quarta-feira, outubro 31, 2012

A refundação

"Na última semana, o primeiro-ministro lançou o mote: é necessário repensar as funções sociais do Estado. Mais: como a refundação do Estado Social não está no memorando de entendimento, é necessária a anuência do principal partido da oposição.

O anúncio de Passos Coelho surge no seguimento de declarações recentes do ministro das Finanças, segundo as quais "existe aparentemente um enorme desvio entre aquilo que os portugueses acham que devem ter como funções sociais do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar para assegurar essas mesmas funções". Feita a introdução ao tema, passemos então aos números.

De acordo com a base de dados do Banco de Portugal (últimos dados disponíveis), a despesa pública com prestações sociais em Portugal cresceu de 12% do PIB em Março de 2000 para 21% do PIB em Março de 2012. Na zona euro, o crescimento foi mais moderado: de 21% do PIB na viragem do milénio para 23% do PIB em 2012. Os números revelam que se há doze anos Portugal estava manifestamente abaixo da zona euro nesta matéria, hoje está quase ao mesmo nível. No total, no período considerado, as prestações sociais representaram em média 39% da despesa total contra 46% na média da zona euro. Há, contudo, um elemento diferenciador: no mesmo período de tempo, a economia portuguesa cresceu ao ritmo anual de 0,7% contra os 1,4% ao ano na zona euro. Ou seja, tendo as nossas prestações sociais quase duplicado, aproximando-se (mas ainda aquém) dos níveis evidenciados pelos nossos parceiros europeus, o crescimento económico ficou-se apenas pela metade. E esta é uma diferença que faz toda a diferença.

Analisada a despesa, olhemos agora para a receita. Desde 2000, as receitas do Estado português foram em média de 40% do PIB contra 45% do PIB na zona euro. Os impostos directos representaram 9% do PIB, isto é, abaixo dos 12% do PIB registados na zona euro. Pelo contrário, os impostos indirectos representaram 14% do PIB, isto é, acima dos 13% do PIB na zona euro. Ora, se estivemos abaixo da média num caso, mas acima da média no outro caso - e sobretudo agora que nos impostos directos iremos convergir para o nível médio europeu - onde está então a grande diferença face à Europa mais rica? Está essencialmente nas contribuições sociais, que nestes doze anos foram de 12% do PIB em Portugal contra 16% do PIB na zona euro. Em suma, o senhor ministro das Finanças tem razão no seu diagnóstico, pois de facto há mesmo uma divergência entre aquilo que os portugueses pagam em impostos, nomeadamente em contribuições sociais, e o nível de serviço que pretendem do Estado.

O debate iniciado é relevante. É meritório e terá de ser feito. Dito isto, o debate não é ainda oportuno. Por uma simples razão: é que, não tendo ainda corrigido estruturalmente as áreas onde a despesa tem sido excessiva e superior à europeia, o Governo fará mal em reduzir numa área onde não estamos acima da média e que, apesar de tudo, vai sendo necessária para atenuar as consequências da crise. Por outras palavras, o Governo que reduza primeiro a despesa com pessoal, que procure renegociar a dívida pública, e que racionalize o seu sector empresarial - três áreas de verdadeiro despesismo. E depois, sim, que inicie o debate sobre o Estado Social. Mas uma coisa de cada vez, e tudo a seu tempo."

Ricardo Arroja

terça-feira, outubro 30, 2012

Undercover Of The Night

Alemães e o Euro

1/ "Os contribuintes alemães «vão ter lucros» com o programa de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE) desde que os países do Sul continuem a fazer reformas estruturais (mais aqui)"
      2/ "Suíça nega que tenha ajudado Alemanha e França a financiarem-se a preços de saldo (mais aqui)
3/ "A maioria dos alemães acredita que a Alemanha teria vantagem em estar fora do euro (mais aqui)"
E nós a pensar que os alemães eram inteligentes…


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Se estão vivos...

"Fernando Ulrich: Os gregos estão vivos, protestam com um bocadinho de mais veemência do que nós, partem umas montras, mas eles estão lá, estão vivos (mais aqui)"

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Não há crise...

Não há crise...


O ano de 2013 será dramático. Mas irão derreter-se milhões nas campanhas eleitorais autárquicas

O ano de 2013 vai ser dramático no plano económico, haverá maior desemprego, fome e miséria. Mas, mesmo assim, irão derreter-se milhões nas campanhas eleitorais autárquicas.
Nestas despesas não se poupa. O sistema de financiamento partidário tem muitos actores, vida própria e sustenta interesses poderosos.
 
Os maiores beneficiados nem sequer são os candidatos. São, em primeiro lugar, os angariadores de fundos. Estes irão junto dos construtores, promotores imobiliários e, duma forma geral, dos maiores empresários de cada concelho; recolhem uns milhares e entregam uma parte aos partidos. Retêm cerca de quarenta por cento, o que é uma margem aliciante. O protótipo deste personagem é conhecido, tipo viscoso mas bem vestido que prolifera na política. Transporta milhares de euros em maços de notas, dentro de caras pastas de couro.
 
Os políticos, em geral, também não se queixam do sistema. Afinal, receber milhões em "cash" dá muito jeito. Não faltará dinheiro para as campanhas, poder--se-á pagar jantares a milhares de idosos devidamente angariados nos lares; as juventudes partidárias disporão de camionetas para transportar os rebanhos de apoiantes, não haverá restrições nas campanhas para presidentes de câmara.
 
As direcções nacionais dos partidos nada farão nem impedirão estas negociatas. Também elas se servem dos mesmos mecanismos. Quem transforma as suas sedes nacionais em autênticos "offshores", quem armazena milhões de euros em notas – não tem autoridade para moralizar as suas secções regionais e locais. Nem mesmo os financiadores querem mudar o sistema. São eles, aliás, os seus maiores beneficiários. Os que pagam são os que mais ganham, recebendo em favores do estado. Obras públicas serão pagas pelo dobro do seu valor, a gestão de água e saneamento será concessionada por rendas milionárias, projectos imobiliários irão ser ilegalmente aprovados, terrenos rurais serão reclassificados como urbanizáveis e gerarão margens de mil por cento. Os financiadores beneficiam dum retorno garantido e colossal. Reféns destes mecanismos perversos de financiamento partidário, os autarcas estão a soldo de quem lhes paga as campanhas. E o poder local, uma vez corrompido, já deixou de ser democrático.
Por:Paulo Morais, Professor Universitário

segunda-feira, outubro 29, 2012

Black Sunshine

Os Portugueses vivem acima das suas possibilidades...

1/ "Alunos carenciados em Castelo Branco já levam sobras da cantina para casa (mais aqui).

2/ "António Borges: "Diminuir salários não é uma política, é uma urgência (mais aqui)"

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Onde está a pessoa certa?

"Os sacrifícios extraordinários que exigiram aos portugueses afinal, vão ser super-hiper-mega extraordinários, porque se irão prolongar no tempo.

1. A sobretaxa extraordinária de 4% que se vai aplicar no IRS de 2013, afinal, não é extraordinária, porque irá permanecer em 2014. O imposto extraordinário que os portugueses pagaram o ano passado foi, entretanto, substituído por outras medidas extraordinárias de captação da receita. Os sacrifícios extraordinários que exigiram aos portugueses afinal, vão ser super-hiper-mega extraordinários, porque se irão prolongar no tempo. O que é suposto alegrar todos os cidadãos porque, como maviosamente proclamou Vítor Gaspar, "os portugueses são o melhor povo do mundo". E por serem os melhores do mundo têm direito a coisas extraordinárias. Faz sentido.

Já o FMI, olhando para Portugal, teme uma "recessão prolongada", pede medidas para o crescimento e para o emprego e vê "sinais abundantes de fadiga", sendo fadiga um redondo vocábulo que indicia riscos de implosão social.

2. Chegados aqui, há quem proclame que não há outro caminho e, ao mesmo tempo, exija alternativas a quem critica, numa clara distorção de competências. Quem foi eleito, para governar ou fazer oposição, tem esse mandato. Quem está de fora, a observar, pode pura e simplesmente criticar porque isso é legítimo em democracia e faz parte integrante dos direitos de cidadania. Ainda assim, parece consensual concluir que só um Governo formado pelos partidos do chamado arco do poder, PSD, PS e CDS, pode fazer as tais reformas estruturais, sem as quais o País não tem futuro. Ora, este quadro parece impossível de concretizar, porque o PS quer que o PSD se estampe sozinho, da mesma forma que os sociais-democratas desejavam o mesmo quando os socialistas estavam no Governo. Dito de outra forma – qualquer deles coloca os interesses partidários à frente dos nacionais, mesmo que para isso tenham que sacrificar o País e quem vota neles.

3. Neste contexto, existe um "pormaior" que as máquinas partidárias estão a desvalorizar. O cansaço, a desesperança e a raiva dos portugueses podem ser os catalisadores para uma mudança radical no actual espectro político. Essa possibilidade foi referida por Miguel Real, numa entrevista a Filipe Pacheco publicada no WEEKend do Negócios de 4 de Outubro. "Estou convencido que vão aparecer alternativas" aos actuais partidos disse o ensaísta e escritor. "Não antevejo grande futuro para o PS e o PSD num horizonte de 10, 15, 20 anos. (...) Os dois partidos poderão passar a ser residuais", acrescentou. Duas semanas depois, a 19 de Outubro, também no WEEKend, Ângela Crespo, a psicóloga que saiu do anonimato com uma carta de protesto, na sequência do anúncio da TSU e que começava com um vernáculo "vão-se foder", afinava pelo mesmo tom. Questionada por Anabela Mota Ribeiro sobre o porquê dos portugueses escolherem as pessoas erradas, ela contrapôs: "não sei se alguma vez nos deram a possibilidade de escolher a pessoa certa". Será que os actuais partidos ainda vão a tempo de arrepiar caminho? "

Celso  Filipe

domingo, outubro 28, 2012

Até Quando?

Incompetências.

"Vítor Gaspar tem razão: não é possível querer um Estado ‘enorme’ sem um ‘enorme’ aumento de impostos.

