quinta-feira, junho 30, 2011
A "engenharia" dos feriados
Com novo Governo e velha crise, assunto renascido.
Temos 13 feriados (um eles, a Páscoa, ao domingo), a que se juntam, por regra, mais 2, o municipal e o Carnaval. Ao contrário do que se papagueia, não muito diferente da Europa (sem contar com feriados regionais: Espanha, 12; França 13; Alemanha, 10; R. Unido, 9; Grécia 14; Itália 12).
Pode discutir-se a supressão de um ou outro feriado, mas talvez se devesse começar por efectivar o que o CT já previu: a redução das chamadas "pontes". Primeiro, porque esta "engenharia" é, não raro, mais perturbadora para a organização da produção do que os próprios feriados. Depois, porque as "pontes" se concentram, injustamente, nos mesmos: Estado, serviços, sector financeiro, cidades principais e pouco mais. Quase nada no sector primário, nas fábricas e no interior…
Dado o acentuado simbolismo (civil ou religioso) de certos feriados, esta disposição só deve ser aplicada a alguns. Em minha opinião, a dois feriados religiosos (Corpo de Deus e 8 de Dezembro), a dois feriados civis (5 de Outubro e 1 de Dezembro) e ao feriado municipal (mais aqui)".
quarta-feira, junho 29, 2011
Quase tudo em família
De qualquer modo, tudo está bem quando acaba bem. Pelo menos para o PSD, que ganhou juízo e optou por uma escolha séria. Quanto ao dr. Nobre, a história perece ter acabado mal. O homem queria ser presidente da República. Mesmo sem levar o famoso tiro na cabeça, não conseguiu. Depois queria ser presidente da Assembleia da República. Mesmo após duas votações, não conseguiu. Para um monárquico, é notável a insistência presidencial em instituições republicanas. É, também, escusada.
Hoje, resta ao dr. Nobre quedar-se pelo assento parlamentar indiferenciado enquanto, passo a citar, a sua presença for útil para o país. Ou até que, passo a traduzir, a sua saída airosa não dê demasiado nas vistas. O povo é ingrato. Os representantes do povo são vingativos. Por sorte, em matéria de presidências há sempre a da AMI, cujo organigrama literalmente familiar ao dr. Nobre não obstará à recondução perpétua de um vulto incompreendido."
Alberto Gonçalves
terça-feira, junho 28, 2011
Um belo exemplo
A polémica, uma coisinha desinteressante em volta dos fundadores do BE, existiu de facto. O eurodeputado saiu de facto do BE. Mas o dr. Tavares não saiu do Parlamento Europeu: juntou-se à bancada dos Verdes, aproximação que, segundo o respectivo líder, essa lendária inutilidade que dá pelo nome de Daniel Cohn-Bendit, o dr. Tavares iniciara meses antes da polémica com o dr. Louçã.
É verdade que Cohn-Bendit depois negou a data da transferência e as suas próprias declarações. Não faz grande diferença. O que fascina em tudo isto é um independente eleito para um determinado cargo graças a um partido a que nunca pertenceu conseguir, apesar da independência, sair do partido e manter-se no cargo, aliás partidário e não pessoal.
O comum dos mortais apenas é capaz de sair dos lugares onde entrou. O inverso é prodígio ao alcance de alguns predestinados, donos de propriedades metafísicas e de pouquíssima vergonha na cara. Para os abençoados que não o conhecem, o dr. Tavares acrescenta ao emprego de Estrasburgo umas crónicas no Público, nas quais decreta assiduamente a superioridade moral da esquerda. Decreta e, pelos vistos, pratica-a. E um belo dia irá praticá-la no PS."
Alberto Gonçalves
segunda-feira, junho 27, 2011
Critérios
Horas depois, outro grupo, constituído por dois portugueses e dois espanhóis aos gritinhos de "Não pagamos!" (o quê, já agora?), tentou, ou fez que tentou impedir a saída de Vítor Gaspar do Ministério das Finanças. A parelha de comediantes "Homens da Luta" andou igualmente por lá.
Além de cómicos e apesar de microscópicos, os episódios foram igualmente simbólicos do que nos espera: uma época repleta de palhaços, amadores ou profissionais, aos berros contra a troika e o inevitável. Se os primeiros momentos do novo executivo mereceram apenas os protestos de um punhado de ociosos, os momentos que se seguem suscitarão protestos de imensos ociosos, oportunistas, demagogos e companheiros de viagem. Se não suscitarem, é sinal de que o Governo não está a cumprir a sua missão. As metáforas marítimas e quinhentistas que Pedro Passos Coelho usou no seu discurso inaugural possuem carácter meramente decorativo. Na prática, a competência do Governo será sobretudo medida por dois critérios: o barulho e a indiferença ao barulho. O resto é o resto"
Alberto Gonçalves
E a criminalidade continua a diminuir...
Uma rixa entre clãs rivais - do bairro do Armador, em Chelas, e do bairro de Santos, no Rego, Lisboa -, todos de etnia cigana, terá sido a razão pela qual foram disparados vários tiros no estabelecimento comercial, que atingiram quatro homens envolvidos no ajuste de contas (mais aqui)"
Etiquetas: Welcome to the Jungle
domingo, junho 26, 2011
Pedro e o CDS: "um olho no burro e outro no cigano"
Mas se em algum momento pensou que podia confiar (vá lá, a 90%) nele, já deve ter mudado de ideias.
Portas tem um objectivo: fazer do CDS uma alternativa ao PSD, para chegar um dia a 1º ministro (como, numa escorregadela, deixou escapar na campanha eleitoral). E bate-se obstinadamente por ele. Mas tem um problema: o mau resultado das legislativas, consequência do voto útil no PSD (a "maldição" do CDS, que no passado complicou a vida a Freitas do Amaral e Lucas Pires…), que lhe retirou espaço para reivindicar pastas com que sonhava, como Economia e Administração Interna.
Daí a necessidade de afirmação. Como se viu quando não apoiou Fernando Nobre (má escolha de Coelho). No final, Portas diria mesmo que a sua preocupação primeira é… o seu eleitorado. Numa evidente marcação de terreno.
