste modo propiciando um ambiente de cumprimento e favorecendo a literacia financeira. O pesado acervo de respostas regulatórias à crise apenas confirma a oportunidade desta constatação. Quanto maior o fluxo regulatório, mais aguda é a importância da sua arrumação ordenada e cuidada.
Pelos motivos apontados, a elaboração de um Código Bancário deveria constituir um desígnio nacional.
Um Código Bancário deve ser preparado com rigor técnico e sentido de oportunidade na sua calendarização. Segundo creio, o momento mais adequado para cumprir este projecto é o da transposição da Directiva CRD IV e o da simultânea realização de ajustamentos ao Regulamento europeu que a irá complementar. Assim, e em síntese, a melhor forma de assinalar os 20 anos do diploma que aprovou o Regime Geral é a de iniciar a preparação de um Código Bancário que, com toda a vantagem, o substitua."
Paulo Câmara
terça-feira, março 13, 2012
O problema da dimensão empresarial
"O ano de 2011 registou uma das mais rápidas correcções de sempre da balança comercial portuguesa. Sem os défices energético e agrícola, estaríamos já claramente excedentários
Perante um nível de desemprego próximo dos 14% intensificaram-se os esforços de apoio ao empreendedorismo e auto-emprego. A intensa correcção financeira em curso não só agravou o nível de falências de empresas mais vulneráveis e expostas, com destaque para os vendedores de bens de consumo duradouro, como criou novas oportunidades resultantes da mudança de hábitos. Os negócios ligados ao aluguer, venda de usados, serviços de manutenção e reparação e reciclagem e os produtos e serviços "low cost" em geral têm vindo a prosperar à medida que os consumidores adiam decisões de compra e se procura fazer face à quebra de rendimento disponível.
Ao mesmo tempo, a manutenção do crescimento económico no resto do mundo, sobretudo fora da Zona Euro, levou um grande número de empresas a procurar novos mercados para compensar a retracção da procura doméstica. O ano de 2011 registou uma das mais rápidas correcções de sempre da balança comercial portuguesa. Sem os défices energético e agrícola estaríamos já claramente excedentários.
No entanto, o acréscimo das exportações e a exploração de novos negócios ao nível interno ficaram muito longe de compensar a queda da procura interna, levando muitos analistas a sugerir que Portugal mantém um défice competitivo que precisa de ser rapidamente corrigido. Paul Krugman referiu, na cerimónia do doutoramento "honoris causa", a necessidade de redução dos salários em Portugal. Como podemos explicar este défice, precisamente quando os jovens portugueses têm o maior nível de habilitações de sempre? Mais ainda, como explicar que o seu nível de desemprego tenha já atingido os 35%?
O "Economist" de 3 de Março referia diversos estudos que sugerem que o problema fundamental da baixa competitividade das economias do Sul da Europa, com destaque para a Grécia, Itália e Portugal reside no grande predomínio das pequenas e micro empresas. De facto, as organizações mais pequenas têm menos capacidade para promover níveis de especialização elevados. Um estudo citado no jornal refere mesmo um trabalho de investigadores da Carnegie Mellon sobre "The incredibly shrinking Portuguese firm" dado que em 2010 o peso relativo das grandes empresas portuguesas era inferior a 2000.
Sendo assim, seria importante que as empresas portuguesas crescessem, de forma orgânica ou através de fusões e aquisições. Ora, para avaliarmos a tendência latente da economia, nada melhor que focar a nossa atenção nas chamadas gazelas – empresas que crescem mais de 20% ao ano. Num dos primeiros estudos sobre as gazelas portuguesas, a revista Exame de Maio de 2011 apresenta uma lista de 202 gazelas sustentáveis estimadas entre 2006 e 2009. O problema é que apenas 17 tinham mais de 100 trabalhadores em 2009, embora muitas tivessem crescimentos vertiginosos do número de trabalhadores, mas de uma base muito reduzida. Por outro lado, as restrições no acesso ao crédito que se agravaram desde o período em analise só vieram dificultar ainda mais a expansão, orgânica ou externa das empresas.
Daqui resultam três ilações relativamente à política de apoio à recuperação da economia nacional: é necessário apoiar a inovação tanto ao nível das empresas existentes (intrapreendedorismo) como da criação de novos negócios; nas empresas existentes é necessário financiar e facilitar processos de reestruturação, transmissão de propriedade e consolidação que permitam progresso no sentido de se atingir uma dimensão mínima eficiente num contexto de concorrência cada vez mais global; nos novos projectos é fundamental apostar na ambição e no potencial de ruptura e escalável, com tolerância plena pelas situações de insucesso, mas acompanhamento e "coaching" que visem minimizar essas ocorrências.
Os numerosos casos de empresas mais ou menos jovens, em sectores tradicionais ou de base tecnológica que têm vindo a conseguir o estatuto de gazelas, apesar de uma conjuntura adversa, sugerem que as sementes da recuperação económica podem já estar a ser implantadas. É crucial que não estiolem por falta de água e nutrientes"
José Paulo Esperança
Perante um nível de desemprego próximo dos 14% intensificaram-se os esforços de apoio ao empreendedorismo e auto-emprego. A intensa correcção financeira em curso não só agravou o nível de falências de empresas mais vulneráveis e expostas, com destaque para os vendedores de bens de consumo duradouro, como criou novas oportunidades resultantes da mudança de hábitos. Os negócios ligados ao aluguer, venda de usados, serviços de manutenção e reparação e reciclagem e os produtos e serviços "low cost" em geral têm vindo a prosperar à medida que os consumidores adiam decisões de compra e se procura fazer face à quebra de rendimento disponível.
Ao mesmo tempo, a manutenção do crescimento económico no resto do mundo, sobretudo fora da Zona Euro, levou um grande número de empresas a procurar novos mercados para compensar a retracção da procura doméstica. O ano de 2011 registou uma das mais rápidas correcções de sempre da balança comercial portuguesa. Sem os défices energético e agrícola estaríamos já claramente excedentários.
No entanto, o acréscimo das exportações e a exploração de novos negócios ao nível interno ficaram muito longe de compensar a queda da procura interna, levando muitos analistas a sugerir que Portugal mantém um défice competitivo que precisa de ser rapidamente corrigido. Paul Krugman referiu, na cerimónia do doutoramento "honoris causa", a necessidade de redução dos salários em Portugal. Como podemos explicar este défice, precisamente quando os jovens portugueses têm o maior nível de habilitações de sempre? Mais ainda, como explicar que o seu nível de desemprego tenha já atingido os 35%?
O "Economist" de 3 de Março referia diversos estudos que sugerem que o problema fundamental da baixa competitividade das economias do Sul da Europa, com destaque para a Grécia, Itália e Portugal reside no grande predomínio das pequenas e micro empresas. De facto, as organizações mais pequenas têm menos capacidade para promover níveis de especialização elevados. Um estudo citado no jornal refere mesmo um trabalho de investigadores da Carnegie Mellon sobre "The incredibly shrinking Portuguese firm" dado que em 2010 o peso relativo das grandes empresas portuguesas era inferior a 2000.
Sendo assim, seria importante que as empresas portuguesas crescessem, de forma orgânica ou através de fusões e aquisições. Ora, para avaliarmos a tendência latente da economia, nada melhor que focar a nossa atenção nas chamadas gazelas – empresas que crescem mais de 20% ao ano. Num dos primeiros estudos sobre as gazelas portuguesas, a revista Exame de Maio de 2011 apresenta uma lista de 202 gazelas sustentáveis estimadas entre 2006 e 2009. O problema é que apenas 17 tinham mais de 100 trabalhadores em 2009, embora muitas tivessem crescimentos vertiginosos do número de trabalhadores, mas de uma base muito reduzida. Por outro lado, as restrições no acesso ao crédito que se agravaram desde o período em analise só vieram dificultar ainda mais a expansão, orgânica ou externa das empresas.
Daqui resultam três ilações relativamente à política de apoio à recuperação da economia nacional: é necessário apoiar a inovação tanto ao nível das empresas existentes (intrapreendedorismo) como da criação de novos negócios; nas empresas existentes é necessário financiar e facilitar processos de reestruturação, transmissão de propriedade e consolidação que permitam progresso no sentido de se atingir uma dimensão mínima eficiente num contexto de concorrência cada vez mais global; nos novos projectos é fundamental apostar na ambição e no potencial de ruptura e escalável, com tolerância plena pelas situações de insucesso, mas acompanhamento e "coaching" que visem minimizar essas ocorrências.
Os numerosos casos de empresas mais ou menos jovens, em sectores tradicionais ou de base tecnológica que têm vindo a conseguir o estatuto de gazelas, apesar de uma conjuntura adversa, sugerem que as sementes da recuperação económica podem já estar a ser implantadas. É crucial que não estiolem por falta de água e nutrientes"
José Paulo Esperança
segunda-feira, março 12, 2012
Subsídios às low-cost: "Pão para hoje e fome para amanhã"
"Segundo J. M. Soria, novo ministro espanhol com a pasta do Turismo, os subsídios às low-cost carriers (lcc) são "pão para hoje e fome para amanhã". O político do PP espanhol foi lesto a qualificar como "discriminatória" a política até aí seguida, a qual prejudica "as companhias tradicionais, consome recursos públicos e atenta contra a livre concorrência".
Soria não ignorou as conclusões do "III Informe Anual sobre Ayudas Publicas en España", segundo o qual entre 2007 e 2010, período em que o investimento público na aviação foi de 250 milhões, o tráfego diminuiu. A sua conclusão é sibilina: "mais do que a criação de mercado, estes fundos estão a contribuir para acentuar o processo de desvio da procura das companhias tradicionais para este tipo de companhias".
É certo que o transporte aéreo é fundamental para o turismo em regiões afastadas dos centros emissores, mas o ideal é existir uma relação equilibrada entre companhias tradicionais, lcc e operadoras. Paga-se caro colocar os ovos todos no mesmo cesto. Em Espanha, as regiões investiram fortemente nas lcc, mas os resultados não parecem tão animadores como se pensava. Os diversos conflitos ocorridos em 2011, em especial na Catalunha, provam que algumas lcc não vivem sem subsídios, voando para outras paragens quando estes minguam.
O turismo do Norte de Portugal cresceu muito nos últimos anos, tendo as lcc desempenhado um papel importante, mas para o futuro, como o Algarve já sabe, é útil não esquecer a regra do equilíbrio entre os vários modelos; em Faro, o tráfego caiu em dezembro 8%, tendo a Ryanair, Easyjet e a Monarch – com 70% do mercado – recuado todas. E em janeiro o panorama não foi diferente. Mais grave, ao contrário das promessas a sazonalidade agravou-se.
O IPDT, a ERTPNP e a ANA patrocinam um estudo designado "perfil dos turistas do Porto e Norte de Portugal". A conclusão mais evidente no último trimestre de 2011 foi o acentuar da tendência da redução dos tempos de estada média, bem como a "redução do gasto médio total dos turistas de lazer", mas a comunicação tornada pública, troca o rigor pela mais grosseira propaganda da Ryanair. Não admira, assim, que, hostilizadas, outras companhias reduzam a actividade ou mesmo abandonem o Sá Carneiro.
A narrativa pró-lcc alimenta-se ainda dos anúncios de criação de milhares de postos de trabalho, mas a realidade não alimenta o discurso.
O professor David Ramos, da Universidade de Salamanca, que analisou o fenómeno social e não apenas em Espanha, revela no seu estudo "Marketing Aeoportuario y Planificación Estrategica del Turismo: el Programa Initiative.Pt en Portugal" que as lcc exercem uma pressão tal sobre os custos que a indústria é forçada a acompanhar a tendência para se manter concorrencial, concluindo que "esta dinâmica acabou por afectar as condições laborais dos trabalhadores". Porque, adianta, "ainda que não se repare, os preços baixos são em parte possíveis graças à degradação das condições laborais do pessoal", acrescentando ainda que " esta degradação apresenta múltiplas facetas que vão desde as práticas anti-sindicais ao dumping social". E conclui: "companhias como a Ryanair adoptam a legislação laboral irlandesa para contratar todo o seu pessoal, independentemente da base em que desempenhem as suas tarefas, por ser a que, na União Europeia, atribui menos defesas aos seus trabalhadores". São aspectos que em Portugal não têm sido debatidos nem por aqueles que têm a obrigação de o fazer.