Mas alguém devia lembrar o senhor professor de que ele agora é ministro. E que até faz parte de um governo que foi eleito precisamente para redimensionar esse Estado ‘enorme’, não para espremer o bolso do contribuinte. Onde está esse trabalho? Onde está a redefinição das funções do Estado? Onde está a tesourada valente na administração pública e nos milhares de entidades que parasitam o Orçamento? Onde está a reforma autárquica prometida, com a fusão ou eliminação de câmaras, freguesias e seus atrelados? Era possível continuar o dia todo com a mesma pergunta: onde está?

A resposta seria: não está. Entre mais ou menos impostos e mais ou menos Estado, o país acabou por ficar com mais de ambos. Isso não é culpa dos portugueses. É antes uma confissão de impotência que o professor Gaspar não teria gostado de ouvir do ministro com o mesmo nome. "

João Pereira Coutinho




Estado a mais, Estado a menos...

"Há dois dias o ministro Vítor Gaspar deixou uma espécie de bomba-relógio no Parlamento ao dizer: "Existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar". Ou seja, Gaspar traçou a sua linha Maginot: com o dinheiro que existe não pode haver nem mais Estado, nem este que existe. Faltou, é claro, acrescentar uma coisa: talvez seja possível, com a barbaridade de impostos que os portugueses já pagam e se preparam para pagar em 2013, melhor Estado. Gaspar tem razão numa coisa: estamos a chegar ao fim de um ciclo fomentado pelo crescimento económico pós-II Guerra Mundial e que solidificou o Estado social que o liberalismo cristão de Bismarck tinha posto em funcionamento no século XIX para obstar aos protestos da então pujante classe operária.

A crise que a falência do Lehman Brothers consolidou o fim dessa época em que o crescimento económico pagava todos os desejos. O fim do pleno emprego que a crise petrolífera de 1973 incentivou, demoliu o sonho social-democrata. Em Portugal o Estado social teve uma vida efémera. Até porque até à década de 1970 eram muitas vezes as grandes empresas, como a CUF, que forneciam sistemas sociais de segurança aos trabalhadores e Fundações, como a Gulbenkian, faziam as vezes de ministério da Cultura. O próprio Estado sempre foi entendido como a coutada de uma elite, distribuindo favores e criando fortunas por via das concessões e monopólios. O próprio sistema de impostos viveu sobretudo das alfândegas até muito tarde.

O Estado português não cresceu após o 25 de Abril: apenas engordou mais, criando mais clientelas partidárias que o tornaram monstruoso. É por isso que as palavras de Vítor Gaspar sabem a pouco: aquilo que era urgente, a reforma do Estado, utilizando os recursos nas áreas cruciais (educação, saúde, segurança e protecção social), não foi feito pelo Governo de Passos Coelho. E aí Gaspar não tem razão e actua dentro dos seus princípios ideológicos (contorna o direito dos cidadãos e afirma o mérito e a necessidade num conceito ultra-liberal): os portugueses pagam impostos a mais para aquilo que o Estado lhes retribui. Porque está gordo com uma clientela partidária que, numa década, colocou no perímetro público o dobro de funcionários. E porque é que o Governo não reforma o Estado: porque é este que, a partir das autarquias e dos "funcionários públicos" que trabalham para o partido, que se ganham eleições.

E isto tanto vale para o PSD como para os outros partidos. Já Eça de Queiroz o dizia no tempo da monarquia constitucional.

O que é dramático é que são os contribuintes portugueses que estão a pagar o clientelismo partidário no Estado e um Orçamento que tem quase sempre as mesmas pessoas à mesa. Vítor Gaspar sabe tanto como os portugueses sensatos: não há dinheiro para pagar tantas actividades do Estado, especialmente num país como este que não cria riqueza e onde a administração esbulha os rendimentos. Mas enquanto não se reformar o Estado e se afastar as famílias políticas de todos os tipos que absorvem grande parte do que os portugueses pagam em impostos, não haverá igualdade. Nem mesmo em termos liberais de escolha entre público e privado. Com estes impostos ninguém pode optar pelas reformas privadas ou pela saúde ou educação privada, porque o Estado já o esbulhou de tudo o que tem. E aí o liberalismo anti-estatista de Gaspar cai por terra. O mais dramático é que Governo e oposição não discutam seriamente a anemia do Estado social em Portugal, nem a partidocracia do Estado, nem o nosso futuro dentro ou fora da UE. E Gaspar deveria pensar um bocadinho: os portugueses pagam mais do que efectivamente vão começar a receber."

Fernando  Sobral

sábado, outubro 27, 2012

Rise of Evil

Já leram o memorando da troika?

"Sim, é a minha pergunta de hoje: já leram o memorando de entendimento com a troika, assinado por Portugal em Maio de 2011? Eu li, e em pé de página deixo o link para quem o quiser consultar, na sua tradução oficial. São 35 páginas, escritas num português desagradável e tecnocrático, que têm servido a este governo para justificar tudo. Ainda ontem, com descaramento, um dirigente do PSD dizia que "este não era o Orçamento do PSD, mas sim da troika"! Ai sim? Então eu proponho a todos um breve exercício de leitura. Tentem descobrir, lendo o memorando, onde é que lá estão escritas as 4 medidas fundamentais pelas quais este governo vai entrar para história de Portugal!

Sim, tentem descobrir onde é que lá está escrito que se deve lançar uma sobretaxa no subsídio de Natal de todos os portugueses (decidida e executada em 2011); cortar os subsídios aos funcionários públicos e pensionistas (decidido e executado em 2012); alterar as contribuições para a TSU (anunciada e depois retirada em Setembro); ou mexer nas taxas e nos escalões do IRS, incluindo nova sobretaxa (anunciados no Orçamento para 2013), e definidos pelo próprio ministro das Finanças como "um aumento enorme de impostos"? Sim, tentem descobrir onde estão escritas estas 4 nefastas medidas e verão que não estão lá, em lado nenhum. Ao contrário do que este Governo proclama, estas 4 medidas, as mais graves que o Governo tomou, não estão escritas no "memorando com a troika"! Portugal nunca se comprometeu com os seus credores a tomar estas 4 medidas!

Elas foram, única e exclusivamente, "iniciativas" do Governo de Passos Coelho, que julgava atingir com elas certos objectivos, esses sim acordados com a "troika". Porém, com as suas disparatadas soluções em 2011 e 2012, o Governo em vez de melhorar a situação piorou-a. Além de subir o IVA para vários sectores chave, ao lançar a sobretaxa e ao retirar os subsídios, o Governo expandiu a crise económica, e acabou com menos receita fiscal e um deficit maior do que tinha. Isto foi pura incompetência, e não o corolário de um "memorando de entendimento" onde não havia uma única linha que impusesse estes caminhos específicos! Mais grave ainda, o Governo de Passos e Gaspar, sem querer admitir a sua incúria, quer agora obrigar o país a engolir goela abaixo "um enorme aumento de impostos", dizendo que ele foi imposto pela "troika". Importa-se de repetir, senhor Gaspar?

 É capaz de me dizer onde é que está escrito no "memorando de entendimento" que em 2013 o IRS tem de subir 30 por cento, em média, para pagar a sua inépcia e a sua incompetência? Era bom que os portugueses aprendessem a não se deixar manipular desta forma primária. Foram as decisões erradas deste Governo que, por mais bem intencionadas que fossem, cavaram ainda mais o buraco onde já estávamos metidos. E estes senhores agora, para 2013, ainda querem cavar mais fundo o buraco, tentando de caminho deitar as culpas para a "troika"? Só me lembro da célebre frase de Luís Filipe Scolari: "e o burro sou eu?"

Para ler o memorando vá aqui"

Domingos Amaral

sexta-feira, outubro 26, 2012

"Angela Merkel" junto das crianças portuguesas

Não, mas ... Como não falhar em nada sem pagar tudo

"A dívida pública é uma das maiores mentiras da democracia portuguesa. Sob as folhas limpas do Estado medrou um submundo de desorçamentação. Nos últimos dez anos (2003-2012), acumulámos défices orçamentais de 71,5 mil milhões de euros, suportados com dívida. O Estado deve quase 200 mil milhões, para um PIB de 166 mil milhões. É possível pagar este valor?

Este artigo defende que a equação é impossível; que sem crescimento não é possível pagar a dívida nos actuais preço e prazo; que há formas de perdão que o não são; e que a solução é europeia. Não se falará aqui de outra conclusão: que mesmo um alívio da dívida não dispensa o Estado da transformação.

Pergunta 1: de quanto é a dívida pública? Depois de a troika obrigar a oficializar dívida escondida em empresas públicas, a previsão em Julho era de que a dívida atingiria o pico de 118% do PIB em 2013. Três meses depois, o pico passou para 124% em 2014. Acima dos 120% acima dos quais a dívida é insustentável. Mas será mesmo de 124%?

É fácil que venha a ser mais. Há riscos severos de que o PIB tenha uma contracção superior a 1% no próximo ano. Nos cenários pessimistas do próprio FMI, a dívida será de 132% do PIB em 2015. E há mais: há dívida ainda não reconhecida, em PPP, em empresas públicas e em contratos de "swaps" de taxas de juro arriscados.

Assumamos o melhor cenário: 124% do PIB em 2014. Baixar esta dívida é uma brutalidade, pelos juros (o "Ministério da Dívida", como lhe chama o Governo) e pela amortização do capital. O próprio FMI prevê, no melhor cenário, que só perto de 2025 a dívida desça dos 100% do PIB. Para se ter uma ideia: em 2015 está previsto baixar o stock de dívida em dez mil milhões. Somando os juros, nesse ano o Estado vai pagar quase 17 mil milhões aos credores. É todo o IRS e IRC que os portugueses vão pagar no próximo ano!

Pergunta 2: se não se paga, não se paga a quem? Um dos argumentos contra a reestruturação da dívida reside no facto de grande parte dela já não afectar "os mercados". A fuga de credores estrangeiros de Portugal acelerou-se desde que o "rating" passou a "lixo". Grande parte da dívida pública é detida pela troika (BCE, UE e FMI) e por bancos portugueses, por sua vez também financiados pelo BCE. Uma reestruturação afectaria sobretudo estas entidades.