Este mini-desentendimento pode vir a ter mais importância do que parece: confirma que os dois partidos não estão casados por amor, mas por interesses conjunturalmente coincidentes (veja-se as declarações que o "Público" colheu de deputados do PSD, no final da votação…). Razão suficiente para Passos Coelho estar atento às jogadas de Portas. Desde logo à "marcação" que vai fazer a Miguel Macedo na Administração Interna, uma pasta madrasta. Resta saber se as energias gastas neste braço-de-ferro permanente não vão afectar a qualidade da governação.
P.S. - E se algum dos ministros "não entregar"? Se for do PSD, será fácil substituí-lo. Mas se for do CDS? Vai Passos mantê-lo, para não hostilizar o parceiro?"
Camilo Lourenço
A luta do homem
O que o documento pretende é "determinar as partes da dívida que são ilegais, ilegítimas, odiosas ou simplesmente insustentáveis". Estamos, portanto, em pleno território da "dívida odiosa", interessante conceito segundo o qual um país é livre de decidir que o seu débito foi contraído contra os interesses dos cidadãos, logo o débito é susceptível de "reestruturação", logo de puro calote. A inspiração do dr. Carvalho da Silva e dos parceiros da subscrição virá do Equador, que há um par de anos recorreu ao método e assumiu, com o orgulho dos malucos, o subsequente estatuto de pária.
Em abono do Equador, mas não do dr. Carvalho da Silva, reconheça-se que a respectiva dívida remonta, pelo menos parcialmente, à antiga ditadura local, que as reservas locais de petróleo disfarçam, pelo menos parcialmente, o pavor dos investidores internacionais e que o cacique e, pelo menos parcialmente, a população locais apreciam caminhar de mãos dadas com Chávez e restantes sobas da região.
Em Portugal, nem sequer temos desculpas pífias para fugir à dívida. Porém, teríamos consequências certas, todas dramáticas, todas aparentadas da insolvência sem empréstimos nem retorno. Numa palavra, teríamos o caos, e o caos é um velho objectivo do sindicalismo que nos calhou em sorte (força de expressão). Num cenário "normal", o sindicalismo indígena, com as suas exigências e chantagens, também conhecidas como "luta", funciona por desgaste gradual. Num cenário em que meio mundo sugere que a crise será uma oportunidade, a CGTP passa à acção e aproveita para tentar rebentar com isto de uma vez. Nada de espantoso. A nossa lamentável situação actual é o resultado de inúmeros erros e delírios. Carvalho da Silva é o rosto de alguns deles. A respeitosa importância que por aí se lhe dedica é causa directa de alguns outros."
Alberto Gonçalves
sábado, junho 18, 2011
Porque amo o meu jornal"
Parece coisa pouca e, de facto, outro leitor contemporizou: "Porquê assassinar o Libération? Todos os jornais fazem o mesmo..." Voltou à carga o primeiro leitor: "Porque amo o meu jornal." Eu sei do que ele fala. Devo uma legenda ao Libération. Em 1978, era ele um jornal da esquerda da esquerda, publicou uma foto do político de direita Aldo Moro, retratado, olhos de medo, quando estava raptado pelas esquerdistas Brigadas Vermelhas. Legenda: "Quando uma vítima, qualquer que seja o seu lado, nos olha assim, é com ela que estamos." Um jornal são factos, uma missão e uma moral, quando se torna uma coisa burra é parte da nossa liberdade que se perde."
Ferreira Fernandes
Estado de choque
Portugal está num estado crítico tal que precisa de união e de coesão. E é por isso que o Governo tem de ter o benefício da dúvida, de ter o tempo e o espaço suficiente para mostrar o que vale. Vai tê-lo. Mas isso não esconde essa tal primeira impressão. A de que faltam figuras de Estado. A de falta de experiência. A de falta de um Catroga. Mas também as virtudes: a juventude. A capacidade técnica de muitos dos seus ministros. A da vontade de mudança que eles representam.
Dois exemplos: Assunção Cristas e Álvaro Santos Pereira. Os leitores do Negócios conhecem-nos bem, deram ambos entrevistas de fundo este ano neste jornal e foram enquadrados como esperanças políticas para o nosso País. Ei-las confirmadas. Mas a nova ministra da Agricultura nunca plantou uma batata na terra. E o novo ministro da Economia nunca geriu uma empresa na vida. Quer dizer que são erros de “casting”? Não. Quer dizer que arrancam sem terem a “autoridade natural” do seu lado. E só se tiverem consciência disso poderão impor-se, serem respeitados e fazerem parte da solução que Portugal encomendou a este Governo.
O contra-exemplo: Paulo Macedo. É economista, gestor, administrador de banco, foi director-geral dos Impostos. O novo ministro da Saúde nunca deu uma injecção a um doente e roga-se que nunca o faça, mas não haverá neste momento médico nem director hospitalar em Portugal que não esteja com medo da sua tesoura e bisturi. Porque Paulo Macedo tem do seu lado a autoridade da experiência passada e do seu sucesso reconhecido e aplaudido nas Finanças. Aqui não há qualquer equívoco: vem para cortar nas despesas da Saúde, onde se suspeita de haver uma espécie de “Face Oculta” nas compras de material, e onde há lóbis poderosos numa actividade que também é um negócio e que tem sido pior negócio do que muitos pensavam (basta ver o prejuízo da Caixa Geral de Depósitos nos seus hospitais). Macedo é uma escolha polémica e vai ser contestada mas é uma boa escolha precisamente por isso: o Serviço Nacional de Saúde português é um sucesso, mas é demasiado dispendioso. Paulo Macedo não vai tratar da Saúde, vai racionalizar o Serviço – vai mantê-lo Nacional (isto é, público)?
Outro exemplo: Nuno Crato. Como Paulo Macedo, é uma excelente escolha, mas tem de provar que sabe sair da academia para a política. É um “liberal” na educação, no sentido em que “liberal” significa premiar o mérito e acabar com o “eduquês”, que ele assumidamente abomina (e abomina bem). Aqui também não há dúvidas. Com Nuno Crato, quem chumbar chumba, quem estudar passa, os exames serão difíceis e as estatísticas serão portanto piores – mas os resultados serão talvez melhores. Haverá maior separação entre os bons e os maus alunos, espera-se que também entre os bons e os maus professores. Porque o nivelamento educacional valoriza a mediocridade, desincentiva o brilhantismo e nivela por baixo. Crato só não provou uma coisa: que tem cabedal que chegue para a pressão política brutal que, se fizer o que se espera, terá. Homem pacato, cordato, cordial, vai ter de ser um leão para aguentar.
