Hoje dia de Norte fresco, transcrevo e coro de vergonha....
Qualquer coincidência com factos ou nomes é mera coincidência, excepto as verdadeiras e que constam de arquivos históricos.
Os factos constam de documentos “ Manuscritos da Academia das Ciências de Lisboa”
1. O recrutamento
…“Alcácer-Kibir sorvera a grande nobreza…”
“Recebeu Filipe II no Escorial a notícia do desastre português, enviada pelo duque de Medina Sidónia. Logo se apercebeu da importância e significado do acontecimento para a realização do seu sonho. Passou a Madrid, convocou o Conselho de Estado, e resolveu mandar a Lisboa emissário especial. Escolheu Cristóvão de Moura: decerto o Rei Católico se recordou de como este conseguiu aplanar atritos entre o Cardeal, então regente, e o Prior do Crato. Moura tinha 40 anos, e era português. Aceitou a incumbência de Filipe II: na sua resposta traça todo um plano de acção em Portugal: em suma, propõe que se vão « explorando os ânimos de todos, e abrandando-os»: mas reonhece ser isso tarefa fácil dado o «ódio geralmente que têm todos a esta nação». Nesse espírito se apresentou em Lisboa. Foi acolhido com suspeitas. Mas soube vencê-las: foi um génio da intriga e da corrupção. Caminhava na sociedade portuguesa «com pés de feltro e brandura». Mostrou-se compreensivo e pesaroso: no fim de contas era um português, um compatriota, que bem sentia o transe do reino, e vinha compartilhar do desgosto que era seu, pois também perdera parentes na jornada de África. E era essa a sua missão: exprimir o pesar do seu rei, e o seu, ao novo monarca pela morte de D. Sebastião. Mas com lucidez Cristóvão de Moura apercebe-se da decomposição geral do reino: e sugere para Madrid a necessidade de promover um partido castelhano.
Aparte pequenos espiões e intrigantes que Moura pagava, encontrou o seu primeiro grande apoio em Pedro de Alcáçova Carneiro. Este sempre servira com devoção a política espanhola de Catarina de Áustria, e agora, por despeito e ambição, colocara-se ao serviço de Filipe II. D. Henrique desterrou-o para para Torres Vedras. Mas nessa vila o iam encontrar Moura e os seus delegados. E Pedro de Alcáçova era pródigo de informações, de pareceres, sugestões, promessas: estava subjugado às seduções de Castela, embora apresentando o seu preço: «pois sua majestade ( o rei católico) sabe que o amo e que o desejei sempre servir, e ele saberá o que me deve fazer e o que por mim deve fazer» ( carta de Pedro de Alcáçova a Cristóvão de Moura). E directamente a Filipe II escrevia: « beijo os pés a Vossa Majestade por tudo a que o que nela me diz». E a primeira informação do antigo secretário de Estado era fundamental: o Cardeal-Rei tencionava convocar cortes em breve. Ficou sobressaltado Filipe II, e Moura aconselhou que fosse deslocando tropas para a fronteira. Mas o Rei Católico era contrário ao uso da força. Além do mais, o império espanhol enfrentava na altura embaraços sérios: nos Países-Baixos, na Flandres, no Brabante lavrava a rebelião: e o Duque de Alba e D. João de Áustria viam-se impotentes para a dominar. E era no plano político que devia prosseguir o projecto de Filipe II.
Moura actuar nessa base. O Cardeal-Rei ( …doente, velho e tíbio…)confirmara-lhe pessoalmente o propósito de reunir cortes; mas foi adiando a sua realização; e entretanto, embora de maneira não oficial, corriam os nomes dos pretendentes à coroa portuguesa, se o velho prelado morresse sem herdeiros. Eram numerosos: a Duquesa de Bragança, D. Catarina, sobrinha do cardeal, por ser filha do Infante D. Duarte, irmão daquele e de D: João III; D. António Prior do Crato, filho bastardo do Infante D. Luís, e portanto também sobrinho do prelado; Filipe II de Espanha, por ser fifilho de D. Isabel de Portugal e do Imperador Carlos V, sendo portanto neto de D. Manuel, como o eram D. Catarina e D. António; o duque de Sabóia, Manuel Felisberto, também neto de D. Manuel por sua mãe a infanta D. Beatriz; e Rainúncio, da casa de Parma, bisneto de D. Manuel, por ser filho da irmã mais velha da duquesa de Bragança. (…) Quantos reivindicavam a coroa receavam O Rei Católico.”