Pergunta 3: como é que não se paga? Não se pode simplesmente não pagar, como irresponsavelmente defendem membros radicais de esquerda. Da última vez que Portugal entrou em incumprimento ("default"), em 1890, o regime cairia (1910), a pobreza alastrou, passariam mais de 30 anos até o país entrar em estabilidade política (1926), num processo que acabou em ditadura (1933). O "default" foi crucial nesse caos. Hoje o mundo é muito diferente, mas ficar sem financiamento seria também... um caos.

É por isso que Cadilhe fala em "negociação honrada", que passa por taxas de juro baixas e prazos longos - e mais tempo para reduzir o défice, mas com o país "nos mercados", amparado pelo BCE e UE. O alargamento do prazo em um ano pela troika também foi uma "negociação honrada" . E depois da Segunda Guerra, os acordos de Londres também beneficiaram a Alemanha.

Pergunta 4: qual é o processo? O Governo não pode falar nisto publicamente e não deve estar calado privadamente. O problema é na verdade europeu, pois a própria Espanha (e Itália) pode ter um problema semelhante. Reestruturar a dívida destes países gera prejuízos enormes nos bancos alemães, o que poderá obrigá-los a recorrer aos Estados, que assim aumentariam... as suas dívidas públicas. É por isso que países como a Alemanha estão contra: porque o processo culminaria na pura transferência de dívida pública de outros países para as suas.

A tragédia portuguesa foi o Estado ter-se endividado sem que o PIB crescesse. O dinheiro não foi investido, foi consumido. Temos há 16 meses uma intervenção da troika. Agora sim, precisamos de ajuda externa. "
Pedro Santos Guerreiro

quinta-feira, outubro 25, 2012

"Os portugueses vivem acima das suas possibilidades..."

Frankenstein e a Alemanha

"Em "Frankenweenie", o novo filme de Tim Burton, o jovem Victor consegue ressuscitar o seu cão Sparky, depois deste ter sido morto por um carro. O feito é possível num laboratório parecido com o que criou Frankenstein. As verdadeiras complicações começam quando os colegas de Victor seguem as suas pisadas e começam a fazer ressuscitar os seus animais de estimação. Os resultados são desastrosos. É esta política de Frankenstein que a UE tem para oferecer às suas estâncias do sul. O laboratório é a austeridade e os resultados são impiedosos. Os portugueses, sob os auspícios de Bruxelas, Berlim e de São Bento, estão a transformar-se em Sparkys andantes. As doses desse veneno a que se chama austeridade são maiores do que o veneno do défice e da dívida. Por isso a dose aplicada é má medicina, como prova a mais recente e brilhante ideia dos neurónios governamentais de cortar nos valores mínimos do subsídio de desemprego. O Governo está em pânico e começa a não acreditar que quem espera sempre alcança.

A digressão de Ângela Merkel à Grécia e, nos próximos dias a Portugal, diz muito sobre a resolução dos problemas. Será em Berlim que ele se resolverá, ou não, depois das eleições alemãs, como se vê com os solavancos sobre a união bancária. Se a UE ganhou o Prémio Nobel da Paz para promover a pobreza das nações europeias e a destruição das sociedades por meios políticos estamos conversados. É uma pena que nesta guerra de trincheiras Passos Coelho tenha apenas uma ideia sobre a Europa e a crise: aquela que se imagina que Merkel possa ter. Conseguirá Portugal evitar transformar-se num Sparky vestido de Frankenstein?"


Fernando  Sobral

quarta-feira, outubro 24, 2012

Carrinhos de choques

"Sócrates, o filósofo grego, não o aprendiz de estadista português, tinha uma notável capacidade de resistência à fadiga e à fome. Desdenhava das comodidades da vida moderna. Fizesse frio ou calor, saia de casa descalço e só coberto por uma velha manta, sem sandálias ou camisola.

Não lhe interessavam os bens materiais e, um dia, ao passar diante de uma loja em Atenas, ao olhar para a mercadoria, disse: "Quantas coisas necessitam os atenienses para se manterem vivos".

Pedro Passos Coelho acredita que os portugueses são ricos e, de fato para se aquecer, acredita que os portugueses com muito menos coisas poderão continuar a respirar. Carlos Zorrinho e Francisco Assis, o que demonstra a demência da oposição, criam teoria sobre a necessidade de carros de qualidade para que haja dignidade na função política.

Todos vivem numa realidade paralela, criando um fosso cada vez maior entre o mundo político e a sociedade. A classe política portuguesa pensa no acordo com a troika, no défice e nos interesses partidários. Esquece os portugueses. É a insensibilidade sobre a vida real dos portugueses que permite também que esta pretensa crise governamental vá minando o território entre os políticos e a classe média, a garante da democracia.

Os políticos portugueses estão a gerir os problemas como se estivesse a guiar carrinhos de choques. Sem se importarem com a dor. Que António Borges e Vítor Gaspar façam isso, choca, mas aceita-se: para eles as pessoas são números. Que os políticos façam isso é mais difícil de perceber. Estes ainda não são como Gremlins: não se reproduzem com a chuva. Vivem de eleições. "

Fernando  Sobral

Ainda há trabalho a fazer na banca

"O sonho de qualquer empresa é proteger-se da concorrência. Eliminar a concorrência é o grande objectivo, limitá-la é aquilo que em geral se consegue atingir, especialmente quando as regulamentações estão mal feitas e as regulações funcionam mal ou estão capturadas pelos regulados. Todo o consumidor tem de ter presente que é assim a lógica de uma empresa. E todos os poderes públicos têm de estar sempre em alerta máximo.

Vem isto a propósito das comissões cobradas pelos bancos para se transferir a custódia de títulos. Transferir de um banco para outro uma carteira com cinco acções e duas obrigações varia entre os 12 euros e os 223 euros. O Santander é a instituição que mais cobra, os bancos "on-line" são os mais baratos.

O problema é muito semelhante ao que se registava há algum tempo com a amortização do crédito à habitação. Para impedir os clientes de mudarem o seu crédito hipotecário para a concorrência, os bancos cobravam taxas exorbitantes na amortização dos empréstimos. Foi preciso a intervenção do Estado, limitando o valor dessas comissões, para melhorar o funcionamento da concorrência neste segmento de empréstimos para a compra de casa própria.

As tácticas de limitação da concorrência com barreiras à saída dos clientes são comuns. A regra é conquistar o cliente e, a seguir, encerrar a porta para que ele não saia. Acontece na banca como noutros sectores.

Há duas formas de contrariar esses comportamentos anticoncorrenciais que todas as empresas tendem a ter.

Uma das vias é a da regulamentação e regulação. É frequentemente o único caminho quando os factos já se consumaram e o consumidor e as autoridades foram apanhados sem se darem conta. Foi este o caso do crédito hipotecário. Quem pediu os empréstimos não se lembrou que, um dia mais tarde, poderia valer a pena mudar de banco. Mas quem fez o produto não descurou essa hipótese.

A outra via é a que exige aos consumidores toda a atenção quando escolhe um banco para ser o financiador da compra da sua casa como para ficar com a guarda dos seus investimentos financeiros. O consumidor tem de saber colocar todas as hipóteses e fazer todas as perguntas. Este caminho não é fácil quando a literacia financeira é baixa e o mundo financeiro é cada vez mais sofisticado. Mas deve e pode ser trilhado quando se tem presente que o objectivo de qualquer negócio é prender o cliente.

O caso das comissões cobradas para transferir as carteiras de títulos revela que ainda há matérias no sector financeiro que precisam de ser reguladas. E que quem é cliente tem de perguntar sempre: e se eu quiser sair deste banco, quanto vou pagar?"

Helena Garrido

terça-feira, outubro 23, 2012

Obviamente, contra

Obviamente, contra

A terem um pingo de vergonha, os deputados do PSD e do CDS terão de votar contra o Orçamento de Estado de 2013 (OE 2013). Esta é a única atitude aceitável, uma vez que se candidataram com um programa eleitoral exactamente oposto ao confisco fiscal que Vítor Gaspar pretende aplicar. O objectivo do ministro das Finanças é indisfarçável: tentar arrecadar o máximo de impostos aos cidadãos e às empresas, para, por um lado, tentar baixar o défice e, por outro, continuar a alimentar os privilégios dos poderosos que se lambuzam com os dinheiros do estado.
 
São estes os protegidos de Gaspar que, além de abocanharem os recursos públicos, são poupados a esta fúria fiscal. O património imobiliário dos especuladores está titulado em fundos isentos de IMI e IMT, as fundações fantasma dos milionários estão dispensadas de pagar o IMI, IRC, imposto automóvel e de circulação. E até os rendimentos de capital são tributados a níveis bem inferiores aos do trabalho.
Quanto ao resto, Gaspar tributa em tudo o que mexe. O trabalho é penalizado com o aumento de IRS, o que terá como consequência imediata o fim da classe média; Gaspar martiriza o consumo com taxas de IVA obscenas, acarretando falências em massa, em particular na área da restauração. O património habitacional é fustigado com o aumento do IMI, arruinando os orçamentos familiares dos que, de forma imprevisível, vêem os seus encargos aumentar, justamente quando os rendimentos diminuem.
 
Os deputados da maioria estão pois obrigados a combater este terrorismo fiscal. Os do PSD porque, em campanha eleitoral, recusaram liminarmente qualquer aumento de impostos. O caso dos parlamentares centristas é ainda mais grave, porquanto recentemente o líder do seu partido assumiu que a carga fiscal é insuportável e qualquer agravamento seria inadmissível. Se, violando o mandato que receberam do povo, os parlamentares centristas e social-democratas aprovarem o OE 2013, perceber--se-á que estes cavalheiros não dispõem de vontade própria. São assim marionetas das direcções partidárias a quem devem o mandato e, o que é mais grave, instrumentos dos intocáveis, esses malditos poderosos que se continuarão a alimentar dos despojos da nossa tortura fiscal.
 