Bom, demos agora um passo atrás. Politicamente, o Governo está assente num tripé: além de Passos Coelho, Paulo Portas e Miguel Relvas. Eles serão os chefes. Os chefes de uma equipa irrequieta e que promete reuniões de Conselho de Ministros muito agitadas. Várias das promessas políticas dos últimos anos estão lá (Mota Soares, Assunção Cristas). Vários críticos de políticas anteriores estão lá (Álvaro Santos Pereira, Nuno Crato).
Paulo Portas ocupa uma pasta essencial neste momento de intervenção e negociação externa permanente. Ele será uma espécie de primeiro-ministro fora de Portugal, como Luís Amado discretamente o foi durante os últimos muitos meses. Ele estará mais tempo a defender os interesses de Portugal em Bruxelas (e em Berlim e em Frankfurt) do que no Palácio das Necessidades.
Miguel Relvas será o biombo político de Passos Coelho dentro do País. Será o seu braço direito de ataque e o seu braço esquerdo de defesa, para um período que se adivinha de consensos difíceis e poucos duradouros. Porque como houve PEC do 1 até ao 4, também haverá uma espécie de vários MoU (memorandos de entendimento com a troika), que se adaptem às mudanças internas e externas do imprevisível situação económica e política. E isso significa acordos políticos permanentes - como na Grécia. Com provas dadas, Aguiar-Branco e Miguel Macedo farão parte dessa muralha política.
Pedro Mota Soares e Assunção Cristas foram dos melhores deputados da melhor bancada parlamentar da última semi-legislatura, a do CDS-PP. Pedro Mota Soares deixará agora a sua “scooter” para assumir uma área difícil, a da Segurança Social, numa fase de crescimento do desemprego e de corte de prestações sociais. Vai ter um orçamento muito difícil de gerir e tem do outro lado parceiros sociais que entrarão com vontade de lhe comer as papas na cabeça. Vai ter de mostrar que além de capacidade de trabalho, tem estofo político para não ser o peixinho no meio dos tubarões sindicais, em mares agitados de contestação social forte, esfomeada - e de esfomeados.
Paula Teixeira da Cruz é o oposto de Pedro Mota Soares. Com ela ninguém faz farinha mas isso não evita as mós do outro lado. A Justiça é o Rubicão deste Estado, é lá que estão alojados os maiores lóbis (incluindo o dos políticos) e Paula Teixeira da Cruz não tem do seu lado uma ferramenta essencial: a troika. O memorando da troika é fraco no que toca à Justiça, o que torna tudo demasiado vago. E Teixeira da Cruz será acusada de representar uma das cinco profissões jurídicas (a dos advogados, a que pertence) e de preferir outra (a dos magistrados do Ministério Público e do seu sindicato, dada a sua proximidade política a António Cluny). Teixeira da Cruz sabe o que é preciso. Terá o que é preciso?
Regressemos à área económica. Álvaro Santos Pereira é um macroeconomista, não conhece os gestores portugueses nem as nossas empresas. Por isso, hoje, os gestores das grandes empresas estão horripilados com esta escolha. Essa pode ser a vantagem deste viseense: a de partir sem compromissos nem conflitos. Mas é ele que terá pela frente o desafio mais radicalmente difícil: pôr a economia a crescer. Enfrentar os lóbis mais poderosos, que não são as das arruadas, os manifestantes ou os grevistas. São as pressões dos gabinetes. Das grandes empresas. Dos grandes sectores. Incluindo o espinhoso campo das Obras Públicas. E Álvaro Santos Pereira é mais liberal nos livros que qualquer outro ministro da Economia o foi nos últimos anos. Sê-lo-á também fora dos livros?
Deixamos para o fim o mais importante de todos os ministros de Passos Coelho: o das Finanças. Vítor Gaspar. Quem? Vítor Gaspar é um desconhecido dos portugueses e tem contra si a falta de força política. Mais: é um técnico brilhante mas nunca deve ter dado uma ordem nem mandado numa equipa. E isso tem de ser tão natural como a sede deste Governo em proceder a um “choque térmico” nas finanças públicas e a uma recuperação de imagem nos mercados financeiros. O nome que devia ser o mais forte e incontestado é, paradoxalmente, o mais desconhecido de todos. Gaspar sabe que foi uma segunda escolha (Vítor Bento recusou as Finanças; Catroga também recusou depois de ter sido convidado para a Economia e re-convidado para as Finanças). Que seja de primeira água. Que junte ao “saber fazer” a força do não deixar desfazer; de impor; de mandar. Porque Gaspar é desconhecido em Portugal mas reputado na Comissão Europeia e no Banco Central Europeu, o que neste momento é essencial. É um homem muito inteligente - precisará também de inteligência emocional para se impor na política.
O Governo arranca com o benefício de dúvida, que terá de converter em esperança para o País. Tem um grupo de gente boa e outro grupo de gente promissora, que tem de saber que ser timorato não é o mesmo que ser timoneiro. E tem muita gente brilhante no campo académico, onde impera o reino dos argumentos, mas vai ter de se impor no mundo político, onde vale tudo.
O País está em estado de choque. Precisa de um Governo contra o choque. E é por isso que o homem mais importante de toda esta equipa é Pedro Passos Coelho. Não teve toda a equipa que quis. Mas teve a equipa que o quis a ele. Que seja a equipa que todos precisamos.
Como se diz aos aviadores que partem para a batalha: Godspeed, senhores ministros. "
Pedro Santos Guerreiro
sexta-feira, junho 17, 2011
Porque o federalismo é inevitável
A situação actual não é excepção. Os ministros das Finanças do Euro (os que pensam…) e um ou outro chefe de Estado já perceberam que o Euro está num beco sem saída. E que as tentativas feitas para o tirar de lá não funcionam. Porque uma união monetária (gerida por uma instituição central) não pode sobreviver, no longo prazo, sem uma união orçamental. Com tudo o que isso implica: aprovação centralizada de orçamentos, transferências orçamentais, emissão conjunta de dívida pública (ou parte dela) e fiscalização da execução.