O crescimento das lcc em Espanha já fez vítimas, de entre as quais a própria Iberia, que perdeu a sua histórica supremacia no médio curso. Pior sucedeu à Spanair, que fechou, provocando o desemprego de milhares de trabalhadores. Foi chocante ver o Sr. O’Leary a exibir, provocatoriamente, o V de vitória aos despedidos desta companhia em Bilbau. Há quem ache graça ao marketing boçal da companhia irlandesa, que prima pela provocação a políticos, como sucedeu recentemente com o nosso 1º Ministro. Mas brincar com coisas sérias é privilégio reservado aos humoristas."
António Monteiro
Soria não ignorou as conclusões do "III Informe Anual sobre Ayudas Publicas en España", segundo o qual entre 2007 e 2010, período em que o investimento público na aviação foi de 250 milhões, o tráfego diminuiu. A sua conclusão é sibilina: "mais do que a criação de mercado, estes fundos estão a contribuir para acentuar o processo de desvio da procura das companhias tradicionais para este tipo de companhias".
É certo que o transporte aéreo é fundamental para o turismo em regiões afastadas dos centros emissores, mas o ideal é existir uma relação equilibrada entre companhias tradicionais, lcc e operadoras. Paga-se caro colocar os ovos todos no mesmo cesto. Em Espanha, as regiões investiram fortemente nas lcc, mas os resultados não parecem tão animadores como se pensava. Os diversos conflitos ocorridos em 2011, em especial na Catalunha, provam que algumas lcc não vivem sem subsídios, voando para outras paragens quando estes minguam.
O turismo do Norte de Portugal cresceu muito nos últimos anos, tendo as lcc desempenhado um papel importante, mas para o futuro, como o Algarve já sabe, é útil não esquecer a regra do equilíbrio entre os vários modelos; em Faro, o tráfego caiu em dezembro 8%, tendo a Ryanair, Easyjet e a Monarch – com 70% do mercado – recuado todas. E em janeiro o panorama não foi diferente. Mais grave, ao contrário das promessas a sazonalidade agravou-se.
O IPDT, a ERTPNP e a ANA patrocinam um estudo designado "perfil dos turistas do Porto e Norte de Portugal". A conclusão mais evidente no último trimestre de 2011 foi o acentuar da tendência da redução dos tempos de estada média, bem como a "redução do gasto médio total dos turistas de lazer", mas a comunicação tornada pública, troca o rigor pela mais grosseira propaganda da Ryanair. Não admira, assim, que, hostilizadas, outras companhias reduzam a actividade ou mesmo abandonem o Sá Carneiro.
A narrativa pró-lcc alimenta-se ainda dos anúncios de criação de milhares de postos de trabalho, mas a realidade não alimenta o discurso.
O professor David Ramos, da Universidade de Salamanca, que analisou o fenómeno social e não apenas em Espanha, revela no seu estudo "Marketing Aeoportuario y Planificación Estrategica del Turismo: el Programa Initiative.Pt en Portugal" que as lcc exercem uma pressão tal sobre os custos que a indústria é forçada a acompanhar a tendência para se manter concorrencial, concluindo que "esta dinâmica acabou por afectar as condições laborais dos trabalhadores". Porque, adianta, "ainda que não se repare, os preços baixos são em parte possíveis graças à degradação das condições laborais do pessoal", acrescentando ainda que " esta degradação apresenta múltiplas facetas que vão desde as práticas anti-sindicais ao dumping social". E conclui: "companhias como a Ryanair adoptam a legislação laboral irlandesa para contratar todo o seu pessoal, independentemente da base em que desempenhem as suas tarefas, por ser a que, na União Europeia, atribui menos defesas aos seus trabalhadores". São aspectos que em Portugal não têm sido debatidos nem por aqueles que têm a obrigação de o fazer.
O crescimento das lcc em Espanha já fez vítimas, de entre as quais a própria Iberia, que perdeu a sua histórica supremacia no médio curso. Pior sucedeu à Spanair, que fechou, provocando o desemprego de milhares de trabalhadores. Foi chocante ver o Sr. O’Leary a exibir, provocatoriamente, o V de vitória aos despedidos desta companhia em Bilbau. Há quem ache graça ao marketing boçal da companhia irlandesa, que prima pela provocação a políticos, como sucedeu recentemente com o nosso 1º Ministro. Mas brincar com coisas sérias é privilégio reservado aos humoristas."
António Monteiro
domingo, março 11, 2012
As lições do caso grego e do PEC IV
"Portugal tem uma oportunidade única de ter um programa de ajustamento bem sucedido. Porque pode evitar os erros gregos e a troika precisa de um caso de sucesso para demonstrar que a culpa foi da Grécia e não do programa.
Vai ser bem sucedido? Não sabemos. Ontem dia 11 de Março, há um ano, o BCE e a União Europeia aliaram-se para apoiar Portugal e evitar o pedido de ajuda. A Zona Euro estava a testar uma nova abordagem à crise do euro, funcionando Portugal como protecção da Espanha e da Itália. Foi a falta de consenso e entendimento entre os protagonistas políticos nacionais que acabou por lançar o país nos braços da troika.
Há um ano Pedro Passos Coelho decidiu não apoiar o PEC IV. Decisão que foi concretizada na Assembleia da República e conduziu à demissão de José Sócrates, à convocação de novas eleições e ao pedido de ajuda externa. Foi o melhor caminho? O balanço deste último ano parece dizer--nos que sim. Pedro Passos Coelho rompeu com o arrastamento não assumido da crise financeira portuguesa e criou condições políticas para um consenso alargado em torno do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF). Ganhamos um governo renovado, com uma nova energia, e o compromisso de CDS, PSD e PS apoiarem as medidas recessivas. As políticas não seriam diferentes, como sabem todos quantos conhecem os condicionalismos de um país que não tem soberania monetária e está endividado.
As dúvidas estão neste momento na capacidade de o actual Governo manter as condições políticas criadas há um ano e a vontade de romper estruturas manifestada pelo PSD em campanha eleitoral. São esses atributos que diferenciam Portugal da Grécia.
O agravamento dos problemas na Grécia que levou à maior reestruturação da dívida soberana da história tem muitas razões mas há três factos que devem servir lições a Portugal:
1. A divisão política – A ausência de um consenso alargado entre os partidos que representam a maior parte da população conduz ao adiamento das medidas que ferem interesses e leva à concentração dos sacrifícios nos que não têm voz nem poder;
2. A incompreensão da população – O perfil das medidas adoptadas sobrecarrega os mais frágeis e leva inevitavelmente à incompreensão das populações e à revolta, com tudo aquilo que fomos vendo em Atenas;
3. A incapacidade de execução – Uma Administração Pública fragilizada e um conflito constante entre os protagonistas políticos dificulta a execução até das medidas mais consensuais.
Mesmo que o governo grego tivesse tido o consenso alargado dos partidos e a coragem de adoptar medidas contra os interesses não tinha a garantia de hoje não estar na situação em que se encontra, com uma reestruturação histórica da dívida e com a sua soberania limitada. Mas tinha tentado, em conjunto e como um colectivo, resolver os seus problemas.
Portugal não se pode dar ao luxo de perder o consenso em torno do plano da troika e o Governo tem de ter a coragem de enfrentar os interesses que vivem à sombra do Orçamento do Estado e de quem é mais frágil. É um caminho que nos mantém sob a ameaça de reestruturação mas que nos garante um futuro melhor, de mais crescimento. Se a estrutura da economia não mudar, nunca teremos mais prosperidade. Seremos apenas pobres."
Helena Garrido
Vai ser bem sucedido? Não sabemos. Ontem dia 11 de Março, há um ano, o BCE e a União Europeia aliaram-se para apoiar Portugal e evitar o pedido de ajuda. A Zona Euro estava a testar uma nova abordagem à crise do euro, funcionando Portugal como protecção da Espanha e da Itália. Foi a falta de consenso e entendimento entre os protagonistas políticos nacionais que acabou por lançar o país nos braços da troika.
Há um ano Pedro Passos Coelho decidiu não apoiar o PEC IV. Decisão que foi concretizada na Assembleia da República e conduziu à demissão de José Sócrates, à convocação de novas eleições e ao pedido de ajuda externa. Foi o melhor caminho? O balanço deste último ano parece dizer--nos que sim. Pedro Passos Coelho rompeu com o arrastamento não assumido da crise financeira portuguesa e criou condições políticas para um consenso alargado em torno do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF). Ganhamos um governo renovado, com uma nova energia, e o compromisso de CDS, PSD e PS apoiarem as medidas recessivas. As políticas não seriam diferentes, como sabem todos quantos conhecem os condicionalismos de um país que não tem soberania monetária e está endividado.
As dúvidas estão neste momento na capacidade de o actual Governo manter as condições políticas criadas há um ano e a vontade de romper estruturas manifestada pelo PSD em campanha eleitoral. São esses atributos que diferenciam Portugal da Grécia.
O agravamento dos problemas na Grécia que levou à maior reestruturação da dívida soberana da história tem muitas razões mas há três factos que devem servir lições a Portugal:
1. A divisão política – A ausência de um consenso alargado entre os partidos que representam a maior parte da população conduz ao adiamento das medidas que ferem interesses e leva à concentração dos sacrifícios nos que não têm voz nem poder;
2. A incompreensão da população – O perfil das medidas adoptadas sobrecarrega os mais frágeis e leva inevitavelmente à incompreensão das populações e à revolta, com tudo aquilo que fomos vendo em Atenas;
3. A incapacidade de execução – Uma Administração Pública fragilizada e um conflito constante entre os protagonistas políticos dificulta a execução até das medidas mais consensuais.
Mesmo que o governo grego tivesse tido o consenso alargado dos partidos e a coragem de adoptar medidas contra os interesses não tinha a garantia de hoje não estar na situação em que se encontra, com uma reestruturação histórica da dívida e com a sua soberania limitada. Mas tinha tentado, em conjunto e como um colectivo, resolver os seus problemas.
Portugal não se pode dar ao luxo de perder o consenso em torno do plano da troika e o Governo tem de ter a coragem de enfrentar os interesses que vivem à sombra do Orçamento do Estado e de quem é mais frágil. É um caminho que nos mantém sob a ameaça de reestruturação mas que nos garante um futuro melhor, de mais crescimento. Se a estrutura da economia não mudar, nunca teremos mais prosperidade. Seremos apenas pobres."
Helena Garrido
sábado, março 10, 2012
Estamos conversados vamos ver se há ou não brandos costumes...
Ouvia um humano, em tom de lamento junto a uma das aberturas
da minha toca, enquanto sopra um vento de leste que tudo seca,( mais ainda…),
dizer entre palavras de raiva e de desorientação, de impotência mas de forma firme, jurar por tudo o que a ideia
do livre arbítrio lhe poderia levar a fazer, pensando que poderia mudar uma
pequena e muito ínfima parte do mundo em que vive, através de actos que alguns
poderiam pensar ser gratuitos ou não.
Foi mais ou menos assim:
O que vou dizer aos meus filhos e netos? Que coisas poderão
fazer para se defenderam de todo o mal, desta sociedade de inverdades?
Que tudo está bem?
Que tudo irá mudar e que é preciso acreditar em gente
hedionda e mentirosa que nos roubou o futuro e a esperança, para além de nos
roubarem todos os dias o pão que ganhámos com todo o merecimento, que eu
ganhei, porque não posso falar por
todos, mas posso falar por todos aqueles que perderam a voz e a coragem, não
sei se são uma maioria ou uma minoria, o número não conta, conta a forma como
vamos mostrar a eles o que fazer perante esta cáfila de gentalha que nos roubou
e rouba, nos gestos, nos não gestos, nas inverdades, nas mentiras e no faz de
conta desta gente que pensa que somos todos cães de Pavlov ou cães de palha
depois da festa.