Paulo Morais, Professor Universitário

segunda-feira, outubro 22, 2012

Ecstasy of Gold

A contribuição envergonhada

"Quase não há Orçamento do Estado que não tenha a sua bizarria. Já tivemos um limiano, um das fraldas, outro dos preservativos, outro das "piquenas e médias empresas" e outro ainda do leite achocolatado. A bizarria deste ano chama-se "contribuição".
"Contribuição" só, sem descritivo nem qualificativo. Nem especial, nem extraordinária, nem de solidariedade. "Contribuição" sem propósito nem fundamento, mas com uma consequência clara: castigar desempregados e doentes.
O relatório do Orçamento, que serve para os Governos explicarem as decisões que estão vertidas nos inacessíveis articulados e mapas, não traz uma linha sobre o assunto. Ficamos sem saber se ela surge porque se entende que desempregados e doentes devem dar mais um contributo para a crise. Se é uma contribuição tapa-buracos, uma forma de reduzir despesa a eito, porque "não há alternativa", "não há margem de manobra" ou porque a troika o impôs. Ou se é uma contribuição da preguiça, uma justa penalização para quem acha que os desempregados são uns mandriões, os doentes uns dissimulados e os pobres um bando bem organizado para tomar de assalto os cofres públicos.
O ministro Pedro Mota Soares também ainda não veio a público dar a cara por ela. Os jornais dos últimos dias dão eco a explicações oficiosas, segundo as quais "a contribuição" serve para calibrar o privilégio que lhes é concedido, de considerar como tempo de descontos o período em que não trabalham.
Para se perceber, a lei diz que o período que um desempregado está a receber subsídio conta para a sua reforma e para a doença, como se estivesse a trabalhar, aceitando a Segurança Social um desconto equivalente ao salário que tinha antes de cair no desemprego. O mesmo acontece para a doença. E não identificadas fontes governamentais dizem que a situação é generosa e tem de ser corrigida. Mas não chegam a explicar porque é que a correcção tem de ser feita lançando uma "contribuição" no presente, sacrificando prestações que nos últimos anos já sofreram reduções muito substanciais, em vez de simplesmente alterarem as regras do registo de equivalências e fazerem reflectir o efeito no valor futuro da pensão.
Hoje em dia, um trabalhador com um salário médio, médio-alto para os rendimentos declarados em Portugal que tenha a infelicidade de cair no desemprego é obrigado a fazer um ajustamento abrupto no seu nível de vida. Quer tenha descontado sobre 2, 3, 4 ou 5 mil euros, precisamente para segurar situações de infortúnio, só terá direito a um máximo de 1.040 euros de subsídio. Se tiver o azar de demorar mais de seis meses a encontrar nova ocupação, passa a ganhar 936 euros. E se o Parlamento sancionar a despudorada "contribuição" de 6%, fica a ganhar 880 euros. Quem receber um subsídio de 500 euros, perde 50 euros ao fim de seis meses e mais 30 euros se a tal contribuição sem nome nem paternidade avançar.

Paulo Portas, que será o guardião da consciência social do Governo, e estará muito empenhado em aliviar a austeridade sobre os mais desfavorecidos, só pode andar muito distraído. É do seu núcleo que sai uma das maiores aberrações deste orçamento. Tão aberrante que nem se atrevem a dar-lhe um nome. "

Elisabete  Miranda

A mulher de César tem de ser séria e parecer, temos MP?

http://economia.publico.pt/Noticia/privatizacao-da-edp-nos-bastidores-de-um-grande-negocio-1568213

(...)
Lá fora, como cá dentro, as grandes operações, envolvendo privados, alimentam múltiplos contactos com o poder político. Os banqueiros de investimento consideram naturais as ligações, pois numa sociedade livre todos têm o direito de lutar pelos seus interesses.

A Goldman Sachs é um caso paradigmático. Este ano, Marc Roche, que contou a história da Goldman Sachs, responsabilizou o banco pela actual crise da dívida soberana. Foi da GS que saíram o ex-secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson (ex-CEO), Mario Draghi, BCE, o primeiro-ministro italiano, Mário Monti, ou o ex-primeiro-ministro grego Lucas Papademos. António Borges, convidado por Passos Coelho, em Março, para liderar e acompanhar as privatizações, foi um dos vice-presidentes da GS em Londres, antes de ser nomeado director do departamento europeu do FMI.

O dossier Perella não escapa a uma análise mais fina. Criticada pela falta de curriculum no sector da energia, a empresa fundada em 2006 tem ligações relevantes à banca de investimento. Entre os sócios, estão ex-quadros de topo da Goldman Sachs e da Merrill Lynch. O partner português, Paulo Cartucho Pereira, esteve 20 anos na Morgan Stanley.

Usar conhecimentos para atingir certos objectivos pode ser feito de modo legítimo, ou ilegítimo se a influência privada for usada para introduzir opacidade na decisão pública. A fronteira é ténue e a grande questão é a de sempre: em que ponto o diálogo normal entre banqueiros, advogados, lobbistas e o Estado se transforma em troca de favores, tráfico de influências e corrupção?
 
Sem comentários e conclusões quem as deve tirar são o poder judicial.

domingo, outubro 21, 2012

Fade to Black

Gaspar e as lições políticas de Salazar

"Através da subjugação da política às finanças Portugal está a aniquilar a sua classe média, essência do espaço democrático, do consumo interno, da valorização do trabalho e do esforço e da solidariedade. Para o núcleo de Vítor Gaspar, Portugal é um país de ricos encapotados. Estamos a fazer o trajecto ao contrário: depois do Cabo da Boa Esperança estamos agora a tentar ultrapassar o Cabo das Tormentas. O Adamastor, fruto das exigências da troika e de o Governo não conhecer a realidade do país que está a modelar ao seu Excel, ameaça afundar esta nau Catrineta.

O OE de 2013, tal como antes a tentativa de mudar a TSU, começa a demonstrar várias coisas: o Governo (e a sua mentora, a troika) deseja experimentar neste país a criação de um novo modelo económico, social e também político que nada tem a ver com o Estado social e a democracia que se criou, melhor ou pior, nas últimas décadas. Os novos desafios do mundo e da Europa estão a ter respostas ao nível do passado. Que Vítor Gaspar não conheça o país real, porque viveu sempre em gabinetes de estudos, compreende-se. Que Passos Coelho não o perceba é mais grave.

Até porque isso está a implicar a destruição da cultura portuguesa (no sentido lato). Através da subjugação da política às finanças Portugal está a aniquilar a sua classe média, essência do espaço democrático, do consumo interno, da valorização do trabalho e do esforço e da solidariedade. Para o núcleo de Vítor Gaspar, Portugal é um país de ricos encapotados. Colocar todos os portugueses a trabalhar por 500 euros por mês parece ser a forma de ele recompensar a República pelos seus estudos nas instâncias internacionais. Mas se a lógica de empobrecimento forçado do país até à indigência é a política deste Governo começa a ser ainda mais perigoso o seu desprezo democrático, já demonstrado por Vítor Gaspar. E isso lembra o essencial do que sucedeu em Portugal quando as finanças colocaram no poder Salazar. Quando Sinel de Cordes, após o 28 de Maio, não conseguiu o "grande empréstimo" para salvar o país, Salazar aplicou o seu remédio.
Ele, no fundo, tinha a noção que a crise financeira estava mais ligada à crise política do que muitos julgavam. Tinha razão. Como hoje, a crise financeira era o resultado da ocupação do Estado por uma elite partidária, fosse na Monarquia, fosse na República. Para ele a mudança da estrutura política far-se-ia através de uma política de austeridade, concentrando o poder num pequeno número de homens do Governo. O ministro das Finanças passa então a ter o poder de cortar qualquer aumento da despesa. E, com isso, torna-se o centro de poder. A austeridade a prazo, como se verificou, necessitou de um Governo forte sem discussão política e um Parlamento frágil. Mais, Salazar, com a política de austeridade, não esvaziou o Estado de poder: aumentou-o, tornando-o um árbitro musculado numa economia anémica.
É o Estado que distribui as ajudas, condiciona investimentos, promove as leis, ajusta a capacidade económica dos cidadãos. Com isso, o que resta da classe política liberal acaba por desaparecer, entre funcionários do novo Estado. O Orçamento de Estado de Salazar para 1928-1929 tem lá tudo: terminar com o défice orçamental, consolidar a dívida, estabilizar o câmbio, alterar as lógicas de crédito e, lá para o fim, incentivar o fomento. A classe política liberal desaparece porque já não é necessária, substituída por técnicos salvadores, acima de tudo insensíveis a pedidos e dores alheias. O novo Estado é construído com novas prioridades. Onde a financeira determinava todas as outras. Tal como nesse tempo, a oposição às teses puramente financeiras está fragilizada. Sem argumentos sérios e ponderados. É por isso que Vítor Gaspar, centralizando cada vez mais o poder político e comunicacional no Ministério das Finanças, se pode dar ao luxo de dispensar o Parlamento, o PP e o PS. E, um dia destes, o próprio Passos Coelho."
Fernando Sobral

sábado, outubro 20, 2012

Концерт "Песни военных лет"