Daquelas ideias, as mais polémicas são a emissão de dívida e a fiscalização. Como convencer um eleitor germânico, holandês ou finlandês a pagar mais por dívida europeia (contaminada pelos "infecto-contagiosos") em vez de dívida nacional (mais barata)? Em teoria é simples: explicando-lhes que ou a União dá um salto em direcção ao federalismo (e que esse federalismo até protege melhor os seus interesses) ou… o Euro desaparece; e que se o Euro desaparecer, todos perdem. Só que isso implica que os chefes de Estado e de Governo ponham todo o seu peso por detrás desta ideia. Já (o tempo escasseia). O problema é que há gente que acha que o Euro pode sobreviver se os infecto-contagiosos forem corridos. Estão enganados: vão gerar um efeito dominó que só parará no seu quintal."
Camilo Lourenco
quinta-feira, junho 16, 2011
Eles mentem, eles às vezes perdem
Não é que uma larga maioria de portugueses decidisse, de repente e por mera cisma, abominar o pobre eng. Sócrates. Aconteceu apenas que uma larga maioria de portugueses percebeu, um tanto tardiamente, que a causa primordial da nossa penúria corrente não são as agências de rating, a sra. Merkel, a rejeição do PEC IV ou a maior crise internacional desde o Pleistoceno. Se estamos como estamos é, em grande parte, graças ao governante que, de hoje em diante, partilha com Santana Lopes e Mário Soares a dúbia honra de ser um primeiro-ministro em funções enxotado nas "legislativas".
Em seu abono, Soares pode invocar a confusão pós-revolucionária, e Santana pode lembrar que o Presidente da República de então o enxotara antes. O eng. Sócrates não pode invocar ou lembrar nada. Consagrado em período da dita normalidade democrática, contou com razoável cooperação de Cavaco Silva e, em certo período, contou inclusive com irrazoável cooperação do PSD, o qual apoiou, fundamentado num discutível "interesse nacional", sucessivos e inúteis planos de austeridade. Ao quarto plano, o PSD retirou o apoio e devolveu o PS actual à sua essência, uma coisinha pouco apta, pouco séria e prepotente.
Esses talentos combinados, aflitivamente evidentes na campanha, contribuíram para os resultados da noite de ontem, que a doçura "ecuménica" do discurso final não disfarçou. Quando o eng. Sócrates garantia que o País não precisa de "aventuras", os cidadãos acharam que o homem tinha razão e, atentos, votaram contra ele. Quando o eng. Sócrates afirmava a necessidade de um governo "responsável", os cidadãos concluíram que estava bem visto e, conscienciosos, votaram contra ele. Quando o eng. Sócrates defendia a importância de uma visão "realista", os cidadãos não duvidaram e, em conformidade, votaram contra ele. De desastre em desastre, o "invencível" eng. Sócrates das lendas terminou o seu reinado com a liberdade argumentativa de um detido pela polícia: tudo o que dissesse seria usado em seu prejuízo.
Significa isto que a rejeição do eng. Sócrates superou a adesão a Pedro Passos Coelho? Em suma, sim. A seu favor, o próximo primeiro-ministro teve apenas o relativo acerto exibido a partir do debate televisivo com o rival. O PSD do dr. Passos Coelho acabou a campanha com a exacta retórica que incompreensivelmente condenara em Manuela Ferreira Leite, ou seja, a denunciar o carácter daninho dos socialistas em fim de mandato. Mesmo face a um PS arruinado, a demora em acertar o tom quase lhe custava a vitória. O acerto permitiu-a.
Mas não permite muito mais. Dadas as circunstâncias, raras vezes houve tamanha discrepância entre as expectativas geradas por um Governo e as tarefas que se lhe impõem. As expectativas são baixas. As tarefas são desmesuradas. Fundamentalmente, exige-se que o PSD reforme meio País em três meses. O CDS saberá negociar a ajuda. A extrema-esquerda, se bem que coxa na legitimidade, já prometeu berrar na rua. E o PS, "partido do povo" e baluarte da "responsabilidade", avisara a várias vozes com a atabalhoada subtileza que o caracteriza que não dará descanso aos novos poderes se se sentir demasiado excluído deles.
Em nenhum sentido, pois, os senhores que se seguem gozarão do proverbial estado de graça. Conforme, na hora da consagração, Passos Coelho ajuizadamente reconheceu por diferentes palavras, a situação é desgraçada e, ao contrário do que pediu Cavaco Silva, não haverá governo à altura da crise. A crise é altíssima.
Na despedida, o eng. Sócrates garantiu que o seu consulado constituirá matéria dos livros de História. Não duvido. Rodeado dos intolerantes que sempre o acompanharam, o principal rosto de uma farsa sem muitos paralelos no Ocidente contemporâneo jurou que não perderia um minuto a reflectir acerca do passado. Acrescentou que a força do voto não equivale à força da razão. Eis o fiel retrato de um homem que não muda. Felizmente, em dois anos o País mudou. Goste ou não, terá de continuar a mudar, agora sob uma versão amplificada do sonho de Sá Carneiro: um governo, uma maioria, um presidente. E uma troika."
Alberto Gonçalves
quarta-feira, junho 15, 2011
Portugal já falhou
O espectáculo é comovente. Olham para o memorando da troika, coçam os neurónios e garantem que é a última oportunidade.
Mas antes de porem as mãos na massa, lembram-se de que há imensos obstáculos no caminho. O primeiro é a revisão constitucional, claro. Sem esse passe de mágica, nada feito. Não se pode mexer na Justiça, na legislação laboral, nos governos civis, nos despedimentos no Estado, no Serviço Nacional de Saúde e muito menos no corte drástico de freguesias e municípios. No meio deste imenso delírio, gritam uns para os outros e para o povinho ouvir que Portugal não pode falhar. É verdade.