(…) Foi tentada a via do casamento do Cardeal-Rei, pedindo dispensa junto do Papa Gregório XIII, depois de ouvidos os físicos que afirmavam que apesar de velho e enfermiço ainda podia dar descendente. Mas a cúria romana favoreceu as pretensões de Filipe II: impedindo o casamento de Cardeal-Rei, o Pontífice sabia estar fortalecendo a posição política e legal do monarca castelhano.(…)
2. O recrutamento, porque Roma paga aos traidores
“Obtida a vitória junto da Santa Sé, Cristóvão de Moura voltou-se para a conquista das classes dirigentes do reino. E então seduziu, insinuou-se, subornou, infiltrou-se, , com tacto e argúcia e êxito que são prova do seu génio. Moura já obtivera a adesão eficiente de Pedro de alcáçova Carneiro, antigo secretário de Estado. E ia conseguir a de outros. Foi D. Jorge de Ataíde, capelão-mor e membro do Conselho de Estado, que pressurosamente transmitia a Castela os mais graves segredos do Estado. Numa carta a Moura, escreveu: « se é possível terem-me por vosso criado sem este nome folgarei muito, e quando tal não puder ser, é tão bom sê-lo que tomarei com paciência o nome de castelhano».
E foi D. Manuel de Meneses, quinto marquês de Vila Real, que dizia a Cristóvão de Moura, num bilhete: « Sabe deus quanto sinto não ter saúde para ir beijar as mãos a Vossa Mercê, mas será a próxima romaria que faça».(…) E foi D. João de Mascarenhas, herói do segundo cerco de Dio e agora ministro do Rei, que sugeria a Filipe II dever comprar os portugueses, de preferência a usar a força; e escrevia: « Adverti disto a Dom Cristóvão, para que os ofereça ( os meios pecuniários) com muita largueza, porque isto entendo que é o que Vossa Majestade quer, levar este negócio por bem e não por força, porque assim fica o estado mais seguro e escusar-se-ão mil trabalhos e escândalos que da força podem resultar». E foram outros ministros de D. Henrique e vogais do Conselho de Estado: Francisco Sá de Meneses, camareiro-mor, e Miguel de Moura, secretário de Estado. Apenas o confessor do Cardeal, o padre Leão Henriques, afirmou a Moura que não aceitava «outro juiz no mundo mais que el-rei meu senhor» (…)
Mas, além dos homens que ocupavam cargos oficiais eminentes, outros da grande nobreza se declararam por Filipe de Castela. D. Fernando da Silveira, da Ordem de Cristo, comoveu-se perante uma carta do Rei Católico e respondeu: quando fosse necessário algum serviço, pedia para ser avisado a fim de « que ninguém o faça com mais amor».
D. Rui Lourenço de Távora, capitão de Caparica; D. Pedro de Meneses Sotomaior; D. João Mendes de Vasconcelos, opulento nobre do Alentejo; Fernão Rodrigues de Almada, Provedor da Casa da Índia; (…) Eram tantas as adesões ao rei castelhano, e tantos os pedidos de dinheiro para subornos, que o seu embaixador oficial em Lisboa, conde de Ossuna, e Cristóvão de Moura, foram advertidos por Filipe II. (…) E está calculado que, em média, cada um dos nobres portugueses recebeu pelo menos dois mil ducados. (…)Na perspectiva do chapéu cardinalício mantém-se firme no seu portuguesismo o Bispo da Guarda. (…) representantes grados das classes intelectuais não deixaram de cooperar com o Rei Católico: os doutores Henrique Simões e Dinis Filipe, Dr Lopo Gentil, lente de Coimbra; Dr António de Castilho, conservador da Torre do Tombo e desembargador da Casa da Suplicação.. Destacou-se, porém, o Dr António da Gama, do desembargo do paço e do Conselho do Rei: àquele magistrado se deve a exposição jurídica que defende os direitos de Filipe II ao trono de Portugal; fê-lo a troco de mil cruzados pela consulta e de quatrocentos cruzados de pensão, e ainda de um alto lugar em Castela: e Moura pediu desculpa ao seu rei por « o não ter comprado mais barato». Foi tão útil D. António da Gama que Filipe II lhe manifesta pessoalmente gratidão pela « vontade e aficion que mostrais às minhas coisas, e serviço, o qual vos agradeço muito». (…)”
In “As crises e os homens” de Franco Nogueira 1971