Vou ensinar-lhes o que um militar ensina?
O que um criminoso sem moral e sem consciência social faz
todos os dias?
Vou dizer-lhes que os Portugueses são pacientes? São de
brandos costumes?
Brandos costumes como
os que fizeram a última guerra civil?
Vou-lhes dizer para serem pacientes, porque lhes roubaram o
futuro, para serem clementes para quem foi inclemente e criminoso, para serem
sérios e honestos porque só com o trabalho sério e honesto se pode ser sério e
pobre, porque o dinheiro não conta e pouco ajuda, dir-lhes-ei, então todas as
mentiras que tantas vezes repetidas me ensinaram a ser manso e triste, que não
se deve olhar em frente, se deve olhar para o chão, porque é assim que devem
ser os escravos desta sociedade de mentira, sem lei, porque roubada e aviltada
na escrita, das vírgulas e dos pontos que faltam e dos que sobram, nas palavras
sopradas aos seus fazedores de leis, pelos salteadores de estados, porque o
direito não é, tanto o natural como o artificial, é uma missa negra, porque o
poder executivo é comandado pelos plutocratas criminosos e protegidos por este
estado dentro dos estados desta assim chamada União.
Portanto não sei o que lhes diga, mas decerto lhes direi que
não devem ser mansos, devem ser rebeldes, quanto baste, tolerantes até ser
suficiente, e sobretudo, que não sejam ingénuos, tudo isso lhes direi, se a
tanto me atrever, porque já nada existe onde a esperança morreu e o ódio nasce
alimentado por isso, a coragem nasce
quando se perde o medo que nos inculcaram desde sempre e, por isso, acima de
tudo, dir-lhes-ei, sejam previdentes mas aprendam a não ter medo, em vez de
esperança, a não tremer nunca perante os inimigos, porque nunca tremerá quem não
teme e é justo.
O vento continuou, mas não acalmou a raiva e o ódio que me
pareceu existir nas palavras e sobretudo o livre arbítrio.
Acerca da iniquidade do chamado Estado democrático e republicano
Estamos perante uma crise de todos
os conceitos, princípios, valores, normas – e em toda a parte. Está em jogo a autoridade, e sobretudo o seu
limite e a definição da sua fonte; está em causa a autoridade, e sobretudo o
seu limite e a definição da sua fonte; está em causa a liberdade, e sobretudo,
e principalmente os eu conteúdo e a sua garantia; não se identifica qualquer
medida comum de justiça, e não há consenso sobre a sua legitimidade; não há
acordo quanto à linha divisória entre terrorismo e acto político, crime e acto
de Estado, sanção punitiva e ofensa à liberdade individual, ordem pública e
repressão, violência e libertação, justiça social e iniquidade individual,
distribuição de riqueza e parasitismo socioeconómico, produtividade e
exploração humana, chefia política e ditadura pessoal, estratégia de governo e
estratégia de poder, administração e proteccionismo político-partidário…
sexta-feira, março 09, 2012
A guerra de trincheiras na União Europeia
"Todo o grande jogo europeu está à espera das eleições francesas: a Grécia será extirpada da Europa quando a dor se tornar insuportável, depois das eleições francesas mas antes das alemãs de 2013. Portugal ficará então no radar. Começou o salve-se quem puder!
A Europa gosta de seguir o velho ensinamento de La Rochefoucauld: "A hipocrisia é a homenagem que o vício paga à virtude". Quando se olha para o fim inglório do sonho europeu nascido no pós-guerra sente-se que hoje a União Europeia é uma soma de vícios sem valor. A Alemanha de Angela Merkel lidera como se uma união não fosse uma soma de vozes e de sensibilidades. Nicolas Sarkozy, entretido na campanha para ver se é reeleito (e para o qual vai contar com uma convidada muito especial, a senhora Merkel) começa a entrar nos territórios típicos do desespero: acha que a emigração é o problema maior da França.
Pode ganhar votos com isso, mas perde a superioridade moral que em tempos era o trunfo europeu. Todo o grande jogo europeu está à espera das eleições francesas: a Grécia será extirpada da Europa quando a dor se tornar insuportável, depois das eleições francesas mas antes das alemãs de 2013. Portugal ficará então no radar. Mas aí já a luta de trincheiras estará definida: a forma como a Espanha conseguirá equilibrar o seu colossal desemprego com um défice que será maior do que a UE deseja dirá muito sobre o futuro desta Europa. Se François Hollande ganhar em França poderá criar-se um bloco político a sul. E então esta Europa terá de definir-se.
Há poucos dias o líder de um partido de extrema-direita holandês, Geert Wilders (que tem um sexto dos parlamentares do país), disse que o euro não é algo que interesse ao povo holandês. E pediu o regresso à sua moeda nacional. É um sintoma desta desintegração do projecto europeu, hoje assente sobretudo numa burocracia infernal com sede em Bruxelas e numa moeda de onde não se pode fugir até que alguém o faça. O que sucederá à Grécia, e a forma como tal aconteça, dirá muito sobre o final anunciado desta crise que começa a reforçar o sentimento proteccionista dos países, dos seus povos e das suas lideranças. Foi prometido aos europeus que se converteram à União e ao euro a solidariedade e uma vida melhor. Nada disso está a ser cumprido. Então para que serve este esforço descomunal em que todos se sentem desconfortáveis enquanto o desemprego aumenta para níveis próximos do que vimos antes da II Guerra Mundial e onde os focos de conflito (como já vemos em Espanha) começam a surgir?
A crise financeira que tem contaminado a economia e está a destruir o que resta do papel do Estado na sociedade está a gerar sobretudo medo. Num dos mais sólidos livros saídos nos últimos tempos, "La economia del miedo" de Joaquín Estefanía (colunista do "El País"), explica o caminho para o fiel aliado do poder, o medo. A insegurança económica cria-o, mas também é a semente da indignação. Estefanía dispara contra a direita e a esquerda por causa desta crise com mil faces distintas. Mas o que é mais poderoso no livro é uma imagem: a de uma mulher de 32 anos, junto aos filhos, chamada Florence Owens Thompson. A foto de quem nada sabia de economia mas estava a sofrer os efeitos da Grande Depressão americana da década de 30 diz tudo. O medo de quem não percebia o que lhe estava a acontecer transpira do seu rosto.
E isso diz tudo. O grande problema desta crise é que a classe política europeia a continua a encarar como um jogo puramente político com danos colaterais. Mas não é: a insolvência moral da UE está a criar uma geração de europeus com medo mas também com uma raiva contida por terem sido traídos nas promessas que lhes fizeram. A grande muralha da Europa vai começando a cair. Primeiro a Grécia. Mas quando a primeira pedra rolar a doença não será estancada. Porque foi destruído o princípio basilar da União Europeia: a solidariedade. Aquela que ajudou a Alemanha a não cumprir os seus défices para poder absorver a antiga RDA."
Fernando Sobral
A Europa gosta de seguir o velho ensinamento de La Rochefoucauld: "A hipocrisia é a homenagem que o vício paga à virtude". Quando se olha para o fim inglório do sonho europeu nascido no pós-guerra sente-se que hoje a União Europeia é uma soma de vícios sem valor. A Alemanha de Angela Merkel lidera como se uma união não fosse uma soma de vozes e de sensibilidades. Nicolas Sarkozy, entretido na campanha para ver se é reeleito (e para o qual vai contar com uma convidada muito especial, a senhora Merkel) começa a entrar nos territórios típicos do desespero: acha que a emigração é o problema maior da França.
Pode ganhar votos com isso, mas perde a superioridade moral que em tempos era o trunfo europeu. Todo o grande jogo europeu está à espera das eleições francesas: a Grécia será extirpada da Europa quando a dor se tornar insuportável, depois das eleições francesas mas antes das alemãs de 2013. Portugal ficará então no radar. Mas aí já a luta de trincheiras estará definida: a forma como a Espanha conseguirá equilibrar o seu colossal desemprego com um défice que será maior do que a UE deseja dirá muito sobre o futuro desta Europa. Se François Hollande ganhar em França poderá criar-se um bloco político a sul. E então esta Europa terá de definir-se.
Há poucos dias o líder de um partido de extrema-direita holandês, Geert Wilders (que tem um sexto dos parlamentares do país), disse que o euro não é algo que interesse ao povo holandês. E pediu o regresso à sua moeda nacional. É um sintoma desta desintegração do projecto europeu, hoje assente sobretudo numa burocracia infernal com sede em Bruxelas e numa moeda de onde não se pode fugir até que alguém o faça. O que sucederá à Grécia, e a forma como tal aconteça, dirá muito sobre o final anunciado desta crise que começa a reforçar o sentimento proteccionista dos países, dos seus povos e das suas lideranças. Foi prometido aos europeus que se converteram à União e ao euro a solidariedade e uma vida melhor. Nada disso está a ser cumprido. Então para que serve este esforço descomunal em que todos se sentem desconfortáveis enquanto o desemprego aumenta para níveis próximos do que vimos antes da II Guerra Mundial e onde os focos de conflito (como já vemos em Espanha) começam a surgir?
A crise financeira que tem contaminado a economia e está a destruir o que resta do papel do Estado na sociedade está a gerar sobretudo medo. Num dos mais sólidos livros saídos nos últimos tempos, "La economia del miedo" de Joaquín Estefanía (colunista do "El País"), explica o caminho para o fiel aliado do poder, o medo. A insegurança económica cria-o, mas também é a semente da indignação. Estefanía dispara contra a direita e a esquerda por causa desta crise com mil faces distintas. Mas o que é mais poderoso no livro é uma imagem: a de uma mulher de 32 anos, junto aos filhos, chamada Florence Owens Thompson. A foto de quem nada sabia de economia mas estava a sofrer os efeitos da Grande Depressão americana da década de 30 diz tudo. O medo de quem não percebia o que lhe estava a acontecer transpira do seu rosto.
E isso diz tudo. O grande problema desta crise é que a classe política europeia a continua a encarar como um jogo puramente político com danos colaterais. Mas não é: a insolvência moral da UE está a criar uma geração de europeus com medo mas também com uma raiva contida por terem sido traídos nas promessas que lhes fizeram. A grande muralha da Europa vai começando a cair. Primeiro a Grécia. Mas quando a primeira pedra rolar a doença não será estancada. Porque foi destruído o princípio basilar da União Europeia: a solidariedade. Aquela que ajudou a Alemanha a não cumprir os seus défices para poder absorver a antiga RDA."
Fernando Sobral
quinta-feira, março 08, 2012
Para a banca tudo, para Estados e economia nada
"Na passada semana o BCE abriu de novo os cordões à bolsa e emprestou aos bancos da Zona 530 mil milhões, a três anos e à taxa de juro de 1%. Que somam aos 490 emprestados nas mesmas condições em finais de Dezembro. Em dois meses o BCE arranjou um bilião de euros para ceder à banca. Mas não consegue arranjar dinheiro para adquirir títulos dos Estados e pôr fim à especulação financeira sobre as dívidas públicas. Não consegue porque não quer, já que se é verdade que os seus estatutos erradamente proíbem a monetarização directa dessa divida também é certo que a permitem com a intermediação de bancos de capitais públicos.
Alegadamente este crédito concedido aos bancos visaria inundá-los de liquidez para financiarem a actividade económica. Sucede que, de ambas as vezes, a aplicação imediata dessa liquidez traduziu-se em depósitos no próprio BCE e quanto ao crédito à economia nada mudou, quer nas restrições quer no preço.
Serviria igualmente para que os bancos financiassem os Estados, e para isso a flexibilização dos critérios quanto aos colaterais garantes dos empréstimos. Mas também isso não passa de miragem. E mesmo que viesse a suceder, tal política é incompreensível e inaceitável: emprestar aos bancos a 1% para estes refinanciarem os Estados a 5% ou 7% é usura, com o BCE a ser o mentor desse esbulho.
O embrulho de celofane dos alegados objectivos não esconde o propósito efectivo de beneficiar bancos e banqueiros, permitindo-lhes substituírem débitos de curto prazo, reequilibrarem os balanços a preço baixíssimo e acumularem liquidez à espera de melhores tempos.