Quem diz isto com fervor e a mão no peito são exactamente os mesmos que falharam em toda a linha e abriram caminho para esta desgraça. Não foi o povinho, que seguiu sempre a cartilha dos doutores. Abandonou a agricultura, as pescas e despovoou o Interior porque os que agora se lembram do campo e do mar os obrigaram a vir para as cidades vegetar em nome de políticas europeias que encheram as auto-estradas de jipes e o Litoral de mão--de-obra barata para os espertos do costume explorarem à tripa forra. Falhar ou não falhar já não é a questão. Por uma simples razão. Portugal já falhou"
António Ribeiro Ferreira
A ingerência
O sol que iluminava o sul da Europa foi tapado pela sombra da Alemanha. Todas as suas escolhas têm um lado negro. A Alemanha tornou-se o Darth Vader da Europa e do euro. Portugal começa a sentir isso na pele. A liberdade do País está empenhada a uma loja de penhores gerida pelo FMI e pela UE. Que, pelo que se lê, permite que os técnicos do FMI andem pelo Banco de Portugal como mestres-escola para ver se nos portamos bem. Abrimos a caixa e agora teremos de tentar agarrar à mão todos os males para os voltarmos a pôr lá dentro. Pandora não nos ajudará. Mas inevitavelmente reabriu-se a grande ferida que só cicatrizou politicamente porque França e Inglaterra, quando os seus líderes ainda se lembravam da II Guerra Mundial, tentavam por todos os meios amansar o músculo da Alemanha. Depois desta crise a confiança entre o sul da Europa e a Alemanha desapareceu.
O tiroteio de culpas disparadas pela Alemanha em direcção do sul, especialmente a Espanha, por causa da E.coli, mostra que o "Club Med" é o eixo do mal para a senhora Merkel e seguidores. Os prazos asfixiantes que a Troika impôs a Portugal e ao Governo que ainda se está a formar são tão simpáticos como a lâmina de uma guilhotina. Mas o problema maior é que a Troika está a começar a considerar Portugal como uma colónia indígena. Sabemos que as reformas não seriam feitas sem uma pressão forte. Mas quando elas se transformam numa ingerência sem pudores, é porque Pandora não quer fechar a caixa."
Fernando Sobral
terça-feira, junho 14, 2011
Portugal vai crescer...
2/ "Portugal vai não apenas sobreviver mas crescer", garante candidata ao FMI (mais aqui)"
Etiquetas: A alegria de viver neste politicamente correcto., atirem-nos areia para os olhos.
E a criminalidade continua a diminuir...
Etiquetas: atirem-nos areia para os olhos., Welcome to the European Texas.
Portugal, século XXI
Etiquetas: Nojo de país.
terça-feira, junho 07, 2011
"O preço do barril de crude descia 0,77% para 98,25 dólares em Nova Iorque, a registar a terceira sessão de recuos seguida, o que corresponde ao maior ciclo de perdas desde 6 de Maio, quando sofreu a quinta sessão de perdas. A condicionar o preço do petróleo estão as expectativas dos investidores quanto a uma eventual subida do nível de produção por parte dos países que formam a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) para repor os 'stocks' em falta por parte da Líbia.Parece que as tais economias emergentes só compram o Brent…
Em sentido contrário, o preço do barril de 'brent', que serve de referência para as importações portuguesas, avançava 0,58% para 115,14 dólares, em Londres (mais aqui)"
Etiquetas: "O povo é sereno", Paga tonho
Nada de novo...
2/ "Decidi convidar o líder do partido vencedor nas eleições para desenvolver diligências para apresentar uma solução governativa com apoio maioritário consistente na Assembleia da República... Terei que ouvir os partidos representados na Assembleia da República, o que penso fazer na próxima semana. Então o líder do PSD será indigitado, constituirá Governo e irá apresentá-lo. Depois será possível marcar a data da posse (mais aqui)" - Cavaco Silva em declarações aos jornalistas ontem à entrada para o Teatro S. Luiz.
E a criminalidade continua a diminuir...
2/ "A criminalidade em 2010 diminuiu 0,6% em relação ao ano anterior, num total de menos 2.458 crimes participados aos órgãos de polícia Criminal, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (mais aqui)"
Etiquetas: atirem-nos areia para os olhos.
Bloco recua seis anos e obriga a reflexão
O BE formou-se há 12 anos pela convergência de três correntes políticas: trostkista, maoista e pós-comunista. Na última década, alargou o seu eleitorado a uma parte não negligenciável do voto socialista de esquerda, atingindo cerca de 10% do eleitorado. A partir daí, falhou a capacidade de transcender o fundamentalismo inicial e fazer vir ao de cima uma linha política comprometida com o exercício prático do poder. Ontem, recuou 6 anos, volta ao seu eleitorado nuclear. Nestas circunstâncias, não há nada a esperar da anunciada reflexão que esta hecatombe eleitoral não deixará de provocar."
ANTÓNIO PEREZ METELO
segunda-feira, junho 06, 2011
Levantai hoje de novo...
Mais depressa do que sonhou. Com mais votos do que se pensava. Com a coligação preparada à nascença. Com um programa liberal. Com o País carente. Com a troika amigada. Pedro Passos Coelho já só depende de uma coisa: de si mesmo. Não é pouco. Mas já tem muito. Até porque o País virou à Direita. Ou virou as costas à Esquerda.
O PSD teve uma grande vitória, o PS teve uma derrota humilhante. Esta observação encerra outra, a de que a Direita tem hoje a legitimidade governativa que esbanjou com Durão Barroso e que não teve com Santana Lopes. Vinte anos depois da segunda eleição de Cavaco, há a primeira eleição de Passos Coelho. Com Cavaco em Belém. O "povo pá" só não lhe deu a maioria absoluta. Mas deu-lhe a folga suficiente para sair melhor que a encomenda. Para ser um primeiro-ministro forte, que trabalhe com a troika e não para a troika. Que não fique refém de Paulo Portas no Governo, nem de Cavaco Silva na Presidência.
Nem de José Sócrates no PS. A história que começou ontem terminou outra. Sócrates ruiu. É o primeiro primeiro-ministro a perder uma reeleição em democracia (Santana não havia sido eleito). Sai com um discurso digno, de um político que o será sempre que o deixarem e que o quiserem. Mas sai com o PS humilhado nas urnas. Deixando a esquerda no chão. E o País subjugado.
Nos próximos meses, uma numerosa matilha pontapeará Sócrates. O poder é assim, eflui. Muitos dos que o arrasarão agora não abriram a boca durante anos ou sentaram-se na mesma mesa, mas Sócrates não se pode queixar, foi ele que escolheu os seus aliados. Alguns serão agora aliados de Passos. Ontem, José Sócrates foi corrido do País. Varrido do PS. Como já se percebeu, o assunto não vai ficar por aqui. Portugal livrou-se de José Sócrates, mas José Sócrates não se livrou de Portugal. Que não seja por ajuste de contas.