Sair da crise depende agora de nós

"Não tenhamos ilusões. Portugal está neste momento praticamente sem soberania económica e financeira. Mas recuperar a nossa soberania depende hoje muito mais de nós do que dos mercados. Há seis meses não era assim.
Os deputados da Nação, com especial relevo para os que subscreveram o Memorando de Entendimento, têm a obrigação de saber que a margem de manobra do Parlamento, tal como do Governo, está condicionada aos objectivos e políticas definidos pela troika .
Para recuperar o poder perdido por falta de financiamento ou deixamos de precisar de crédito - o que obviamente exigia muito mais impostos do que aqueles que vamos pagar em 2013 - ou seguimos o caminho que tem estado a ser traçado nas sucessivas avaliações da troika, constituída pelo FMI, Comissão Europeia e BCE.
Dirá quem o defende, que há também a alternativa do "não pagamos" ou da reestruturação. Sim, mas quem o propõe está também a defender uma redução do poder de compra dos portugueses e uma redução da produção portuguesa muitíssimo mais elevada do que aquela que já tivemos e que temos ainda condições para registar. Se temos a possibilidade de tentar um caminho que promete menos desemprego e menos recessão não é, no mínimo, racional escolher uma via que nos ia empobrecer ainda mais, como o demonstram os casos de incumprimento ou de reestruturação de dívida.
Passado um ano da aplicação do plano da troika não podemos dizer que estamos no caminho do fracasso. Pelo contrário, demos um primeiro passo no sentido do sucesso. Conseguimos recuperar a credibilidade externa, visível na acentuada descida das taxas de juro da dívida pública, sem ser por causa do BCE, e no acesso ao mercado financeiro internacional de empresas como a Brisa, a EDP e a PT. O "Portuguese day" que decorreu dia 15 de Outubro na bolsa de Nova Iorque revelou, igualmente, a quem estava presente, que Portugal está hoje a ser olhado com maior confiança. Nem que seja porque olham para os números e vêem que quem manteve o seu dinheiro aplicado em dívida pública portuguesa garantiu desde o início do ano uma valorização da ordem dos 40%, o que, convenhamos, é uma raridade nos tempos que correm. Dentro de portas, a bolsa já valorizou 26% desde o mínimo de 26 de Julho e o BPI vale quase o dobro do que valia em Janeiro. É verdade que os mercados accionistas estão, nesta crise, longe de serem o velho barómetro que antecipa as recuperações. Mas o que se está a passar na bolsa portuguesa é mais um indicador de que se está a conseguir estabilizar o sistema financeiro. Não são apenas os bancos que estão entre os que mais têm subido na bolsa, mas lá estão eles, com especial relevo para o BPI.
Há um ano o nosso destino estava nos investidores sem rostos dos mercados financeiros. Com a frente financeira da guerra controlada e até com sinais muito convincentes de que estamos a conseguir ganhar essa batalha, vencer a crise, recuperar a soberania e regressar à prosperidade está hoje muito mais nas nossas mãos do que no passado. Sair da crise depende agora de nós e não dos outros. E, neste momento, Outubro de 2012, escolher um futuro melhor significa aceitar este Orçamento do Estado, este aumento de impostos. Para não morrermos na praia."
Helena  Garrido 

sexta-feira, outubro 19, 2012

The God That Failed

A China está bem

"O receio de que a economia chinesa possa estar a caminhar para uma dura desaceleração está a crescer. O mercado bolsista da China caiu 20% ao longo do último ano para níveis que não eram registados desde 2009. Uma "suavidade" continuada nos últimos dados – desde o sentimento dos gestores de compras e a produção industrial até às vendas a retalho e às exportações – intensificou a ansiedade. Há tempos o mais poderoso motor da economia global, a China, como muitos temem, está a ficar sem combustível. Estas preocupações são exageradas. É certo que a economia da chinesa abrandou. Mas o abrandamento tem sido contido e assim vai continuar no futuro próximo. A hipótese de ocorrer uma "aterragem" suave permanece forte. As características de um abrupto abrandamento são bem conhecidas como resultado da Grande Recessão de 2008-2009.

O crescimento anual do PIB da China desacelerou fortemente desde o pico de 14,8%, no segundo trimestre de 2007, para 6,6%, no primeiro trimestre de 2009. Atingida por um monstruoso choque da procura externa, que empurrou o comércio mundial para uma queda recorde de 10,9% em 2009, o crescimento da China, conduzido pelas exportações, rapidamente passou de uma bolha para um fracasso. O mesmo aconteceu com o resto da desequilibrada economia chinesa – especialmente o mercado laboral, que apagou mais de 20 milhões de empregos só na província de Cantão. Desta vez, a descida tem sido muito mais suave. Desde o pico de 11,9%, no primeiro trimestre de 2010, o crescimento anual do PIB da China abrandou para 7,6% no segundo trimestre de 2012 – apenas cerca de metade da fora do vulgar desaceleração de 8,2 pontos percentuais registada durante a grande recessão.

A menos que aconteça um desmembramento desordenado da Zona Euro, que parece improvável, a estimativa base do Fundo Monetário Internacional de 4% para o crescimento anual no comércio mundial para 2012 parece razoável. É um número medíocre, quando comparado com a tendência de expansão de 6,4% desde 1994 a 2011, mas está longe do colapso recorde de 2008 e 2009. Com a economia chinesa muito menos ameaçada por um enfraquecimento das exportações do que há três anos e meio, um abrandamento abrupto é improvável. Para ser exacto, a economia enfrenta outros ventos contrários, especialmente do congelamento propositado de um mercado imobiliário sobreaquecido. Contudo, a construção de residências sociais para as famílias com rendimentos mais baixos, reforçada por recentes anúncios de investimento nas principais áreas metropolitanas, tais como Tianjin, Chongqing e Changsha, e nas províncias de Guizhou e Cantão, deverá mais do que compensar essa quebra resultante da paralisação do mercado imobiliário.

Além do mais, ao contrário das iniciativas de há três e quatro anos financiadas pela banca, que conduziram a um preocupante balanço da dívida dos governos locais, o governo central parece inclinado a exercer um papel muito maior no financiamento das actuais rondas de projectos. As notícias que dão conta de cidades-fantasma, de pontes para lado nenhum e de novos aeroportos vazios estão a intensificar as preocupações, entre os analistas do Ocidente, de que uma economia chinesa desequilibrada não se possa recuperar como aconteceu na segunda metade de 2009. Com o investimento fixo a aproximar-se da barreira inédita de 50% do PIB, os analistas temem que outros estímulos orçamentais conduzidos pelo investimento vão apenas acelerar o inevitável cenário do colapso da China.

A propaganda dos pessimistas não dá atenção a um dos mais importantes motores da modernização da China: a maior história da urbanização que o mundo alguma vez já viu. Em 2011, a proporção urbana da população chinesa ultrapassou os 50% pela primeira vez, tocando nos 51,3%, que compara com um número abaixo de 20% em 1980. De acordo com as projecções da OCDE, a florescente população urbana deverá expandir-se em mais de 300 milhões até 2030 – um aumento quase equivalente à actual população dos Estados Unidos. Com a migração dos espaços rurais para espaços urbanos a uma média de 15 a 20 milhões de pessoas por ano, as cidades-fantasmas de hoje vão rapidamente tornar-se prósperas áreas metropolitanas de amanhã. A área de Pudong, em Xangai, é o exemplo clássico de como um projecto de construção urbano "vazio" no final dos anos 90 se tornou, de modo acelerado, num centro urbano totalmente ocupado, com uma população de cerca de 5,5 milhões de pessoas. Um estudo da McKinsey estima que, em 2025, a China terá mais de 220 cidades com populações acima de um milhão, superior às 125 de 2010. O estudo prevê que 23 mega cidades tenham, pelo menos, uma população de cinco milhões.

A China não se pode dar ao luxo de esperar para construir as suas novas cidades. Ao invés, o investimento e a construção têm de estar alinhados com o influxo de moradores urbanos do futuro. Os críticos das "cidades-fantasma" esqueceram-se, totalmente, deste ponto. Tudo isto é parte do grande plano da China. O modelo de produtor, que funcionou de forma brilhante durante 30 anos, não pode conduzir a China à terra prometida da prosperidade. A liderança chinesa sabe disso, já que o primeiro-ministro Wen Jiabao assinalou-o com a sua famosa crítica de 2007, os "Quatro Uns" – um alerta a uma economia "instável [unstable], desequilibrada [unbalanced], descoordenada [uncoordinated] e, em último caso, insustentável [unsustainable]". Houve dois choques externos – o primeiro vindo dos Estados Unidos, o segundo da Europa – que transformaram os "Quatro Uns" num plano de acção. Excessivamente dependente da procura externa vinda de economias desenvolvidas atingidas pela crise, a China adoptou o 12º Plano Quinquenal, favorável ao consumo, que define uma poderosa estratégia de reequilíbrio que deverá conduzir o desenvolvimento durante décadas.

As exigências de investimento e de construção de uma urbanização a larga escala são um pilar essencial desta estratégia. O rendimento per capita dos residentes urbanos mais do que triplica a média do rendimento dos residentes nas áreas rurais. Desde que a urbanização esteja ligada à criação de emprego – uma estratégia que ganha força pelo concomitante impulso da China ao desenvolvimento liderado pelos serviços –, o rendimento do trabalho e o poder de compra dos consumidores vão beneficiar. Ao contrário do que dizem os que duvidam da China, a urbanização não é um crescimento falso. É um ingrediente essencial da "próxima China", já que proporciona tanto opções cíclicas como estruturais. Diante de uma escassez de procura – seja devido a um choque externo ou a um ajustamento interno, como a correcção do mercado imobiliário –, a China pode modificar as exigências do seu investimento liderado pela urbanização de acordo com isso.

Com excedentes de poupanças e com um défice orçamental inferior a 2% do PIB, a China tem os recursos para financiar esses esforços. Também há uma ampla margem de flexibilização monetária; ao contrário dos bancos centrais do Ocidente, o Banco Popular da China tem muita munição de reserva. Um abrandamento do crescimento dificilmente é uma surpresa para uma economia conduzida pela exportação. Mas a China está em muito melhor forma do que o resto do mundo. Uma poderosa estratégia de reequilíbrio oferece o apoio estrutural e cíclico que vai permitir evitar uma dura desaceleração. Stephen S. Roach, membro do corpo docente da Universidade de Yale, foi presidente do Morgan Stnaley Asia e é autor de "The Next Asia". "

Copyright: Project Syndicate, 2012.
Tradução: Diogo Cavaleiro

quinta-feira, outubro 18, 2012

Não há nada para ninguém

Ciberbullying

"Canadá chora Amanda, 15 anos, que não resistiu a três anos de ciberbullying (mais aqui)"

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O Céu está a cair

"Este Governo deixou de imanar do Parlamento. Ao desprezar a política, o Governo é uma delegação de Bruxelas.

O Governo comporta-se como os gauleses da aldeia de Astérix: não tem medo dos romanos que o cercam, mas sim de que os deuses lhes façam cair o céu em cima da cabeça. Isto é: fica mais aterrado com o FMI e a senhora Merkel do que com os portugueses. Por isso actua como se os portugueses fossem um exército de terracota que está aqui para votar e pagar impostos e não para os questionar.