É o "diktat" das finanças. Para a banca, tudo de bom e do melhor. Nada para a economia, o emprego e os Estados. Entretanto a crise aprofunda-se."
Octávio Teixeira
Alegadamente este crédito concedido aos bancos visaria inundá-los de liquidez para financiarem a actividade económica. Sucede que, de ambas as vezes, a aplicação imediata dessa liquidez traduziu-se em depósitos no próprio BCE e quanto ao crédito à economia nada mudou, quer nas restrições quer no preço.
Serviria igualmente para que os bancos financiassem os Estados, e para isso a flexibilização dos critérios quanto aos colaterais garantes dos empréstimos. Mas também isso não passa de miragem. E mesmo que viesse a suceder, tal política é incompreensível e inaceitável: emprestar aos bancos a 1% para estes refinanciarem os Estados a 5% ou 7% é usura, com o BCE a ser o mentor desse esbulho.
O embrulho de celofane dos alegados objectivos não esconde o propósito efectivo de beneficiar bancos e banqueiros, permitindo-lhes substituírem débitos de curto prazo, reequilibrarem os balanços a preço baixíssimo e acumularem liquidez à espera de melhores tempos.
É o "diktat" das finanças. Para a banca, tudo de bom e do melhor. Nada para a economia, o emprego e os Estados. Entretanto a crise aprofunda-se."
Octávio Teixeira
quarta-feira, março 07, 2012
Quem perdeu a Grécia?
"O jogo da culpa ainda não começou na Europa. Um acordo entre a Grécia e os credores privados vai permitir ao país pagar a dívida que atinge a maturidade a 20 de Março. Os europeus são dignos de elogio por terem dado um passo na direcção do realismo. Os credores privados aceitaram um "haircut" superior a 50% da dívida e uma redução das taxas de juro, ou seja, o alívio da dívida ascende a mais de dois terços.
Mas, apesar de se ter alcançado uma solução "in extremis", muitas pessoas acreditam que esta vai apenas adiar o dia da verdade, já que a Grécia não vai implementar a prometida austeridade e irá acabar por decidir abandonar a Zona Euro ou ser expulsa da região após um possível incumprimento. Antes do último acordo, líderes políticos da Holanda e da Finlândia, e alguns da Alemanha, questionaram por que motivo deveria a Grécia permanecer no euro. Em Atenas, a exasperação disparou e a amarga troca de palavras começou, perigosamente, a assemelhar-se às duras disputas sobre as indemnizações alemãs nos anos 20.
"Quem perdeu a China?" Perguntaram os estrategas norte-americanos nos anos 50, após a vitória dos comunistas de Mao Zedong em 1949. Em breve, os europeus podem muito bem começar a fazer a mesma pergunta sobre a Grécia.
Os principais culpados são, como é óbvio, os próprios gregos. A irresponsabilidade dos seus políticos foi enorme e o clientelismo perverteu o governo. O índice de corrupção da Transparência Internacional colocou o país no lugar 80 e, em Setembro de 2011, o Tesouro grego realizou apenas 31 das 75 inspecções tributárias, prometidas para esse ano, a indivíduos com elevados rendimentos.
Mas seria demasiado fácil ficarmos por aqui e absolver de responsabilidades o resto da Europa. O primeiro erro das autoridades europeias foi procrastinar durante meses, para depois definir um programa de ajuda irrealista que previa o regresso da Grécia aos mercados de capitais em 2013. É óbvio, actualmente, que vai durar anos, talvez uma década, para reformar a economia e corrigir os desequilíbrios.
O segundo erro da Europa foi a sua resposta incoerente à crise da dívida soberana. Eram possíveis duas estratégias: ou uma atempada redução da dívida soberana grega, que permitisse repor, rapidamente, a solvência do país, ou a mutualização da dívida grega em nome da preservação da reputação colectiva de todos os Estados-membros da Zona Euro.
Qualquer uma destas estratégias teria sido coerente mas a Alemanha e a França optaram uma mistura das duas, que não foi coerente. Os alemães e os franceses fizeram de conta que a Grécia era solvente e emprestarem a taxas de juro proibitivas, que pioraram a situação. Demoraram 18 meses a abandonar esta política.
O terceiro erro passou por uma definição errada das prioridades. Desde o início da crise, o Fundo Monetário Internacional diagnosticou um duplo problema: finanças públicas fracas e uma severa perda de competitividade. Infelizmente, os decisores políticos focaram-se na primeira e, despreocupadamente, esperaram que as reformas estruturais resolvessem a segunda. As autoridades gregas investiram a maior parte do seu capital político no ajuste orçamental e não em construir uma economia competitiva.
O programa que está agora a ser finalizado reverte a ordem de prioridades, colocando a competitividade e o crescimento à frente da consolidação orçamental. Ainda assim, há uma questão que permanece: porque foram precisos dois anos para tomar esta decisão.
Em quarto lugar, nada de significativo foi feito para impulsionar o crescimento. Um programa de ajustamento tem, necessariamente, efeitos recessivos mas não deve travar os esforços para mobilizar o crescimento económico. Em princípio, a Grécia deveria ter tido acesso a um maior montante de ajuda ao desenvolvimento regional do orçamento da União Europeia, que foi subutilizado devido à falta de co-financiamento local. Só no Verão passado – e mesmo nesta altura a um nível modesto – se reconheceu que essa ajuda poderia ter sido usada para apoiar a recuperação económica.
O erro final da Europa foi um certo nível de indiferença face a uma partilha justa do peso da dívida. É compreensível que o Fundo Monetário Internacional (FMI), uma instituição tecnocrata, não se aventure além da macroeconomia. Mas a União Europeia é uma entidade política que definiu a justiça social como um dos seus principais objectivos. Não pode exigir a redução do salário mínimo e, por outro lado, atribuir uma importância secundária à evasão fiscal entre os 10% de contribuintes com maiores rendimentos, que representam um quarto das receitas fiscais.
Ao contrário do que dizem as críticas fáceis, a Europa não pode ser criticada por impor austeridade à Grécia. Esta é a contrapartida necessária de um importante esforço de apoio financeiro e um país com semelhantes desequilíbrios deve submeter-se, inevitavelmente, a um rigor extremo.
Mas a Europa pode ser acusada de um programa inicial tardio, mal concebido, desequilibrado e carente de equidade. Se algum dia se perguntar quem perdeu a Grécia, haverá muitos a quem culpar."
Jean Pisani-Ferry
Mas, apesar de se ter alcançado uma solução "in extremis", muitas pessoas acreditam que esta vai apenas adiar o dia da verdade, já que a Grécia não vai implementar a prometida austeridade e irá acabar por decidir abandonar a Zona Euro ou ser expulsa da região após um possível incumprimento. Antes do último acordo, líderes políticos da Holanda e da Finlândia, e alguns da Alemanha, questionaram por que motivo deveria a Grécia permanecer no euro. Em Atenas, a exasperação disparou e a amarga troca de palavras começou, perigosamente, a assemelhar-se às duras disputas sobre as indemnizações alemãs nos anos 20.
"Quem perdeu a China?" Perguntaram os estrategas norte-americanos nos anos 50, após a vitória dos comunistas de Mao Zedong em 1949. Em breve, os europeus podem muito bem começar a fazer a mesma pergunta sobre a Grécia.
Os principais culpados são, como é óbvio, os próprios gregos. A irresponsabilidade dos seus políticos foi enorme e o clientelismo perverteu o governo. O índice de corrupção da Transparência Internacional colocou o país no lugar 80 e, em Setembro de 2011, o Tesouro grego realizou apenas 31 das 75 inspecções tributárias, prometidas para esse ano, a indivíduos com elevados rendimentos.
Mas seria demasiado fácil ficarmos por aqui e absolver de responsabilidades o resto da Europa. O primeiro erro das autoridades europeias foi procrastinar durante meses, para depois definir um programa de ajuda irrealista que previa o regresso da Grécia aos mercados de capitais em 2013. É óbvio, actualmente, que vai durar anos, talvez uma década, para reformar a economia e corrigir os desequilíbrios.
O segundo erro da Europa foi a sua resposta incoerente à crise da dívida soberana. Eram possíveis duas estratégias: ou uma atempada redução da dívida soberana grega, que permitisse repor, rapidamente, a solvência do país, ou a mutualização da dívida grega em nome da preservação da reputação colectiva de todos os Estados-membros da Zona Euro.
Qualquer uma destas estratégias teria sido coerente mas a Alemanha e a França optaram uma mistura das duas, que não foi coerente. Os alemães e os franceses fizeram de conta que a Grécia era solvente e emprestarem a taxas de juro proibitivas, que pioraram a situação. Demoraram 18 meses a abandonar esta política.
O terceiro erro passou por uma definição errada das prioridades. Desde o início da crise, o Fundo Monetário Internacional diagnosticou um duplo problema: finanças públicas fracas e uma severa perda de competitividade. Infelizmente, os decisores políticos focaram-se na primeira e, despreocupadamente, esperaram que as reformas estruturais resolvessem a segunda. As autoridades gregas investiram a maior parte do seu capital político no ajuste orçamental e não em construir uma economia competitiva.
O programa que está agora a ser finalizado reverte a ordem de prioridades, colocando a competitividade e o crescimento à frente da consolidação orçamental. Ainda assim, há uma questão que permanece: porque foram precisos dois anos para tomar esta decisão.
Em quarto lugar, nada de significativo foi feito para impulsionar o crescimento. Um programa de ajustamento tem, necessariamente, efeitos recessivos mas não deve travar os esforços para mobilizar o crescimento económico. Em princípio, a Grécia deveria ter tido acesso a um maior montante de ajuda ao desenvolvimento regional do orçamento da União Europeia, que foi subutilizado devido à falta de co-financiamento local. Só no Verão passado – e mesmo nesta altura a um nível modesto – se reconheceu que essa ajuda poderia ter sido usada para apoiar a recuperação económica.
O erro final da Europa foi um certo nível de indiferença face a uma partilha justa do peso da dívida. É compreensível que o Fundo Monetário Internacional (FMI), uma instituição tecnocrata, não se aventure além da macroeconomia. Mas a União Europeia é uma entidade política que definiu a justiça social como um dos seus principais objectivos. Não pode exigir a redução do salário mínimo e, por outro lado, atribuir uma importância secundária à evasão fiscal entre os 10% de contribuintes com maiores rendimentos, que representam um quarto das receitas fiscais.
Ao contrário do que dizem as críticas fáceis, a Europa não pode ser criticada por impor austeridade à Grécia. Esta é a contrapartida necessária de um importante esforço de apoio financeiro e um país com semelhantes desequilíbrios deve submeter-se, inevitavelmente, a um rigor extremo.
Mas a Europa pode ser acusada de um programa inicial tardio, mal concebido, desequilibrado e carente de equidade. Se algum dia se perguntar quem perdeu a Grécia, haverá muitos a quem culpar."
Jean Pisani-Ferry
A Europa de Weimar?
"A posição da Alemanha na Europa parece incrivelmente peculiar e vulnerável. Durante o caos da unificação, na década de 1990, quando os vizinhos da Alemanha estavam assustados com o novo gigante, Helmut Kohl, o então Chanceler, prometeu uma Alemanha voltada para a Europa, não uma Europa alemã. Contudo, nos dias de hoje, os termos para qualquer esforço de resgate europeu partem, claramente, da Alemanha.
Há um reconhecimento consensual de que a Europa precisa de um crescimento económico substancial se pretende superar os problemas relacionados com a crise da dívida. Mas as preocupações alemãs em relação à estabilidade – baseadas na sua catastrófica experiência entre o período entre as duas guerras mundiais – podem dar um empurrão na direcção oposta. E como consequência, criticar a Alemanha está na moda.
Neste sentido, os críticos da Alemanha apontam-lhe duas coisas: o problema real da Europa é o actual excedente das contas correntes germânicas e o facto de os alemães estarem obcecados com o seu passado.