Sócrates é agora um passado em que Portugal não pode ficar cismado. Pedro Passos Coelho é o novo futuro em que Portugal confiou. Desta vez, a Direita não se mascarou de centrão. Como escreveu Pedro Marques Lopes a meio da campanha, o programa eleitoral muda tanto a face do PSD que devia mudar-lhe o nome. Pedro Passos Coelho é liberal. Essa convicção será testada. Mas não foi dissimulada. E ganhou as eleições.
O discurso de ontem não foi o mais empolgante. Nem estavam milhares de pessoas no Marquês de Pombal. Mas isso não é necessariamente mau - foi de triunfalismo em triunfalismo que chegámos a este estado de estupor. Mas isso é um aviso a Passos Coelho: o "povo pá" já não tem ilusões. Já não suporta mais ter desilusões. Ontem, não passou um cheque em branco, fez um voto expresso: governem. Não basta cantar o hino: governe.
Passos Coelho vai ter o estado de graça mais curto de sempre. Sócrates teve mais de dois anos de boa imprensa, Passos pode não ter sequer dois meses. O País está sem graça, nada mais é de graça e até a sua graça pode mudar, com as placas da fronteira a passarem de azul para amarelo e no lugar de "Portugal" estar escrito "Em Obras de Reabilitação, prometemos ser breves". É desgraça mesmo.
Passos Coelho tem de fazer um Governo bom e depressa. Para cumprir o plano da troika já. Para resistir às pressões. Começando as que se movimentam na própria composição do Governo. Que seja a pensar nas consequências e não nas causaS. Que largue os equilíbrios estilo "cinco para mim, três para ti, um para o outro, outro para os de lá, três da loja e dois da fé". A receita tem de ser outra. Começando por dois ministros: o das Finanças e o da Justiça.
Passos tem o voto. Tem o conforto disfarçado da troika. É preciso coragem. Para fazer o governo rápido e bom; para ter grandes ministros; para fazer as privatizações bem, para destapar faces ocultas, destruir a corrupção mas não o Serviço Nacional de Saúde. Sobretudo: para não deixar substituir uma quadrilha por outra. Porque ela já está a agrupar-se. Como sempre. Se ele cede, ela apropria-se. Como sempre.
Os grandes líderes libertam-se das ameaças dos outros e dos seus próprios medos. Só um líder forte escolhe pessoas melhores do que ele próprio nas suas áreas. Pessoas que não lhe dizem a tudo que sim. É desses que Passos Coelho precisa. Não há Ernâni Lopes. Mas há muitos grandes ministros das Finanças no País. Até presidentes de bancos. Até presidentes de empresas. Haja coragem para fazer o convite. Haja coragem para aceitá-lo.
Os portugueses deram a Passos Coelho o poder que ele nunca teve. Incluindo o poder de detonar as críticas feitas amiúde, de inexperiência e de falta de autonomia face aos que o rodeiam. Foi Marco António Costa que lhe deu o PSD. Foi Miguel Relvas que o levou às urnas. Foi com a estratégia de Dias Loureiro que a campanha virou. Mas foi ele quem ganhou. E é agora ele quem será primeiro-ministro. Ele. Eleito. Pelo povo.
Não é só o poder que faz o homem. É também o homem que faz o poder. Tome-o, o poder. Agora use-o - Senhor Primeiro-Ministro."
Pedro Santos Guerreiro
O harakiri benfiquista
Ou seja, tudo o que deveria ter aprendido nos últimos anos, está novamente a pôr em causa. Quando se muda mais de meio plantel por época é porque se deseja cometer um harakiri pouco saudável. No meio de investigações sobre os contratos do sr. Roberto e do sr. Júlio César, o presidente encarnado, o sr. Luís Filipe Vieira acha que o clube se distraiu por ter andado em festa constante após ter ganho a Liga. É verdade. Poderíamos até dizer mais: começou a ser irresponsável ainda antes de a ganhar, pois era evidente que o sr. Di Maria e o sr. Ramires iam sair e não tratou, a tempo, de contratar jogadores à altura para os seus lugares. E quando, inevitavelmente, o sr. David Luiz foi embora, o que estava à mão era o sr. Jardel. Isto para já não falar desse milagre da engenharia financeira ou de visão empresarial, consoante a opinião, que foi a aquisição do sr. Roberto.
Ou seja: o Benfica, com o sr. Vieira mais ou menos perto do futebol, continua a ser um clube amador para quem deseja estar a lutar sempre pelo título e quer regressar em força aos palcos europeus. Para ter acontecido isso este ano o sr. Jorge Jesus teria de não ter pensado que era um enviado celestial à Terra e a equipa teria de não ter começado o campeonato sem substitutos à altura para quem tinha saído. Os erros pagam-se caro. E a miserável participação na Liga, na Liga dos Campeões e o estertor de uma equipa sem ideias e sem força física e anímica frente ao Sporting de Braga mostram que esta foi uma temporada perdida.
Para contrabalançar este desastre, o sr. Vieira promete estar mais perto do futebol encarnado, como se nunca tivesse tido nada a ver com ele. E está a operar mais uma das famosas tácticas desastrosas: compra-se meia equipa e empandeira-se outra metade. Este ano a política tem uma "nuance": com os apertos da UEFA o clube foi repescar alguns bons valores que tem tido a rodar noutros clubes. Mas que dificilmente terão espaço no 11 inicial que, mais uma vez, parecerá uma Legião Estrangeira sem uma espinha dorsal credível. Bastava o sr. Vieira olhar para o Barcelona e para o Real Madrid para perceber qual o modelo a seguir. Ou, simplesmente, bastava adaptar o que faz o FC Porto.
A acreditar na imprensa desportiva vão aportar à Luz mais uma dúzia e meia de craques de todas as nacionalidades, que não vão ser adquiridos porque é preciso um excelente defesa-esquerdo para colmatar a saída do sr. Coentrão, um médio direito para substituir o sr. Ramires (ou o sr. Salvio) e um defesa-central para o lado do sr. Luisão. O Benfica compra por atacado, sem rigor e, sobretudo, com pouca inteligência. Não é um clube de futebol. É uma loja dos 300."