A paz podre nacional floresceu assim. O Governo, como é visível neste OE e nas inacreditáveis declarações de Vítor Gaspar, é uma alforreca financeira. É o cobrador de impostos de Bruxelas e despreza a política e a economia. O modelo que a Europa nos quer legar é simples: um país pronto a acolher as multinacionais que encontram aqui os salários baixos que já não descobrem na China e sem mercado interno porque ninguém tem dinheiro para consumir. Está no OE e nas frases de Vítor Gaspar que, agora, já se dá ao luxo de achincalhar abertamente Cavaco Silva, como se este fosse irrelevante. Vítor Gaspar acha que pode dispensar a política e o bom-senso com o seu modelo de empobrecimento do país. Cumprindo, sem questionar, o que dizem Bruxelas e Berlim. Sem escutar sequer o FMI.

Este Governo deixou de imanar do Parlamento. Ao desprezar a política, o Governo é uma delegação de Bruxelas. Um contabilista sem sensibilidade política, que é porta-voz dos credores e que é mudo quando deveria falar das reivindicações portuguesas. Este Governo está, com este OE que será do tudo ou nada (depois desta carga de impostos só resta colocar os portugueses a pão e água), a aniquilar o que resta da economia interna e a pôr em causa a democracia. O céu há-de cair-lhes em cima. "

Fernando  Sobral 

Saída de Portugal do euro

"Se Portugal seguisse a Grécia e abandonasse a região, as perdas sentidas a nível global seriam de 2,4 biliões de euros até 2020. 225 mil milhões de euros seriam suportados pela Alemanha, que teria de reconhecer imparidades na ordem dos 99 mil milhões de euros, segundo o "Spiegel Online". Os Estados Unidos teriam perdas de 365 mil milhões de euros, enquanto a China sofreria um impacto de 275 mil milhões de euros (mais aqui)"

quarta-feira, outubro 17, 2012

Ribeira

Preparem-se...

"O maior fabricante de equipamento electrónico, a Foxconn Technology Group, que produz a maior parte dos iPad e iPhone, admitiu ter crianças de 14 anos a trabalhar nas suas fábricas na China. A denúncia tinha sido feita por activistas chineses que acusaram a Foxconn e outras empresas que são grande empregadoras na China de usarem estágios atribuídos a estudantes como fonte de trabalho barato. Os alunos em estágio eram usados pelas empresas com dificuldade em encontrar trabalhadores para determinadas fases das linhas de produção devido aos baixos salários oferecidos (mais aqui)"
Preparem-se… é isto que nos espera se continuarmos a ter a “enorme sorte de contar “ com este “cobrador de impostos de Bruxelas “….

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Ingratidão.

"António Borges diz que é uma sorte o país ter Vítor Gaspar como ministro das Finanças numa conjuntura tão exigente como a actual (mais aqui)".

"Gaspar fez ainda questão de afirmar que a "minha participação tem como único propósito retribuir ao País o enorme investimento que o País colocou na minha educação". "A minha educação foi extraordinariamente cara e Portugal investiu na minha educação de forma muito generosa durante algumas décadas (mais aqui)"

"Os novos cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam para que a contracção da economia portuguesa seja entre 2,8 e 5,3% em 2013, considerando as medidas de austeridade apresentadas pelo Governo esta semana (mais aqui)
Parece que até o próprio FMI não consegue apreciar a gratidão nem a sorte que Portugal tem…

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Sair do Euro.

"Se Portugal seguisse a Grécia e abandonasse a região, as perdas sentidas a nível global seriam de 2,4 biliões de euros até 2020. 225 mil milhões de euros seriam suportados pela Alemanha, que teria de reconhecer imparidades na ordem dos 99 mil milhões de euros, segundo o "Spiegel Online". Os Estados Unidos teriam perdas de 365 mil milhões de euros, enquanto a China sofreria um impacto de 275 mil milhões de euros (mais aqui)"

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Combustíveis "dourados"...

"Bombas de combustível "low cost" obrigatórias podem ser "negativas" para a Galp. Neste momento,a Galp vende 30,1% dos combustíveis comercializados em Portugal, enquanto os hipermercados, cujos preços por litro são 12,7 cêntimos mais baixos do que o das maiores redes, ocupam uma quota de mercado de 32,2%. (mais aqui)"


"Portugal tem o terceiro preço da gasolina mais caro da Europa e o décimo no gasóleo (mais aqui)"

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terça-feira, outubro 16, 2012

A culpa é do polvo


A ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque andaram a viver acima das suas possibilidades, é um enorme embuste. Esta mentira só é ultrapassada por uma outra. A de que não há alternativa à austeridade, apresentada como um castigo justo, face a hábitos de consumo exagerados. Colossais fraudes. Nem os portugueses merecem castigo, nem a austeridade é inevitável.

Quem viveu muito acima das suas possibilidades nas últimas décadas foi a classe política e os muitos que se alimentaram da enorme manjedoura que é o orçamento do estado. A administração central e local enxameou-se de milhares de "boys", criaram-se institutos inúteis, fundações fraudulentas e empresas municipais fantasma. A este regabofe juntou-se uma epidemia fatal que é a corrupção. Os exemplos sucederam-se. A Expo 98 transformou uma zona degradada numa nova cidade, gerou mais-valias urbanísticas milionárias, mas no final deu prejuízo. Foi ainda o Euro 2004, e a compra dos submarinos, com pagamento de luvas e corrupção provada, mas só na Alemanha. E foram as vigarices de Isaltino Morais, que nunca mais é preso. A que se juntam os casos de Duarte Lima, do BPN e do BPP, as parcerias público-privadas e mais um rol interminável de crimes que depauperaram o erário público. Todos estes negócios e privilégios concedidos a um polvo que, com os seus tentáculos, se alimenta do dinheiro do povo têm responsáveis conhecidos. E têm como consequência os sacrifícios por que hoje passamos.
Enquanto isto, os portugueses têm vivido muito abaixo do nível médio do europeu, não acima das suas possibilidades. Não devemos pois, enquanto povo, ter remorsos pelo estado das contas públicas. Devemos antes sentir raiva e exigir a eliminação dos privilégios que nos arruínam. Há que renegociar as parcerias público--privadas, rever os juros da dívida pública, extinguir organismos... Restaure-se um mínimo de seriedade e poupar-se-ão milhões. Sem penalizar os cidadãos.
Não é, assim, culpando e castigando o povo pelos erros da sua classe política que se resolve a crise. Resolve-se combatendo as suas causas, o regabofe e a corrupção. Esta sim, é a única alternativa séria à austeridade a que nos querem condenar e ao assalto fiscal que se anuncia.
Por:Paulo Morais, Professor universitário

segunda-feira, outubro 15, 2012

(Não digam a ninguém, mas...

"... este Orçamento vai correr mal. Ninguém acredita nele, nem quem o faz. Mas shiu, parece que isso não pode ser dito alto, piscamos os olhos uns aos outros mas não dizemos nada. Hoje há OE, hoje temos a angústia do guarda-redes no momento do penálti, hoje vamos discutir o indiscutível mas só uma coisa não tem alternativa: insistir em vez de desistir. Insistir na mudança. Não seremos nós, será o tempo a rasgar o OE. .. não vamos pagar esta dívida pública, não é possível pagar 120% do que se produz se o que se produz não aumenta.

O que aumentará são os 120%. Porque o PIB vai cair mais. Porque há dívida por reconhecer (em empresas públicas, em "swaps", em "factoring", em parcerias público-privadas que vão falir e ser nacionalizadas). Para baixar para o nível de Maastricht, 60% do PIB, seria preciso amortizar uns cem mil milhões de euros. Cinco mil milhões durante 20 anos! Seriam seis meses de IRS só para reduzir dívida. Não dá. ... os alemães não podem perceber. Pagar a dívida não é "ideia de criança", não nos podemos "marimbar para os credores", nem simplesmente dizer "não pagamos". Há outras formas de perdão que o não são. Como conceder empréstimos baratos a longos períodos. Assim se fez com a Alemanha após a Guerra. ... nem um perdão chega. A austeridade é necessária, mesmo que toda a dívida desaparecesse por magia, as finanças não estariam bem.

No próximo ano, depois do maior aumento de impostos de sempre, será a primeira vez em democracia em que as despesas do Estado (excluindo juros) serão menores que as receitas. ... estamos a entrar em espiral recessiva. Desde Maio que o défice se descontrolou. A próxima execução orçamental mostrará que Setembro foi catastrófico, pois o anúncio inesperado para a maioria das pessoas de austeridade radical levou à travagem do consumo e à suspensão do investimento. ... o Governo vai falhar a meta do défice. Começando pela receita fiscal. Ainda não se conhece todo a proposta de OE, sabe-se o suficiente para saber que o "maior aumento de impostos de sempre" não vai gerar "o maior aumento de receitas de sempre". ... a economia vai cair mais de 1% em 2013. O erro agora reconhecido pelo FMI quanto ao efeito multiplicador da austeridade garante isso. O PIB vai cair mais. ... o Governo português falhou. Falhou porque deixou para dois conselhos de ministros de 30 horas o que não fez em 15 meses, preparar cortes de despesa. Falhou porque improvisou, avançou e recuou, não estudou nem criou alternativas. Hoje, serão apresentados incentivos ao crescimento económico.