A actual situação das contas correntes da Alemanha é uma questão de longa data, antecedendo mesmo a união monetária. Na década de 60, a Alemanha surgiu como a mais forte e mais dinâmica economia europeia, devido ao desempenho robusto das exportações. O actual excedente da Alemanha, impulsionado em primeiro lugar por uma balança comercial positiva, que apareceu brevemente na década de 1950, foi corrigido depois de uma reavaliação cambial em 1961, tendo ressurgido depois nos finais das décadas de 1960, de 1970, de 1980 e, novamente, no final dos anos 2000.
Porém, se os desequilíbrios não poderem ser financiados e sustentados, há a necessidade de ajustamento. Com intervalos regulares desde a década de 1960, os parceiros europeus da Alemanha - em particular a França – foram confrontados com a perspectiva da austeridade e da deflação para corrigirem os défices. Esta alternativa não era atractiva para a elite política francesa, dado que pressionava o crescimento e assegurava a impopularidade nas eleições.
A França (e outros países mediterrânicos) preferiam a expansão orçamental e monetária da Alemanha, o que atenuava a forte orientação exportadora do país. Mas este caminho foi sempre impopular junto dos alemães, que dado à sua história durante o período entre guerras, temiam a inflação e as suas implicações.
Os políticos alemães consideravam que esta questão iria desvanecer-se com o lançamento da união monetária. Como fundamento para esta ideia estava o facto de que ninguém nos Estados Unidos se preocupa com uma expansão da Califórnia, que produz o equivalente a um superávit das contas correntes (se alguém se preocupassem em medi-lo). Mas ninguém diz à Califórnia para relaxar e ir para a praia quando os tempos são bons.
A segunda crítica, repetida pelo prémio Nobel da Economia Paul Krugman, é que a suposta lição histórica da Alemanha é, em termos cronológicos, falsa. Não foi a famosa hiperinflação, no início dos anos de 1920, que destruiu a frágil República de Weimar da Alemanha e que acabou por conduzir à ditadura Nazi. A democracia foi assassinada uma década mais tarde pela depressão e deflação.
Estas críticas contemporâneas falham num elemento importante da política alemã no início da década de 1930. Por altura da Grande Depressão, a Alemanha já estava encurralada, devido a más escolhas anteriores. E é precisamente essa lição que está profundamente enraizada na consciência política da Alemanha.
Os alemães estão correctos ao apontarem os paralelismos entre as condições actuais da Europa e as que existiam durante o período entre as duas guerras mundiais. As semelhanças consistem nas implicações das escolhas do actual regime para os comportamentos políticos e para a legitimação da democracia.
No final deste período de hiperinflação, a Alemanha estava fechada num regime de taxa de câmbio - o padrão ouro ao nível internacional - que foi de forma deliberada concebido para ser tão limitador que sair era impossível. A consequência antecipada foi que o país parecia credível e tornou-se atractivo ao capital estrangeiro.
Com esta estratégia a funcionar, a entrada de capitais fomentou tanto a expansão do sector público como do sector privado. Os governos, a todos os níveis, financiaram projectos de infra-estruturas atractivos mas dispendiosos.
Mas, ainda assim, há um reverso. O vigor da expansão, aliado à experiência anterior da inflação, levou a um aumento dos salários que não foi acompanhado por ganhos de produtividade. E como resultado, a República de Weimar perdeu competitividade no final da década de 1920, da mesma forma que aconteceu ao sul da Europa na década de 2000. Em ambos os casos, foi claro que a entrada de capitais não podia continuar para sempre e o enfraquecimento da competitividade apenas veio apressar o fim.
Quando esta mudança aconteceu, a Alemanha estava encurralada. Com os cidadãos alemães e os cidadãos estrangeiros a levantarem os seus depósitos, os bancos estavam a caminho da insolvência e por isso viram-se obrigados a liquidar os seus activos à pressa e de forma relativamente barata. O governo teve de ajudar os bancos que faliram; mas podia financiar os défices apenas através de empréstimos da banca. Dada a existência deste compromisso da taxa de câmbio fixa do padrão ouro, isso significa que vão ter de ser impostas ainda mais medidas impopulares de austeridade.
Devido a estes constrangimentos, não há nenhum caminho fácil. A trajetória adoptada imediatamente no despertar da crise bancária de 1931 acabou por impor controlos de capital.
A crise foi uma derrota para a democracia. A resposta óbvia dos partidos democráticos foi abandonar a responsabilidade política durante o período de grandes dificuldades económicas. O último governo da República de Weimar entrou em colapso em Março de 1930 sob o peso político de um dilema orçamental impossível. Os cortes nos gastos alienaram a esquerda; os aumentos dos impostos despertaram a cólera da direita.
Os partidos democráticos acordaram usar as cláusulas de emergência, previstas na Constituição, de forma a não terem de consultar o parlamento e legislar através de decretos. Neste sentido, a democracia estava já bastante desgastada antes da nomeação de Adolf Hitler para Chanceler, em Janeiro de 1933.
Problemas orçamentais e do sistema financeiro, constrangimentos fiscais e o surgimento de governos "não-políticos" e de raiz tecnocrática são questões relativamente familiares aos alemães, em particular, se olharem para o passado. A lição negativa da experiência entre guerras – a acumulação de responsabilidades orçamentais não resolve o problema – é já percetível na Europa dos dias de hoje. Mas há também uma lição positiva: a possibilidade de uma ordem mundial que apoia, em vez de minar, os regimes democráticos na altura em que estes tomam medidas impopulares.
Estas foram lições tiradas de Weimar e por Konrad Adenauer, o primeiro Chanceler alemão no pós-guerra e o homem que – como presidente da câmara de uma das cidades alemãs com maiores gastos na década de 1920 – viu a catástrofe muito de perto. Agora, como no passado, na Europa – uma comunidade de valores partilhados – é necessário manter a democracia nos países ameaçados pelo colapso económico. "
Harold James
Há um reconhecimento consensual de que a Europa precisa de um crescimento económico substancial se pretende superar os problemas relacionados com a crise da dívida. Mas as preocupações alemãs em relação à estabilidade – baseadas na sua catastrófica experiência entre o período entre as duas guerras mundiais – podem dar um empurrão na direcção oposta. E como consequência, criticar a Alemanha está na moda.
Neste sentido, os críticos da Alemanha apontam-lhe duas coisas: o problema real da Europa é o actual excedente das contas correntes germânicas e o facto de os alemães estarem obcecados com o seu passado.
A actual situação das contas correntes da Alemanha é uma questão de longa data, antecedendo mesmo a união monetária. Na década de 60, a Alemanha surgiu como a mais forte e mais dinâmica economia europeia, devido ao desempenho robusto das exportações. O actual excedente da Alemanha, impulsionado em primeiro lugar por uma balança comercial positiva, que apareceu brevemente na década de 1950, foi corrigido depois de uma reavaliação cambial em 1961, tendo ressurgido depois nos finais das décadas de 1960, de 1970, de 1980 e, novamente, no final dos anos 2000.
Porém, se os desequilíbrios não poderem ser financiados e sustentados, há a necessidade de ajustamento. Com intervalos regulares desde a década de 1960, os parceiros europeus da Alemanha - em particular a França – foram confrontados com a perspectiva da austeridade e da deflação para corrigirem os défices. Esta alternativa não era atractiva para a elite política francesa, dado que pressionava o crescimento e assegurava a impopularidade nas eleições.
A França (e outros países mediterrânicos) preferiam a expansão orçamental e monetária da Alemanha, o que atenuava a forte orientação exportadora do país. Mas este caminho foi sempre impopular junto dos alemães, que dado à sua história durante o período entre guerras, temiam a inflação e as suas implicações.
Os políticos alemães consideravam que esta questão iria desvanecer-se com o lançamento da união monetária. Como fundamento para esta ideia estava o facto de que ninguém nos Estados Unidos se preocupa com uma expansão da Califórnia, que produz o equivalente a um superávit das contas correntes (se alguém se preocupassem em medi-lo). Mas ninguém diz à Califórnia para relaxar e ir para a praia quando os tempos são bons.
A segunda crítica, repetida pelo prémio Nobel da Economia Paul Krugman, é que a suposta lição histórica da Alemanha é, em termos cronológicos, falsa. Não foi a famosa hiperinflação, no início dos anos de 1920, que destruiu a frágil República de Weimar da Alemanha e que acabou por conduzir à ditadura Nazi. A democracia foi assassinada uma década mais tarde pela depressão e deflação.
Estas críticas contemporâneas falham num elemento importante da política alemã no início da década de 1930. Por altura da Grande Depressão, a Alemanha já estava encurralada, devido a más escolhas anteriores. E é precisamente essa lição que está profundamente enraizada na consciência política da Alemanha.
Os alemães estão correctos ao apontarem os paralelismos entre as condições actuais da Europa e as que existiam durante o período entre as duas guerras mundiais. As semelhanças consistem nas implicações das escolhas do actual regime para os comportamentos políticos e para a legitimação da democracia.
No final deste período de hiperinflação, a Alemanha estava fechada num regime de taxa de câmbio - o padrão ouro ao nível internacional - que foi de forma deliberada concebido para ser tão limitador que sair era impossível. A consequência antecipada foi que o país parecia credível e tornou-se atractivo ao capital estrangeiro.
Com esta estratégia a funcionar, a entrada de capitais fomentou tanto a expansão do sector público como do sector privado. Os governos, a todos os níveis, financiaram projectos de infra-estruturas atractivos mas dispendiosos.
Mas, ainda assim, há um reverso. O vigor da expansão, aliado à experiência anterior da inflação, levou a um aumento dos salários que não foi acompanhado por ganhos de produtividade. E como resultado, a República de Weimar perdeu competitividade no final da década de 1920, da mesma forma que aconteceu ao sul da Europa na década de 2000. Em ambos os casos, foi claro que a entrada de capitais não podia continuar para sempre e o enfraquecimento da competitividade apenas veio apressar o fim.
Quando esta mudança aconteceu, a Alemanha estava encurralada. Com os cidadãos alemães e os cidadãos estrangeiros a levantarem os seus depósitos, os bancos estavam a caminho da insolvência e por isso viram-se obrigados a liquidar os seus activos à pressa e de forma relativamente barata. O governo teve de ajudar os bancos que faliram; mas podia financiar os défices apenas através de empréstimos da banca. Dada a existência deste compromisso da taxa de câmbio fixa do padrão ouro, isso significa que vão ter de ser impostas ainda mais medidas impopulares de austeridade.
Devido a estes constrangimentos, não há nenhum caminho fácil. A trajetória adoptada imediatamente no despertar da crise bancária de 1931 acabou por impor controlos de capital.
A crise foi uma derrota para a democracia. A resposta óbvia dos partidos democráticos foi abandonar a responsabilidade política durante o período de grandes dificuldades económicas. O último governo da República de Weimar entrou em colapso em Março de 1930 sob o peso político de um dilema orçamental impossível. Os cortes nos gastos alienaram a esquerda; os aumentos dos impostos despertaram a cólera da direita.
Os partidos democráticos acordaram usar as cláusulas de emergência, previstas na Constituição, de forma a não terem de consultar o parlamento e legislar através de decretos. Neste sentido, a democracia estava já bastante desgastada antes da nomeação de Adolf Hitler para Chanceler, em Janeiro de 1933.
Problemas orçamentais e do sistema financeiro, constrangimentos fiscais e o surgimento de governos "não-políticos" e de raiz tecnocrática são questões relativamente familiares aos alemães, em particular, se olharem para o passado. A lição negativa da experiência entre guerras – a acumulação de responsabilidades orçamentais não resolve o problema – é já percetível na Europa dos dias de hoje. Mas há também uma lição positiva: a possibilidade de uma ordem mundial que apoia, em vez de minar, os regimes democráticos na altura em que estes tomam medidas impopulares.
Estas foram lições tiradas de Weimar e por Konrad Adenauer, o primeiro Chanceler alemão no pós-guerra e o homem que – como presidente da câmara de uma das cidades alemãs com maiores gastos na década de 1920 – viu a catástrofe muito de perto. Agora, como no passado, na Europa – uma comunidade de valores partilhados – é necessário manter a democracia nos países ameaçados pelo colapso económico. "
Harold James
terça-feira, março 06, 2012
O falso amanhecer e as questões da esperança de vida ou melhor das esperanças de vida.