Fernando Sobral
domingo, junho 05, 2011
Amas-secas
Embora pequeno na dimensão e na idade das vítimas, o episódio é simbólico do modo como se debatem os assuntos da educação, e não só da educação, em Portugal. Nem por um instante ocorreu ao jornalista e à luminária desta "direita" que nos calhou em sorte mencionar os deveres dos progenitores, os quais talvez sejam tidos e achados na matéria, seja no fabrico das crianças, seja nos cuidados que as crianças exigem. Sou eu que sou um perigoso "neoliberal" ou é legítimo esperar que, do momento da fecundação em diante, há outros protagonistas na história além dos poderes públicos e um bando de criaturinhas indefesas? Os pais não deviam ponderar em que condições procriam e em que condições armazenam os rebentos? As pessoas não são responsáveis pelo que fazem? Obviamente, não. E eu sou um perigoso "neoliberal".
Quanto ao caso da ama-seca, julgo que o motivo da indignação foi mesmo a sua ilegalidade. Desde que enfiadas em instituições certificadas pelo Estado, ninguém se indigna com as centenas de milhares de criaturas maltratadas por um sistema de ensino que as condena à radical ignorância. Algumas têm 50 ou 60 anos e frequentam as Novas Oportunidades e falcatruas similares. Pessoas de 50 anos não são crianças? O Estado discorda."
Alberto Gonçalves
sábado, junho 04, 2011
Dar cabo do ganha-pão
Deixava que a bola sobrevoasse a sua cabeça e as suas costas e quando se pensava que ela ia entrar na baliza, com os calcanhares cortava-lhe o perigo. Chamaram àquela jogada a defesa do escorpião, porque também este se defendia com a cauda. Esperava-se que o ponto alto de Higuita fosse o Mundial de 90, em Itália. A Colômbia chegou aos oitavos e deveria continuar: jogava com o fraco Camarões. A dado momento, Higuita saiu da sua área e deu-lhe para fintar Millá, um velho e astuto camaronês. Não fintou. E a Colômbia foi para casa. Mas ainda me lembro de Higuita. Também vou lembrar-me deste gesto atrevido na TAP, do fintar a crise com uma greve - a cauda do escorpião a picar o seu próprio ganha- -pão. A concorrente Ryanair também gosta de gestos soberbos: mandou dez rosas ao sindicato, uma por cada dia de greve da TAP."
FERREIRA FERNANDES
sexta-feira, junho 03, 2011
Podemos confiar num político assim?
Lembrei-me desta história depois de ver a versão final (FMI) do memorando acordado com a Troika. O documento, assinado pelo ministro das Finanças e pelo governador do Banco de Portugal diz, ipsis verbis, que o próximo Governo tem de fazer uma "major reduction" da Taxa Social Única (até final de Julho). Ora nos debates televisivos, o 1º ministro jurou que se chefiasse o próximo Governo apenas faria uma pequena redução da TSU. E mesmo assim, só depois de estudar o assunto. Como se não conhecesse o documento que o seu ministro das Finanças assinara. Documento que passou a valer como lei!
José Sócrates parece-se cada vez mais como o condutor que não queria cumprir a regra da prioridade. E o seu comportamento dá razão aos que perguntam se o país pode confiar num político que protagonizou tantos "casos": promessa de não governar com o FMI (de que se retratou nos debates), "aldrabices" na execução orçamental do 1º trimestre, redução de prazos (imposto pelo Ecofin) na execução de algumas medidas do memorando, facto ocultado ao país (para ficarmos só pela últimas semanas). A resposta, se as sondagens valem alguma coisa, promete ser clara."
Camilo Lourenco
Resumindo e concluindo
PSD: Foi o único partido que tentou levar a sério as medidas que assumiu com a troika. E foi o único que tentou debatê-las contra uma cortina de ruído e irrisão. Se Passos ganhar, terá sido pelo caminho mais sério – e mais difícil.
CDS: Portas é o mais talentoso político da sua geração. Mas as declarações ao ‘DN’ sobre a possibilidade de o CDS não integrar um governo de coligação com o PSD espantam pela sua absoluta falta de tino. Passos Coelho não esperava esta prendinha final.
BE: Louçã liquidou-se antes da campanha começar. Ao excluir qualquer encontro com a troika e ao apresentar uma moção de censura a brincar, o homem condenou o Bloco a uma irrelevância de feira.
PCP: Jerónimo foi Jerónimo e o PCP é o PCP."
João Pereira Coutinho
A vida horrível que Passos Coelho deseja. E vai ter
A pergunta - "engenheiro José Sócrates, vamos vê-lo, um dia, primeiro-ministro?" - é do DNA e data de Setembro de 2000. Como a resposta. Ao tempo, presumivelmente verdadeira.
Sócrates sai mal. Não fez tudo mal, mas perde sem honra ou pingo de glória. Porque fez mal, quando podia e devia ter sido recto. Um exemplo, recente: ele sabia e agora todos sabem que se comprometeu a um "corte substancial das contribuições patronais para a segurança social". Está escrito no memorando de entendimento com o FMI. Na procura do que não se deseja, nega-se uma baixa substancial da taxa social única que implica um aumento de impostos - é disso que se trata -, torce-se a realidade, diz-se que a coisa está em estudo. Ou seja, mente-se.
Sócrates sai azedo com um mundo que o descobriu - e quantas vezes o bajulou, da política, das empresas, das corporações, dos títulos: "Que grande primeiro-ministro!". E uma grande fatia desse mundo divide o tempo num tempo bom - que é sempre o do começo - e num tempo mau - que, normalmente, vem no fim. Vira costas e segue para o outro lado. Sócrates merece, porque, provavelmente, foi verdadeiro na resposta ao DNA. Há 11 anos.