Esperemos que sejam medidas analisadas. ... este OE é para alombar, mas não é para levar muito a sério, porque vai falhar. A austeridade vai acontecer, os objectivos orçamentais e macroeconómicos não. O que vai acontecer é que não vamos pagar a dívida, vamos ter mais tempo para reduzir o défice e a troika vai mudar a política que nos impôs. É o desespero? Não! É preciso influenciar esse desfecho. Há alternativas. Cá dentro, na política orçamental. Mas sobretudo lá fora. Este descalabro tem responsáveis e nem todos foram eleitos por nós. Merkel é responsável, Barroso é responsável, Lagarde é responsável – e foi a única que já assumiu o erro. É preciso mais. O FMI tem de ser consequente, a UE tem de assumir o erro e ambos têm de dar mais tempo a Portugal, mas criando condições de credibilidade junto dos mercados financeiros, intervindo de modo a garantir taxas de juro baixas, em mercado primário e secundário, o que passa por mecanismos de compra de dívida, como o BCE já se disponibilizou a fazer. Passos Coelho é responsável. Tem alternativas que nunca discutiu, como baixar impostos e aumentar preços de acesso à saúde ou ao ensino. Talvez seja errado, não se sabe, não foi estudado, mas é uma alternativa que se esperava de um Governo liberal. Mas sobretudo:

Passos é responsável porque troca os pés, não lidera, está um cata-vento. É preciso ser consequente. É possível fazer política com decência. O Governo escolheu o alvo errado, a guerra não se ganha contra o povo, nem pedindo ao povo que morra, ganha-se pressionando as instituições internacionais, como disse este fim-de-semana Jorge Sampaio numa excelente entrevista. É preciso cumprir o que nos pedem e fazer disso degrau para exigirmos, negociarmos, para merecermos a racionalidade da tolerância. É preciso dar ajuda interna à ajuda externa. É preciso voltar a ter um plano em que confiemos. Este falhou. Este vai falhar. Pronto, não digam nada, guardem silêncio, há uma encenação para cumprir, por causa das opiniões públicas dos países do Norte, por causa dos gajos dos mercados. Guardemos os falhanços para nós e, aqui que ninguém nos ouve, fechemos os parêntesis e escrevamos uma única frase, audível e responsabilizadora). Os portugueses têm de pagar austeridade. O Governo tem o dever de garantir a sua racionalidade, equidade e propósito. A UE e o FMI têm de mudar de plano – eles não são só credores, são responsáveis. E nós não podemos deixar que eles se esqueçam disso. Fazê-los merecer o próximo Nobel da Paz."

Pedro Santos Guerreiro

domingo, outubro 14, 2012

Eu vi este povo a lutar

Lições da história sobre a dívida pública

"O que poderá acontecer se uma grande economia, com rendimento elevado e oprimida por elevados níveis de dívida e uma taxa de câmbio fixa sobreavaliada, tentar reduzir a dívida e recuperar a competitividade? Eis uma questão particularmente relevante no momento presente, uma vez que é este o desafio que países como Itália e Espanha enfrentam. Porém, e como o demonstra um dos capítulos do mais recente ‘World Economic Outlook' do FMI, existe uma experiência histórica relevante: a do Reino Unido entre as duas guerras mundiais, em que ficou provado que a interacção entre as tentativas de "depreciação interna" e a dinâmica da dívida é potencialmente letal.

O Reino Unido emergiu da Primeira Guerra Mundial com uma dívida pública de 140% do PIB, em que os preços mais do que duplicaram face aos níveis anteriores à guerra. O governo decidiu regressar ao padrão ouro à paridade anterior à guerra, o que aconteceu efectivamente em 1925, e saldar a dívida pública para conservar a sua solvabilidade. Para atingir estes objectivos, implementou políticas de austeridade orçamental e monetária. O excedente orçamental primário (antes de impostos) manteve-se próximo dos 7% do PIB ao longo da década de 1920. Esta meta foi atingida através do ‘Geddes Axe', que recomendava cortes na despesa pública idênticos aos preconizados pelos actuais defensores da "austeridade expansionista". Em 1920, o Banco de Inglaterra aumentou as taxas de juro para 7%, tendo em vista regressar à paridade anterior à guerra.

Daqui resultaram, em conjugação com a consequente deflação, taxas de juro reais extraordinariamente altas. Como funcionou este compromisso para com a fome orçamental e a necrofilia monetária? Mal. As exportações eram persistentemente fracas e o desemprego persistentemente elevado - o qual foi utilizado como mecanismo para baixar os salários reais e nominais. O objectivo era destruir o trabalho organizado. Esta experiência é relevante para a zona euro. Para recuperar rapidamente a competitividade, os salários terão de descer.

Para isso, o desemprego terá de atingir níveis particularmente elevados. No caso de Espanha já é assim. E os esforços para reforçar a austeridade orçamental irão, sem dúvida, reduzir ainda mais o PIB real espanhol. Tudo isto pode atirar Espanha para uma armadilha da dívida, que, no seu caso concreto, vai ameaçar o sector púbico e o sector privado. É por isso que o plano do BCE é uma condição necessária para escapar à catástrofe: incumprimentos orçamentais simultâneos e falências bancárias. Mas isto não chega, é preciso que as perspectivas de crescimento melhorem. Eis a conclusão mais importante: a consolidação orçamental só é possível num bom ambiente monetário, com taxas de juro reais extremamente baixas e uma economia estável.

A principal crítica que aponto ao referido capítulo é não fazer qualquer esforço para reduzir a dívida orçamental tendo como enquadramento o está a acontecer ao nível da dívida privada. Será muito mais difícil controlar o défice orçamental se o sector privado também quiser reduzir os seus elevados níveis de endividamento: menos despesa de um lado significa menos rendimento do outro. Como a procura externa é fraca, assistiremos, muito provavelmente, a uma desalavancagem por via do incumprimento e da recessão. Este é o pior resultado que se pode imaginar. A austeridade orçamental e os esforços para baixar os salários em países que hoje se debatem com um estrangulamento monetário podem conduzir  destruição de sociedades, governos e inclusive Estados. Se a solidariedade não for reforçada, a história dificilmente poderá acabar bem."

Martin Wolf

sábado, outubro 13, 2012

Uns vão bem e outros mal

Tributar o pai, a mãe, o avô, a avó, o gato e o periquito

"Não é apenas mais IRS. É mais tudo. Tudo o que mexe e tudo o que é inanimado. O destro e o canhoto. O que se tem e o que se perde. Quando rasteja e quando voa. Paulo Portas nunca pensou que acabaria a mandar tributar o pai, a mãe, o avô, a avó, o gato e o periquito do défice, que em 2004 atribuiu a Sousa Franco.

O aumento do IRS é avassalador, não apenas por causa da sobretaxa, mas através da redução do número de escalões do imposto. Essa redução faz sentido teórico: Portugal é dos países com mais escalões (oito, contra seis em Espanha, quatro no Reino Unido ou dois na Irlanda). Mas, na prática, é apenas uma forma encapotada de aumentar o imposto.

Para aumentar a tributação não há como fugir ao IRS e ao IVA, que geram quase dois terços das receitas fiscais do Estado. Estando o IVA já encostado ao máximo da Europa (a Dinamarca tem uma taxa superior, de 25%), ataca-se o IRS. A versão preliminar do Orçamento do Estado, a que vários jornais tiveram acesso na tarde de quinta-feira, poderá ainda ser alterada até ao raiar de segunda-feira, dia da apresentação final. Mas confirmando-se os novos cinco escalões, topa-se o nível dos aumentos. O olhar humano tenderá a olhar para os limites mínimo e máximo dos novos escalões e compará-los com os antigos. Mas é no "miolo" que está o que interessa. 43% de todo o IRS liquidado em Portugal (dados de 2010, apurados pela Deloitte) foi suportado por contribuintes com rendimentos entre 17.979 e 41.349 euros, sujeitos a uma taxa normal de 34,88%. Grande parte deles pagará agora 37% (novo escalão entre os 20.000 e os 40.000 euros).

Mas não são só as taxas. São as deduções específicas, as deduções à colecta, os benefícios fiscais. É o regime simplificado dos recibos verdes. É, nos outros impostos, taxas liberatórias nas rendas. O tabaco. O IMI, apesar do recuo na cláusula de salvaguarda. Este será o Orçamento mais extensivo de sempre, tributa quase à peça. É como se, além de tributar um sapato, tributasse a sola, a meia-sola, o salto, o couro e cada atacador.

Este é o lado A do Orçamento. O lado B é o do corte da despesa, que está por detalhar. Mas também aqui, é preciso olhar para os grandes números. A fatia de leão, já se sabe, são salários e prestações sociais. É assim que hoje ficamos a saber que ao corte de pensões e de ordenados na Função Pública, haverá também uma redução líquida dos subsídios de desemprego e de doença. E que 3% dos funcionários públicos passarão para o quadro de excedentários, onde receberão salário menor - antes de sair. Paga tudo, minha gente, em pé, deitado e acamado, activo, inactivo e emprateleirado.

O risco de tudo isto está mais do que diagnosticado: o aumento da economia paralela; e a espiral recessiva, em que se aumenta cada vez mais os impostos para uma receita cada vez menor numa economia progressivamente recessiva e repleta de desempregados. Até porque, se o Governo mantiver a sua previsão de quebra do PIB em 1% para o próximo ano, estará provavelmente a ser optimista.

É assim que, em Lisboa, se trabalha no problema financeiro e se dissimula o problema político. Mesmo sabendo que a solução está fora daqui. Está em Berlim, em Bruxelas, em Frankfurt, em Washington, está até em Tóquio, onde decorre a reunião anual do FMI. Sim, FMI, o tal que diz que se enganou, afinal a sua prescrição falha... E vai fazer o quê? Brincar com o periquito?"