Já não soa a surpreendente dizer que a
esperança média de vida de uma mulher no Zimbabwe é de 42 anos e a de uma
japonesa é de 80 anos, uma diferença de 38
anos, portanto. Ou que um queniano morre em média aos 47 anos e um sueco pode
chegar contar aos 82, enuncia Michael Marmot, professor catedrático em
Epidemiologia e Saúde Pública e director do Instituto Internacional para a
Sociedade e Saúde na University College de Londres.
Mas e se o universo de que falamos for antes uma das zonas mais ricas de Londres, Westminster? Isso mesmo, o sítio onde fica o Parlamento britânico "e onde vivem muitos políticos e pessoas ricas". Pois nesta área geográfica, a diferença entre o mais rico e o mais pobre dos habitantes é de 17 anos. Não é preciso, por isso, apanhar um avião para África. "Eu faço este percurso de bicicleta em cerca de 25 minutos", disse o inglês Michael Marmot, na semana passada, perante uma plateia de profissionais de saúde no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, em Lisboa.
"É um mito pensar que a Europa é uma região rica e não tem estes problemas. Há grandes desigualdades entre as pessoas, dentro dos países". E esta não é uma particularidade de Inglaterra, é possível encontrar o mesmo fenómeno, por exemplo, numa simples viagem de metro na capital norte americana, continua. Em Washington D.C. entre o mais rico dos seus habitantes e o mais pobre distam 18 anos de diferença em esperança média de vida, explicita o académico. Este tipo de desigualdades sociais que se reflectem na mortalidade e no estado de saúde das pessoas são tão transversais e tão permanentes que "até na igualitária Suécia há um estudo que mostra que há diferenças entre um detentor de um doutoramento e o de um mestrado, o doutorado tem maior esperança de vida".
A ideia de que o grupo social a que se pertence é determinante em termos de saúde é uma verdade que Michael Marmot foi encontrar no mais insuspeito dos grupos: os funcionários públicos britânicos, numa investigação que ficou famosa em Inglaterra, publicada na revista científica Lancet em 1991. Falando ao PÚBLICO após a conferência, disse que "não estamos aqui a falar de pobreza, todos eles têm emprego, casa, uma vida com alguma dignidade". Mas ainda assim encontrou maiores taxas de mortalidade entre os funcionários públicos do final da escala comparados com os do topo.
O que este estudo veio desmentir foi a ideia de senso comum de que as funções de maior responsabilidade trazem consigo mais stress e por isso mais doença cardiovascular, por exemplo, explicou. Pelo contrário, o que se constata é que é determinante o grau de autonomia que se tem no trabalho.
Nas investigações deste tipo chega-se à conclusão de que "o exemplo típico do trabalho com os níveis mais altos de stress é aquele em que a pessoa tem que fazer sempre as mesmas coisas da mesma forma e não tem qualquer controlo sobre o que faz, só tem que o fazer", ou seja, há mais stress, por exemplo num operário de uma fábrica, "que tem que pedir para ir à casa de banho, só tem que se fazer o que lhe é dito, não tem qualquer controlo sobre o seu trabalho", do que num administrador público de topo. Este "sabe que o que está a fazer é importante, há realização profissional. É um trabalho exigente mas tem mais controlo sobre o seu trabalho".
Marmot, que também esteve na Universidade do Algarve, tem dedicado o seu trabalho de pesquisa dos últimos 35 anos ao tema das desigualdades em saúde. E o que fez perante este auditório cheio de pessoas ligadas à saúde foi transportá-los ao longo de uma espécie de viagem ao mundo das desigualdades na saúde, que começa desde o nascimento e só termina até na morte. Com muito humor negro à mistura.
O pobre burro fica burro
Mas e se o universo de que falamos for antes uma das zonas mais ricas de Londres, Westminster? Isso mesmo, o sítio onde fica o Parlamento britânico "e onde vivem muitos políticos e pessoas ricas". Pois nesta área geográfica, a diferença entre o mais rico e o mais pobre dos habitantes é de 17 anos. Não é preciso, por isso, apanhar um avião para África. "Eu faço este percurso de bicicleta em cerca de 25 minutos", disse o inglês Michael Marmot, na semana passada, perante uma plateia de profissionais de saúde no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, em Lisboa.
"É um mito pensar que a Europa é uma região rica e não tem estes problemas. Há grandes desigualdades entre as pessoas, dentro dos países". E esta não é uma particularidade de Inglaterra, é possível encontrar o mesmo fenómeno, por exemplo, numa simples viagem de metro na capital norte americana, continua. Em Washington D.C. entre o mais rico dos seus habitantes e o mais pobre distam 18 anos de diferença em esperança média de vida, explicita o académico. Este tipo de desigualdades sociais que se reflectem na mortalidade e no estado de saúde das pessoas são tão transversais e tão permanentes que "até na igualitária Suécia há um estudo que mostra que há diferenças entre um detentor de um doutoramento e o de um mestrado, o doutorado tem maior esperança de vida".
A ideia de que o grupo social a que se pertence é determinante em termos de saúde é uma verdade que Michael Marmot foi encontrar no mais insuspeito dos grupos: os funcionários públicos britânicos, numa investigação que ficou famosa em Inglaterra, publicada na revista científica Lancet em 1991. Falando ao PÚBLICO após a conferência, disse que "não estamos aqui a falar de pobreza, todos eles têm emprego, casa, uma vida com alguma dignidade". Mas ainda assim encontrou maiores taxas de mortalidade entre os funcionários públicos do final da escala comparados com os do topo.
O que este estudo veio desmentir foi a ideia de senso comum de que as funções de maior responsabilidade trazem consigo mais stress e por isso mais doença cardiovascular, por exemplo, explicou. Pelo contrário, o que se constata é que é determinante o grau de autonomia que se tem no trabalho.
Nas investigações deste tipo chega-se à conclusão de que "o exemplo típico do trabalho com os níveis mais altos de stress é aquele em que a pessoa tem que fazer sempre as mesmas coisas da mesma forma e não tem qualquer controlo sobre o que faz, só tem que o fazer", ou seja, há mais stress, por exemplo num operário de uma fábrica, "que tem que pedir para ir à casa de banho, só tem que se fazer o que lhe é dito, não tem qualquer controlo sobre o seu trabalho", do que num administrador público de topo. Este "sabe que o que está a fazer é importante, há realização profissional. É um trabalho exigente mas tem mais controlo sobre o seu trabalho".
Marmot, que também esteve na Universidade do Algarve, tem dedicado o seu trabalho de pesquisa dos últimos 35 anos ao tema das desigualdades em saúde. E o que fez perante este auditório cheio de pessoas ligadas à saúde foi transportá-los ao longo de uma espécie de viagem ao mundo das desigualdades na saúde, que começa desde o nascimento e só termina até na morte. Com muito humor negro à mistura.
O pobre burro fica burro
Comece-se então nos primeiros anos de vida.
Um estudo britânico de 2003 avaliou o desenvolvimento cognitivo de crianças dos
22 meses aos 10 anos, acompanhando o percurso de quatro tipos de crianças.
Imaginemos que estamos a falar apenas de quatro crianças, para que se perceba:
há duas que aos 22 meses pontuaram baixo na escala de desenvolvimento
cognitivo, uma destas era originária de uma família de baixo estatuto
socioeconómico e outra de um alto; e outras duas crianças que, no início de
vida, estão nos valores mais altos do desenvolvimento cognitivo, mas uma é de
um baixo estrato social e outra de alto. O que acontece a estas quatro crianças
quando crescem? A criança com baixo desenvolvimento cognitivo de uma família
rica recupera esse atraso, já aquela que tinha tido o mesmo baixo ponto de
partida mantém-se ao mesmo nível. Nos dois meninos a quem foi identificado alto
nível cognitivo, o da família pobre desce de desempenho intelectual à medida
que avança na idade, o que cresceu num lar rico mantém o seu desempenho alto. O
professor resume da seguinte forma este estudo: "Se se for pobre e burro
fica-se burro, se se for burro e rico recupera-se. É a prova de que os genes
não definem o destino e que a envolvência social é determinante e que o social
potencia o biológico". Tomando depois como referência apenas dois
elementos que afectam o desenvolvimento infantil sai reforçada a ideia da
desigualdade social, continuou o académico. Logo à nascença, as crianças que
nascem em famílias mais desfavorecidas têm maior probabilidade de terem mães
com depressão pós-parto (cerca de 20%), número que não chega aos 10% no caso de
famílias de estrato social mais elevado, revelam dados britânicos oficiais do
Departamento da Criança, Escolas e Famílias de 2003-04 que citou. Um pouco mais
velhinhos, aos três anos, cerca de 75% dos pais de famílias com estatuto
socioeconómico mais alto lêem aos seus filhos todos os dias, uma prática que as
estimula em termos cognitivos, número que desce para os cerca de 40% nos lares
mais desfavorecidos.
E se estivermos a falar já da vida activa? E aqui Marmot mostrou um gráfico com uma escala que relaciona o grau de saúde mental com o tipo de vínculo laboral que se tem - dos que trabalhavam sem contrato, aos que têm trabalho temporário, aos que têm contrato e termo e os que estão integrados nos quadros. O estado de saúde mental é muito pior entre os que têm formas de trabalho mais precárias e alcança os melhores níveis entre os trabalhadores com estabilidade laboral. A leitura óbvia será a de que a precariedade laboral é causa de piores níveis de saúde mental, verdade?. "Sabem como é que um grupo de economistas a quem mostrei este gráfico o leram? Disseram que era prova que as pessoas com pior saúde mental estavam a entrar para trabalhos mais precários". E neste momento, como em tantos outros, arrancou gargalhadas à plateia.
Ao Portugal em crise, Marmot veio relembrar que "está provado que o aumento em 1% da taxa de desemprego faz subir em 0,8% a taxa de suicídios e 0,8% a de homicídios. O desemprego leva ao suicídio e a matar outras pessoas". Mas, também é verdade, continuou, que as mortes por acidentes de viação descem 1,4%," circula-se menos porque há menos dinheiro para a gasolina", ironizou. "Se fizermos as contas e quisermos ser cínicos podemos chegar à conclusão que a coisa fica quase ela por ela", concluiu Marmot.
Fumar mata
E se estivermos a falar já da vida activa? E aqui Marmot mostrou um gráfico com uma escala que relaciona o grau de saúde mental com o tipo de vínculo laboral que se tem - dos que trabalhavam sem contrato, aos que têm trabalho temporário, aos que têm contrato e termo e os que estão integrados nos quadros. O estado de saúde mental é muito pior entre os que têm formas de trabalho mais precárias e alcança os melhores níveis entre os trabalhadores com estabilidade laboral. A leitura óbvia será a de que a precariedade laboral é causa de piores níveis de saúde mental, verdade?. "Sabem como é que um grupo de economistas a quem mostrei este gráfico o leram? Disseram que era prova que as pessoas com pior saúde mental estavam a entrar para trabalhos mais precários". E neste momento, como em tantos outros, arrancou gargalhadas à plateia.
Ao Portugal em crise, Marmot veio relembrar que "está provado que o aumento em 1% da taxa de desemprego faz subir em 0,8% a taxa de suicídios e 0,8% a de homicídios. O desemprego leva ao suicídio e a matar outras pessoas". Mas, também é verdade, continuou, que as mortes por acidentes de viação descem 1,4%," circula-se menos porque há menos dinheiro para a gasolina", ironizou. "Se fizermos as contas e quisermos ser cínicos podemos chegar à conclusão que a coisa fica quase ela por ela", concluiu Marmot.
Fumar mata
O professor não se limita a trazer números.