Segue-se Pedro Passos Coelho. Não se lhe conhece - não conhecemos - qualquer queixume sobre a vida que procura. E vai encontrar. É um bom começo. Como não é mau, o exemplo, recente, para o exercício do cargo: não é para "dar empregos ao PSD". Tenhamos fé. Eles fazem fila. E já se atropelam. "
Raul Vaz
quinta-feira, junho 02, 2011
Um exercício de cidadania
De certo modo, porém, o lixo é bom sinal, na medida em que traduz a dificuldade dos partidos em atraírem gente para as suas pândegas. Se há aspecto comum às diversas campanhas em curso, é a opção por espaços acanhados, que mesmo assim custam a encher para efeitos televisivos. Incuráveis, as almas sensíveis preocupam-se com tamanho afastamento entre os cidadãos e a demo- cracia. Não têm razão: o afastamento é condição essencial para a democracia.
Fora as proibições de ajuntamentos públicos, não há nada tão Terceiro Mundo quanto os ajuntamentos públicos em que multidões abarrotam estádios e arenas a fim de louvar um mísero político. Só agora, 37 anos após Abril, experimentamos ao de leve as benesses para as quais Abril deveria ter sido feito: uma população desconfiada e avessa ao entusiasmo cego dos períodos pós-revolucionários. Finalmente começamos a perceber que, embora requeiram cautela, o voto ou a abstenção dispensam histeria e pobreza de espírito. Basta a outra."
Alberto Gonçalves
quarta-feira, junho 01, 2011
Privatizar: Telecom, águas e electricidade
Já que as empresas serão vendidas aos piores preços de sempre para os contribuintes, que se faça em benefício dos consumidores. Até porque os preços vão aumentar, de uma forma ou de outra.
Portugal gosta pouco de privatizações. Vai engoli-las como quem toma óleo de rícino: o troika manda. Fá-lo não porque um lóbi oculto de espanhóis, alemães ou franceses deseje comprar-nos as empresas - antes quisesse... - mas porque entende que empresas privatizadas custam menos ao Estado e favorecem a concorrência.
Telecomunicações, electricidade e águas - falemos destas privatizações, são infra-estruturas essenciais ao funcionamento da nação.
As telecomunicações são hoje essencialmente privadas, resta a "golden share" na PT, que foi usada uma vez, a pretexto do interesse nacional mas em benefício dos accionistas privados, que assim fizeram melhor negócio e, claro, "duty free". Um direito abusivo teve uma utilização abusada, salvando um punhado de accionistas das suas próprias misérias: em cada dividendo da PT ergue-se uma unidade de salvados. A troca foi forçar a PT a, depois de vender caro metade da Vivo, comprar caro um quarto da Oi.
O sector das telecomunicações tem hoje muito mais concorrência por causa de uma pessoa, Belmiro de Azevedo, que mesmo falhando a OPA obrigou a PT a partir-se em dois. Mesmo assim, uma das metades é muito mais forte que a outra (a Zon); mesmo assim, a troika quer mais concorrência nos telemóveis; e mesmo assim nunca se recorda o pior negócio que este País já fez: da caixa de maquilhagem dos défices saiu em 2002 (PSD/PP, Durão Barroso, Ferreira Leite) a venda da rede fixa à PT por 365 milhões de euros. Hoje vale quase quatro vezes mais.
Na electricidade, a venda da REN é mais polémica mas está salvaguardada, uma vez que a infra-estrutura continua do Estado - a concessionária é que é privada - e a regulação tem meios de intervenção. Não foi por ser cotada nem parcialmente privada que a REN teve pior desempenho. Pelo contrário, e não apenas melhores resultados financeiros. Hoje, o preço da electricidade comprado nos leilões (isto é, antes do botox todo que engorda as tarifas) é mais nivelado com o de Espanha porque foram feitos investimentos na rede; e não o é no gás por falta desses investimentos.
As águas: o "Público" recordou há semana e meia que em 2000 o Governo (PS, António Guterres, José Sócrates) defendeu a venda da Águas de Portugal. Na calha estaria a venda da AdP à EDP, para criar uma "multi-utilitie". O projecto não avançou e, pelo que se sabe hoje, ainda bem. Mas entretanto as águas foram partidas em centenas de concessões, empresas multimunicipais, PPP, o que hoje torna quase impossível fazer uma privatização.
Para privatizar as águas é preciso aumentar os preços. Heresia? Sim, parece. Sabe quão mais cara é a água nas empresas geridas em parcerias público-privadas? É 30% mais cara do que nas empresas do Estado. Lucros chorudos!, dirão. Mas não. Pergunte ao regulador, ele dirá: a água é demasiado barata em Portugal, não suporta os investimentos na rede nem cobre os custos da operação. Quem cobre? Os contribuintes. Para não aumentar os preços da água (e, já agora, os do lixo), as câmaras compensam com desvios de orçamento. A equação muda, mas a matemática é sempre a mesma: o que não paga o utilizador na factura, paga o consumidor por trás.
Há receios de cada vez que se fala de privatizações. Os trabalhadores, por exemplo, têm razões para isso: são sempre menos com patrões privados que trabalhando para o Estado. Mas nas redes de águas, telecomunicações e energia, o capital privado não tem feito mal. Pelo contrário, quando o Estado se mete é quase sempre para estragar. Com óptimos pretextos."
Pedro Santos Guerreiro
Não passar por eles no Rossio
Se se virem forçados a trabalhar, ainda por cima sob salários incompatíveis com o respectivo génio, os jovens em causa não poderão desenvolver os seus reais talentos, a saber: acampar em locais impróprios; destruir milheirais alheios; torturar os cabelos com dreadlocks jamaicanos; criar regulamentos e hierarquias e assembleias e burocracia e relatórios e logísticas e grupos de acção; fugir ao banho; não dominar sequer vagamente os temas que debatem; debater, debater sempre, debater muito, desde que cada participante possua a mesma e analfabeta opinião dos demais acerca do tema em debate.
Do divertido espectáculo, retive duas ideias, que cito literalmente: 1) "O FMI nem pensar, caraças! E ninguém vem para a rua? Porra!"; 2) "Não pagamos a dívida". Não vale a pena os jovens do Rossio preocuparem-se com a primeira, que o FMI já cá está. Quanto à segunda, a preocupação também é escusada: dado que não fazem nenhum, a dívida foi em parte contraída por causa deles e de outros como eles. Dado que não mostram tenções de fazer nenhum, não se espera que consigam pagar seja o que for, salvo as T-shirts em prol da Palestina e, claro, os dreadlocks jamaicanos. O resto da conta é connosco."
Alberto Gonçalves