Pedro Santos Guerreiro

sexta-feira, outubro 12, 2012

A crença, o credo dos fundamentalistas, levam ao ódio que já existe em relação aos políticos fundamentalistas que governam na Europa

Os instrumentos económicos existem mas a opinião política dominante proíbe o fim da crise. Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia, apela ao fim dessa corrente austeritária, sacrificial e assassina de empregos.
Nestes últimos três anos caiu-nos uma depressão em cima da cabeça, e o que fizemos? Procurámos culpados. O “viver acima das nossas possibilidades” e “os malefícios do endividamento” são duas cantigas populares dos últimos anos. E, no entanto, antes de a crise ter rebentado na América e de se ter propagado à Europa, o nível de endividamento de alguns dos países do sul da Europa, como Portugal e Espanha, tinha vindo a reduzir-se. Os gráficos estão lá e mostram que sim (como mostram que o gigante alemão também está fortemente endividado). Mas porque é que as pessoas não querem acreditar nisto? Nem sequer apreender o facto de terem sido “praticamente todos os principais governos” que, “nos terríveis meses que se seguiram à queda do banco de investimento Lehman Brothers, concordaram em que o súbito colapso das despesas do sector privado teria de ser contrabalançado e viraram-se então para uma política orçamental e monetária expansionista num esforço para limitar os danos”? A Comissão Europeia e a Alemanha estavam “lá”. E, de repente, tudo mudou.
Uma das maiores dificuldades de lidar com esta crise é, em primeiro lugar, o facto natural de tanto o cidadão comum como Jesus Cristo não perceberem nada de finanças, a menos quando lhe vão ao seu próprio bolso (ou perde o emprego). A outra é o poder da narrativa do “vivemos acima das nossas possibilidades”, aquilo a que Krugman chama a “narrativa distorcida” europeia , “um relato falso sobre as causas da crise que impede verdadeiras soluções e conduz de facto a medidas políticas que só pioram a situação”. Krugman ataca “uma narrativa absolutamente errada”, consciente de que “as pessoas que apregoam esta doutrina estão tão relutantes como a direita americana em ouvir a evidência do contrário”.
Três quartos do livro-manifesto “Acabem com esta crise já” é dedicado aos Estados Unidos, pátria de Krugman. Mas tendo em conta o nosso “interesse nacional”, centremo-nos no que diz sobre a Europa.
Krugman refuta a explicação popular e maioritária sobre a situação actual na Europa – países sob tutela de troika e pedidos de resgate à média de dois por ano. “Eis, então, a Grande Ilusão da Europa: é a crença de que a crise da Europa foi essencialmente causada pela irresponsabilidade orçamental. Diz essa história que os países europeus incorreram em excessivos défices orçamentais e se endividaram demasiado – e o mais importante é impor regras que evitem que isto volte a acontecer”.
Krugman aceita que a Grécia (e Portugal, “embora não à mesma escala) incorreu em “irresponsabilidade orçamental”, mas recusa a “helenização” do problema europeu. “A Irlanda tinha um excedente orçamental e uma dívida pública reduzida na véspera do deflagrar da crise (...) A Espanha também tinha um excedente orçamental e uma dívida reduzida. A Itália tinha um alto nível de endividamento herdado das décadas de 1970 e 1980, quando a política era realmente irresponsável, mas estava a conseguir fazer baixar de forma progressiva o rácio do endividamento em relação ao PIB”. Ora um graficozinho do FMI demonstra que, enquanto grupo, “as nações europeias que se encontram actualmente a braços com problemas orçamentais conseguiram melhorar de forma progressiva a sua posição de endividamento até ao deflagrar da crise”. E foi só com a chegada da crise americana à Europa que a dívida pública disparou. Explicar isto aos “austeritários” é uma tarefa insana. Diz Krugman: “Muitos europeus em posições-chave – sobretudo políticos e dirigentes na Alemanha, mas também as lideranças do Banco Central Europeu e líderes de opinião espalhados pelo mundo das finanças e da banca – estão profundamente comprometidos com a Grande Ilusão e nada consegue abalá-los por mais provas que haja em contrário. Em consequência disso, o problema de responder à crise é muitas vezes formulado em termos morais: as nações estão com problemas porque pecaram e devem redimir-se por via do sofrimento”. Ora é esta exactamente a história que nos conta o governo e que é, segundo Paul Krugman, “um caminho muito mau para se abordar os problemas que a Europa enfrenta”.
Ao contrário do que muita gente possa pensar, Krugman não é um perigoso socialista. E, céus, até defende a austeridade (alguma, mas não esta). Vejam como ele explica a crise espanhola, que considera a crise emblemática da zona euro: “Durante os primeiros oito anos após a criação da zona euro a Espanha teve gigantescos influxos de dinheiro, que alimentaram uma enorme bolha imobiliária e conduziram a um grande aumento de salários e dos preços relativamente aos das economias do núcleo europeu [Alemanha, França e Benelux]. O problema essencial espanhol, do qual derivam todos os outros, é a necessidade de voltar a alinhar custos e preços. Como é que isso pode ser feito?”. O Nobel explica: “Poderia ser feito por via da inflação nas economias do núcleo europeu. Imagine-se que o BCE seguia uma política de dinheiro fácil enquanto o governo alemão se empenhava no estímulo orçamental; isto iria implicar pleno emprego na Alemanha mesmo que a alta taxa de desemprego persistisse em Espanha. Os salários espanhóis não iriam subir muito, se é que chegavam a subir, ao passo que os salários alemães iriam subir muito; os custos espanhóis iriam assim manter-se nivelados, ao passo que os custos alemães subiriam. E para a Espanha seria um ajustamento relativamente fácil de fazer: não seria fácil, seria relativamente fácil”.
Ora, esta maneira “relativamente fácil” de resolver a crise europeia tem estado condenada (vamos ver o que se segue ao novo programa de compra de dívida do BCE, criticado pelo presidente do Bundesbank) pela irredutibilidade alemã relativamente à inflação, “graças às memórias da grande inflação ocorrida no início da década de 1920”. Krugman lembra bem que estranhamente “estão muito mais esquecidas as memórias relativas às políticas deflacionárias do início da década de 1930, que foram na verdade aquilo que abriu caminho para a ascensão daquele ditador que todos sabemos quem é”.
O que trama as nações fracas do euro (como Espanha e Portugal) é, não tendo meios de desvalorizar a moeda – como fez a Islândia no rescaldo da crise com sucesso – estão sujeitas ao “pânico auto--realizável”. O facto de não poderem “imprimir dinheiro” torna esses países vulneráveis “à possibilidade de uma crise auto-realizável, na qual os receios dos investidores quanto a um incumprimento em resultado de escassez de dinheiro os levariam a evitar adquirir obrigações desse país, desencadeando assim a própria escassez de dinheiro que tanto receiam”. É este pânico que explica os juros loucos pagos por Portugal, Espanha e Itália, enquanto a Alemanha lucra a bom lucrar com a crise do euro – para fugir ao “pânico” os investidores emprestam dinheiro à Alemanha sem pedir juros e até dando bónus aos alemães por lhes deixarem ter o dinheirinho guardado em Frankfurt.
Se Krugman defende que “os países com défices orçamentais e problemas de endividamento terão de praticar uma considerável austeridade orçamental”, defende que para sair da crise seria necessário que “a curto prazo, os países com excedentes orçamentais precisam de ser uma fonte de forte procura pelas exportações dos países com défices orçamentais”.
Nada disto está a acontecer. “A troika tem fornecido pouquíssimo dinheiro e demasiado tardiamente” e, “em resultado desses empréstimos de emergência, tem-se exigido aos países deficitários que imponham programas imediatos e draconianos de cortes nos gastos e subidas de impostos, programas que os afundam em recessões ainda mais profundas e que são insuficientes, mesmo em termos puramente orçamentais, à medida que as economias encolhem e causam uma baixa de receitas fiscais”. Conhece esta história, não conhece?

Desobediência civil

Desobediência civil

Com a bonomia que lhe é peculiar, António Capucho avisou: “Se sobrar algum dinheiro às pessoas, elas pagarão os impostos. Mas como não vai sobrar, não pagarão. Entrarão em desobediência civil.”
 
A desobediência civil está já a observar-se em vários sectores. Entupidos, os tribunais que o digam; paranóico, o fisco que o comprove. O país desiste de o ser. Um vento suicida crispa os portugueses, povo de propensões ora para a desistência (inacção), ora para o delírio (anarquia). Os que (julgam) governar-nos não percebem sequer que o português é ardiloso (“manhoso”, na caracterização de Agostinho da Silva), oculta o que pensa, gosta de ludibriar, de subverter.
Veja-se: os estabelecimentos comerciais voltam a não passar, com a conivência do público, facturas; a fuga aos impostos torna-se comportamento de resistência, de vingança. Boiamos hoje em águas de um neofeudalismo terrorista.
 
“O cio autoritário dos psicopatas no poder traz sede de sangue no bico”, alertava Natália Correia. “Parta-se-lhe, pois, o bico!” De tal modo a política seguida é aberrante que o FMI viu-se obrigado a sublinhar que “a austeridade deve ter um ritmo suportável”. A ser imposto, o aumento do IMI vai rebentar com o eleitorado (sobretudo) do PSD e do CDS e a seguir com o governo. O desprezo por ele tornou-se irreversível. Isso revela-se, aliás, o aspecto mais crítico do Estado, cuja autoridade está a ficar em ruínas – tal como a democracia.
O pus do regime escorre por todos os poros.
Por Fernando Dacosta

quinta-feira, outubro 11, 2012

Terrorismo de Estado, Lenine não faria melhor…



Uma forma manhosa e ardilosa de enganar, aterrorizar e depois continuar o que sempre foi feito por todos os governos após Abril, comer do Estado o grande naco junto de empresas que usam o Parlamento e que lá estão implantadas,  com funcionários que são deputados, para continuar a roubar o país.
O mais grave, é a forma de terrorismo fiscal, começou com a TSU e a ameaça de retirar aos patrões para pôr os trabalhadores a pagar, Estado incluído, depois foi com o IMI e com o aumento brutal do IRS, sem falar nas mudanças ao nível da saúde onde se penduram grandes interesses ao destruir serviços e baixar o nível da qualidade assistencial e por fim através da segurança social baixando o valor das baixas por doença, o subsídio de desemprego e não refiro o RSI porque aí pia mais fino, os funcionários que o digam…
É uma trama que começa com o anúncio de vem aí o lobo mau e depois com sinais dados pela carneirada da comunicação social, de trela curta, a avisar que afinal as medidas vão ser suavizadas. Trata-se de torturar a vítima para ver se sai algo e depois o pedido de desculpas, e …  coloca gelo para não inchar muito.
Depois da exemplar regulação do Banco de Portugal feita por Constâncio, depois do roubo do BPN que corresponde a um valor importante do resgate pedido, depois da venda escandalosa de empresas a regimes totalitários que decerto irão fazer gato sapato deste país governado por um rapazinho que nunca foi homem e por uns homens de mão do sistema financeiro mundial fica composto o ramalhete, parecido com o caso do Banco Ambrosiano onde metia Máfia, políticos, magistrados, alguns poderes da  Igreja e a Loja P2.
O sistema político há muito está esgotado e só por gozo e má fé se pode chamar a isto de democracia, já agora percorram essa Europa e logo descobrirão que afinal os regimes não são muito diferentes daqueles que foram derrubados no Norte de África, só porque se vota, ou seja, o voto vale menos que uma folha de papel higiénico sujo e o que vem do poder por ele dado cheira exactamente a isso que estão pensando.

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