O seu tom vai além do académico, assume na sua conferência o papel de porta-voz
da uma mensagem que quer fazer passar: "Ouve-se os ministros das finanças
dizerem que este é o preço para manter a inflação baixa". "E se a
frase fosse antes "o preço de manter a inflação baixa é matar
pessoas"- "isto devia ser o mais importante do debate, não é só olhar
para alguns números". Para Michael Marmot "devíamos avaliar todas as
políticas pelo impacto que estas terão na saúde" porque, ao fim ao
cabo,"o que é que pode ser mais importante do que a vida que se pode
ter?".E na saúde tudo tem a ver com expectativas, disse ao PÚBLICO.
Tomemos como exemplo os fumadores. As maiores taxas de fumadores encontram-se
entre os mais pobres e esta é uma causa objectiva que está na origem de maior
doença, o cancro do pulmão, por exemplo. "Temos que lidar não apenas com
as causas da doença, mas com as causas das causas". Por que é que quanto
menos educação mais se tende a fumar"? As razões dá-as em forma de um
estudo que pensa ser exemplar. "Houve um estudo britânico que foi estudar
mães solteiras, viviam em situações de pobreza e quase todas fumavam". A
conclusão subjacente ao estudo era a de que "fumar era a única coisa que
faziam para si mesmas. Os miúdos gritavam, faziam barulho, o que é que elas
faziam? Acendiam um cigarro, era uma estratégia de lidar com a situação".
Pobres e ricos em Glasgow
Marmot fala de outro estudo que diz que na saúde tudo tem a ver com a forma como se olha para o futuro. "Quem valoriza está disposto a fazer sacrifícios para ganhos futuros. Se não se acha que se tem futuro há menos incentivo a fazer sacrifícios hoje para um futuro que não se sabe se tem". Querem outro exemplo? Michael Marmot providencia. Na parte mais pobre da cidade escocesa de Glasgow há uma diferença de esperança de vida de 28 anos entre os homens, comparando os habitantes das partes mais ricas em relação às mais pobres, "a esperança média de vida entre os homens mais pobres é de 54 anos, é menos oito anos do que a média indiana para homens, que é 62".
"Num encontro onde apresentei estes dados veio uma pessoa ter comigo e disse que vivia na parte mais rica de Glasgow mas que tinha um amigo que vivia na parte pobre que lhe tinha dito que não fez absolutamente nada para vir a ter reforma". Porquê? "Porque achava que não ia chegar lá. Porque as pessoas perceberam que vão ter vidas duras por que é que hão-de se chatear com a ideia de deixar de fumar? As expectativas que temos na vida têm impacto na saúde".
Agora que já sabemos tudo isto, que pesam na balança da saúde e da morte as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, que temos provas científicas que dão conta destas diferenças por que falta "vontade política"? Em 2008, no relatório encomendado pelo Governo Trabalhista que ficou conhecido como Marmot Review, deixou as áreas principais que podem e devem ser objecto de acção política tendentes a esbater estas diferenças: o desenvolvimento infantil; a educação e formação ao longo da vida; as condições de emprego; o rendimento; a existência de locais saudáveis e sustentáveis na comunidade; e factores como o tabagismo, o consumo de álcool, a obesidade ou o exercício físico. Em Lisboa, Marmot foi ouvido por um auditório cheio de pessoas ligadas à saúde que o aplaudiram de pé. E a sua mensagem foi: "O que é que pode ser mais importante do que a saúde das pessoas?"
Pobres e ricos em Glasgow
Marmot fala de outro estudo que diz que na saúde tudo tem a ver com a forma como se olha para o futuro. "Quem valoriza está disposto a fazer sacrifícios para ganhos futuros. Se não se acha que se tem futuro há menos incentivo a fazer sacrifícios hoje para um futuro que não se sabe se tem". Querem outro exemplo? Michael Marmot providencia. Na parte mais pobre da cidade escocesa de Glasgow há uma diferença de esperança de vida de 28 anos entre os homens, comparando os habitantes das partes mais ricas em relação às mais pobres, "a esperança média de vida entre os homens mais pobres é de 54 anos, é menos oito anos do que a média indiana para homens, que é 62".
"Num encontro onde apresentei estes dados veio uma pessoa ter comigo e disse que vivia na parte mais rica de Glasgow mas que tinha um amigo que vivia na parte pobre que lhe tinha dito que não fez absolutamente nada para vir a ter reforma". Porquê? "Porque achava que não ia chegar lá. Porque as pessoas perceberam que vão ter vidas duras por que é que hão-de se chatear com a ideia de deixar de fumar? As expectativas que temos na vida têm impacto na saúde".
Agora que já sabemos tudo isto, que pesam na balança da saúde e da morte as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, que temos provas científicas que dão conta destas diferenças por que falta "vontade política"? Em 2008, no relatório encomendado pelo Governo Trabalhista que ficou conhecido como Marmot Review, deixou as áreas principais que podem e devem ser objecto de acção política tendentes a esbater estas diferenças: o desenvolvimento infantil; a educação e formação ao longo da vida; as condições de emprego; o rendimento; a existência de locais saudáveis e sustentáveis na comunidade; e factores como o tabagismo, o consumo de álcool, a obesidade ou o exercício físico. Em Lisboa, Marmot foi ouvido por um auditório cheio de pessoas ligadas à saúde que o aplaudiram de pé. E a sua mensagem foi: "O que é que pode ser mais importante do que a saúde das pessoas?"
Comentário meu e sem ligação a este como será óbvio...
Depois deste artigo vou tentar publicar um acerca da eutanásia social.
segunda-feira, março 05, 2012
A austeridade sob ataque
"A Europa parece obcecada com a austeridade. País após país, todos estão a ser obrigados, tanto pelos mercados financeiros como pela União Europeia, a cortar o défice do sector público. E, como se isso não fosse suficiente, 25 dos 27 estados-membros acordaram um novo tratado (designado de "pacto orçamental") que os vai forçar a nunca registar um défice orçamental ciclicamente ajustado superior a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) - Por comparação, em 2011, o défice orçamental dos Estados Unidos foi perto de 8% do PIB.
Contudo, com a economia europeia em risco de cair em recessão, muitos observadores têm-se questionado se a “austeridade” não poderá antes ser auto-destrutiva. Será que a redução nas despesas públicas (ou o aumento nos impostos) pode levar a uma queda tão abrupta na actividade económica que as receitas vão ceder e que a posição orçamental se vai deteriorar ainda mais?
Isto é bastante improvável, dado o modo de funcionamento das nossas economias. Além do mais, se tal fosse verdade, os cortes de impostos iriam reduzir os défices orçamentais, já que um crescimento económico mais rápido iria criar mais receitas, ainda que com taxas de impostos mais baixas. Esta proporção tem sido testada, por várias vezes, nos EUA, onde os cortes nos impostos são, invariavelmente, seguidos de défices mais elevados.
Na Europa, a preocupação nos dias de hoje está, contudo, no rácio dívida/PIB. O receio aqui é que a queda do PIB, em resultado da “austeridade”, possa ser tão elevado que conduza a um aumento do rácio da dívida. Este é um assunto importante porque os investidores utilizam, frequentemente, este rácio como um indicador da sustentabilidade financeira. Por isso, um défice mais baixo pode, de facto, elevar as tensões nos mercados financeiros.
No entanto, um défice mais baixo tem de conduzir, ao longo do tempo, a um rácio de dívida inferior, mesmo que o rácio se deteriore no curto prazo. No final de contas, a maior parte dos modelos utilizados para avaliar o impacto económico da política orçamental implica que, por exemplo, o corte nas despesas reduza a procura no curto prazo, mas que a economia recupere para o seu nível anterior, passado um determinado período de tempo. Assim, a política orçamental não tem um impacto permanente (ou, se tem, é um impacto muito reduzido) na produção, no longo prazo. Isto indica que, qualquer que seja o impacto negativo da redução da procura sobre o rácio de dívida no curto prazo, esse impacto será compensado mais tarde (no médio a longo prazo) por uma recuperação na procura, que vai colocar a economia no nível de produção anterior.
Além disso, mesmo admitindo que o impacto de um corte permanente na despesa pública sobre a procura e o resultado produtivo também é permanente, a redução do PIB continua a ser um fenómeno único. Pelo contrário, um défice mais baixo continua a ter um impacto positivo no nível de dívida, ano após ano.
É de salientar que se alcançou esta conclusão sem recorrer àquilo que Paul Krugman e outros ridicularizaram como "fada da confiança". Nos EUA, pode ser despropositado esperar que um défice mais baixo se traduza num prémio de risco também ele mais baixo – pela simples razão de que o governo norte-americano já paga taxas de juro ultra-baixas.
Contudo, mesmo sem quaisquer efeitos na confiança, o gabinete bipartidário responsável por disponibilizar dados económicos ao Congresso concluiu que, ao mesmo tempo que reduz a procura, o corte no défice norte-americano também conduz, seguramente, a um rácio de dívida mais baixo. Isto deve ser ainda mais verdadeiro para os países da Zona Euro, como Itália e Espanha, que pagam agora prémios de risco excessivos em 3% ou 4%. Para estes países, a fada da confiança tornou-se num monstro.
Daí surge a pergunta decisiva: O que é que é mais importante – o impacto do corte do défice no rácio dívida/PIB no curto ou no longo prazo?
Os possíveis compradores de obrigações a dez anos italianas devem olhar para o impacto da redução do défice no nível de dívida no longo prazo, que será, sem dúvida, positivo. É óbvio que alguns intervenientes no mercado podem não ser racionais, exigindo um prémio de risco mais elevado, depois de uma deterioração do rácio de dívida no curto prazo. Mas aqueles que se estão a centrar apenas no curto prazo arriscam-se a perder dinheiro, porque o prémio de risco vai começar a deslizar quando o rácio de dívida der a viragem.
Abandonar a austeridade com receios de que os mercados financeiros possam ter uma visão a curto prazo vai apenas adiar a hora da verdade, porque os rácios de dívida vão aumentar no longo prazo. Além do mais, é altamente improvável que, por exemplo, a Itália venha a pagar um prémio de risco mais baixo se apresentar défices cada vez maiores.
Abandonar a austeridade neste momento seria perigoso para os países da Zona Euro consideravelmente endividados. Qualquer país que entra num período de intensificada aversão ao risco com uma elevada dívida fica apenas com más alternativas. A implementação de planos de austeridade credíveis constitui o mal menor, mesmo que agrave a recessão cíclica no curto prazo."
Daniel Gros
Contudo, com a economia europeia em risco de cair em recessão, muitos observadores têm-se questionado se a “austeridade” não poderá antes ser auto-destrutiva. Será que a redução nas despesas públicas (ou o aumento nos impostos) pode levar a uma queda tão abrupta na actividade económica que as receitas vão ceder e que a posição orçamental se vai deteriorar ainda mais?
Isto é bastante improvável, dado o modo de funcionamento das nossas economias. Além do mais, se tal fosse verdade, os cortes de impostos iriam reduzir os défices orçamentais, já que um crescimento económico mais rápido iria criar mais receitas, ainda que com taxas de impostos mais baixas. Esta proporção tem sido testada, por várias vezes, nos EUA, onde os cortes nos impostos são, invariavelmente, seguidos de défices mais elevados.
Na Europa, a preocupação nos dias de hoje está, contudo, no rácio dívida/PIB. O receio aqui é que a queda do PIB, em resultado da “austeridade”, possa ser tão elevado que conduza a um aumento do rácio da dívida. Este é um assunto importante porque os investidores utilizam, frequentemente, este rácio como um indicador da sustentabilidade financeira. Por isso, um défice mais baixo pode, de facto, elevar as tensões nos mercados financeiros.
No entanto, um défice mais baixo tem de conduzir, ao longo do tempo, a um rácio de dívida inferior, mesmo que o rácio se deteriore no curto prazo. No final de contas, a maior parte dos modelos utilizados para avaliar o impacto económico da política orçamental implica que, por exemplo, o corte nas despesas reduza a procura no curto prazo, mas que a economia recupere para o seu nível anterior, passado um determinado período de tempo. Assim, a política orçamental não tem um impacto permanente (ou, se tem, é um impacto muito reduzido) na produção, no longo prazo. Isto indica que, qualquer que seja o impacto negativo da redução da procura sobre o rácio de dívida no curto prazo, esse impacto será compensado mais tarde (no médio a longo prazo) por uma recuperação na procura, que vai colocar a economia no nível de produção anterior.
Além disso, mesmo admitindo que o impacto de um corte permanente na despesa pública sobre a procura e o resultado produtivo também é permanente, a redução do PIB continua a ser um fenómeno único. Pelo contrário, um défice mais baixo continua a ter um impacto positivo no nível de dívida, ano após ano.
É de salientar que se alcançou esta conclusão sem recorrer àquilo que Paul Krugman e outros ridicularizaram como "fada da confiança". Nos EUA, pode ser despropositado esperar que um défice mais baixo se traduza num prémio de risco também ele mais baixo – pela simples razão de que o governo norte-americano já paga taxas de juro ultra-baixas.
Contudo, mesmo sem quaisquer efeitos na confiança, o gabinete bipartidário responsável por disponibilizar dados económicos ao Congresso concluiu que, ao mesmo tempo que reduz a procura, o corte no défice norte-americano também conduz, seguramente, a um rácio de dívida mais baixo. Isto deve ser ainda mais verdadeiro para os países da Zona Euro, como Itália e Espanha, que pagam agora prémios de risco excessivos em 3% ou 4%. Para estes países, a fada da confiança tornou-se num monstro.
Daí surge a pergunta decisiva: O que é que é mais importante – o impacto do corte do défice no rácio dívida/PIB no curto ou no longo prazo?
Os possíveis compradores de obrigações a dez anos italianas devem olhar para o impacto da redução do défice no nível de dívida no longo prazo, que será, sem dúvida, positivo. É óbvio que alguns intervenientes no mercado podem não ser racionais, exigindo um prémio de risco mais elevado, depois de uma deterioração do rácio de dívida no curto prazo. Mas aqueles que se estão a centrar apenas no curto prazo arriscam-se a perder dinheiro, porque o prémio de risco vai começar a deslizar quando o rácio de dívida der a viragem.
Abandonar a austeridade com receios de que os mercados financeiros possam ter uma visão a curto prazo vai apenas adiar a hora da verdade, porque os rácios de dívida vão aumentar no longo prazo. Além do mais, é altamente improvável que, por exemplo, a Itália venha a pagar um prémio de risco mais baixo se apresentar défices cada vez maiores.
Abandonar a austeridade neste momento seria perigoso para os países da Zona Euro consideravelmente endividados. Qualquer país que entra num período de intensificada aversão ao risco com uma elevada dívida fica apenas com más alternativas. A implementação de planos de austeridade credíveis constitui o mal menor, mesmo que agrave a recessão cíclica no curto prazo."
Daniel Gros
Álvaro, o homem-bala
"O destino de Álvaro Santos Pereira está traçado. São dois traços cruzados, e não é de hoje: foi há cinco meses que o João Cândido da Silva aqui escreveu o editorial "Tiro ao Álvaro". Os erros políticos acumulam-se na fritadeira mediática, mas Santos Pereira será defenestrado não por ser mau ministro – mas por ser um ministro mau. Tem os lóbis todos à porta do seu amotinado palácio. E não tem experiência nem força nem habilidade para esquivar-se.
Álvaro Santos Pereira é como Assunção Cristas: a imagem que tem de si mesmo é muito melhor do que a que os outros têm dele. É um nabo politicamente, diz puerilidades, perde as estribeiras por pouco – mas é um homem sem obediência a ninguém. De nada lhe serve. Transformou-se no boneco da feira, a quem todos atiram bolas de sumaúma só pelo gozo. É um peixinho dourado, um pouco amuado com o trato, mas não percebe que o seu defeito decisivo é outro: é o vazio em vez da vazão, é não despachar os milhões de assuntos que lhe poisam na mesa.
A "troika" anda feliz com o cumprimento por Portugal do seu plano. Bate palmas, promove, sublinha com fosforescências. Mas avisa: e os grupos de interesse, não se lhes toca? E aí, como ontem aqui escrevia o Rui Peres Jorge, a história dos contratos não pega: quantos direitos adquiridos já foram rasgados com a Função Pública e com os pensionistas?
Os lóbis são as forças mais poderosas de Portugal. Porque caminham em serpentinas, porque financiam partidos, dão comissões e empregos a muita gente. Álvaro sabe, Álvaro escreveu sobre isso – Álvaro não está a fazer-lhes frente.
Vamos à lista das impossibilidades: 1. cortes de custos das empresas públicas, incluindo milhares de despedimentos e redução de serviço, como encerramento de linhas de transporte, coisa em que há trinta anos ninguém toca; 2. suspensão de Obras Públicas, renegociação de SCUT e de PPP; 3. subsidiação à energia; 4. gestão das verbas do QREN, o "único" dinheiro que está a entrar na economia e que pode salvar ou não milhares de empresas – e de associações falidas que se abeiram dos microfones também como receptadoras de fundos à formação profissional; 5. privatizações, agora da TAP (que não trará dinheiro, é apenas libertação de um passivo) e da ANA; 6. aumento das tarifas de transporte.
Agora refaça a lista pensando nos lóbis prejudicados, entre os quais 1. todas as empresas públicas, altamente partidarizadas, algumas das quais foram berço de pequena corrupção nas compras, como se viu no "Face Oculta"; os partidos políticos que as dominam, e os tachos que por lá disseminam; os sindicatos destas empresas; os privados interessados na sua privatização e, portanto, na sua aparente degradação; 2. todas as construtoras, concessionárias, advogados contratados e bancos que têm os contratos nas mãos, mais os partidos financiados por todos eles; 3. todas as empresas que recebem subsídios de energia e não só a EDP (nos CMEC), a Galp, a Portucel, a Iberdrola, a Endesa, as cerâmicas, os têxteis (na cogeração), as empresas do solar, milhares de empresas como as bem conhecidas deste Governo Fomentivest (de que Passos Coelho foi gestor) e Finertec (de que Miguel Relvas foi administrador); 4. associações empresariais e as pouco potentes PME; 5. advogados, financeiros, bancos, interessados nas privatizações. Sim, falta um: o ponto 6., aumento dos transportes públicos, que enfrenta os menores lóbis. Talvez por isso seja a única das seis que está a avançar. De resto, está tudo por concluir: a fusão de administradores, de empresas, extinções, saídas de pessoal, cortes mais fundos da despesa. O programa para os transportes, o PET, arrisca-se a ser uma peta que nos contaram. Os dossiers das empresas exportadoras, os bloqueios nos Estaleiros de Viana, o complicado dossiê da energia – está tudo pode resolver. E o AICEP já fugiu da alçada.
O Ministério já perdeu muitas pastas. É um balão que se esvazia. Se Álvaro Santos Pereira quer ter força, tem de usá-la, limpar as pendências dos aflitos e enfrentar os poderosos. Só a execução e coragem o protegerão, não a ampulheta de Passos Coelho por onde a areia vai declinando.
Não é à toa que toda esta contestação surge exactamente agora, em que muitos destes dossiês estão a ser fechados e os lóbis questionados. Um ministro frágil não dá meio passo. E portanto Santos Pereira merece resguardo de quem o quer fora dali por interesse. Mas tem de agir, não lhe basta sentir-se injustiçado. Se passa de governante da Rua Gomes Teixeira para governanta do Palácio da Horta-Seca, será trucidado pelos molares dos próprios partidos da coligação e, em vez de peixinho dourado, será um comestível "peixinho da Horta". Nesse caso, ninguém terá pena dele, nem a merecerá. Como escreveu outro Álvaro, o heterónimo, sobre si mesmo, "Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!". "
Pedro Santos Guerreiro
Álvaro Santos Pereira é como Assunção Cristas: a imagem que tem de si mesmo é muito melhor do que a que os outros têm dele. É um nabo politicamente, diz puerilidades, perde as estribeiras por pouco – mas é um homem sem obediência a ninguém. De nada lhe serve. Transformou-se no boneco da feira, a quem todos atiram bolas de sumaúma só pelo gozo. É um peixinho dourado, um pouco amuado com o trato, mas não percebe que o seu defeito decisivo é outro: é o vazio em vez da vazão, é não despachar os milhões de assuntos que lhe poisam na mesa.
A "troika" anda feliz com o cumprimento por Portugal do seu plano. Bate palmas, promove, sublinha com fosforescências. Mas avisa: e os grupos de interesse, não se lhes toca? E aí, como ontem aqui escrevia o Rui Peres Jorge, a história dos contratos não pega: quantos direitos adquiridos já foram rasgados com a Função Pública e com os pensionistas?
Os lóbis são as forças mais poderosas de Portugal. Porque caminham em serpentinas, porque financiam partidos, dão comissões e empregos a muita gente. Álvaro sabe, Álvaro escreveu sobre isso – Álvaro não está a fazer-lhes frente.
Vamos à lista das impossibilidades: 1. cortes de custos das empresas públicas, incluindo milhares de despedimentos e redução de serviço, como encerramento de linhas de transporte, coisa em que há trinta anos ninguém toca; 2. suspensão de Obras Públicas, renegociação de SCUT e de PPP; 3. subsidiação à energia; 4. gestão das verbas do QREN, o "único" dinheiro que está a entrar na economia e que pode salvar ou não milhares de empresas – e de associações falidas que se abeiram dos microfones também como receptadoras de fundos à formação profissional; 5. privatizações, agora da TAP (que não trará dinheiro, é apenas libertação de um passivo) e da ANA; 6. aumento das tarifas de transporte.
Agora refaça a lista pensando nos lóbis prejudicados, entre os quais 1. todas as empresas públicas, altamente partidarizadas, algumas das quais foram berço de pequena corrupção nas compras, como se viu no "Face Oculta"; os partidos políticos que as dominam, e os tachos que por lá disseminam; os sindicatos destas empresas; os privados interessados na sua privatização e, portanto, na sua aparente degradação; 2. todas as construtoras, concessionárias, advogados contratados e bancos que têm os contratos nas mãos, mais os partidos financiados por todos eles; 3. todas as empresas que recebem subsídios de energia e não só a EDP (nos CMEC), a Galp, a Portucel, a Iberdrola, a Endesa, as cerâmicas, os têxteis (na cogeração), as empresas do solar, milhares de empresas como as bem conhecidas deste Governo Fomentivest (de que Passos Coelho foi gestor) e Finertec (de que Miguel Relvas foi administrador); 4. associações empresariais e as pouco potentes PME; 5. advogados, financeiros, bancos, interessados nas privatizações. Sim, falta um: o ponto 6., aumento dos transportes públicos, que enfrenta os menores lóbis. Talvez por isso seja a única das seis que está a avançar. De resto, está tudo por concluir: a fusão de administradores, de empresas, extinções, saídas de pessoal, cortes mais fundos da despesa. O programa para os transportes, o PET, arrisca-se a ser uma peta que nos contaram. Os dossiers das empresas exportadoras, os bloqueios nos Estaleiros de Viana, o complicado dossiê da energia – está tudo pode resolver. E o AICEP já fugiu da alçada.
O Ministério já perdeu muitas pastas. É um balão que se esvazia. Se Álvaro Santos Pereira quer ter força, tem de usá-la, limpar as pendências dos aflitos e enfrentar os poderosos. Só a execução e coragem o protegerão, não a ampulheta de Passos Coelho por onde a areia vai declinando.
Não é à toa que toda esta contestação surge exactamente agora, em que muitos destes dossiês estão a ser fechados e os lóbis questionados. Um ministro frágil não dá meio passo. E portanto Santos Pereira merece resguardo de quem o quer fora dali por interesse. Mas tem de agir, não lhe basta sentir-se injustiçado. Se passa de governante da Rua Gomes Teixeira para governanta do Palácio da Horta-Seca, será trucidado pelos molares dos próprios partidos da coligação e, em vez de peixinho dourado, será um comestível "peixinho da Horta". Nesse caso, ninguém terá pena dele, nem a merecerá. Como escreveu outro Álvaro, o heterónimo, sobre si mesmo, "Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!". "
Pedro Santos Guerreiro