A já requentada comichão de inquérito
Como já dizia Locke, o Poder Legislativo é o órgão supremo do Estado pelo que, sendo a base do Governo o consentimento dos cidadãos, para além da competência para legislar, lhe é conferido poder de fiscalizar os actos do Executivo. O método acabou por se configurar com os moldes das CPI. Com o evoluir do tempo, a fiscalização pelos parlamentos ganhou importância e a função legislativa propriamente dita perdeu-a, até porque o domínio do Governo pelas forças políticas coincide, normalmente, com a maioria parlamentar do momento e o contrário. Os poderes, muito amplos das CPI, definiram-se como "jurisdicionais", isto é, incorporando os poderes do 3º poder. Assim, o Executivo, na pendência destas Comissões, fica comprimido entre a função fiscalizadora do Legislativo e o poder definidor do Judicial. Desconfortável para os destinatários mas um sossego para os cidadãos, o Povo, onde, afinal, reside toda a legitimidade dos vários poderes.
A que ocorreu neste ano de 2010, insólita para os hábitos mornos nacionais, é a primeira do género, logo altamente inovadora, mas também de finalização claramente previsível. Funcionam não só os brandos costumes como também a conjuntura político-económica, a exigir que Sócrates vá perdurando até se consumir no lume brando das judiarias (1) que insiste em praticar e da diminuição da serventia ao serviço do eixo franco - alemão (aqui não tenho nada a opor, eu até prefiro o chamado "governo económico" europeu). E, então, o final foi inócuo, de acordo com os papéis atribuídos ao relator do Bloco, João Semedo, ao PSD (menos Pacheco Pereira mais o presidente Mota Amaral), PS/Ricardo "Cuidado com os gravadores" Rodrigues(2), e, com menor relevo, aos outros actores partidários. Em suma: um bocejo para o Povo (leia-se, o Telespectador soberano) e um simples irritante para Sócrates, ele também previsível na bojarda, mas não na sua ridícula intensidade. Uma vista de olhos:
Semedo, esse, esteve adequadamente igual a si próprio, um estimável político, de verbo elegante e raciocínio lógico, afastando-se dos reflexos condicionados ideológicos. Em vista do que ficou residualmente admissível como provado, era difícil outra conclusão, nas apertadas malhas da tipo de prova jurisdicional exigida, onde presunções lógicas cabem a custo. Além do mais, concluir de forma ajuizada, no circunstancialismo político em que ninguém quer derrubar o PM, revela um prudente e benquisto pragmatismo.
Já Mota Amaral, contrariando o parecer implícito do tribunal que fez o envio das escutas tendo o dever de salvaguardar a legalidade, deixa dúvidas na motivação, se em conluio com Passos Coelho, se convenientemente em protecção de Sócrates, no papel de corifeu do regime e do "status quo". Não ficou bem no vídeo da independência, mas permitiu a saída mais conveniente no momento, dentro do ponto de vista acima configurado.
Já Pacheco Pereira fez, de forma "abrupta", o seu número de rigor, em consonância com a ideia que as pessoas dele fazem: independente, credível, com tendência para partir Louçã, digo, louça (sem til). Quando no Outono, graças ao terminus do período do Segredo de Justiça, se souber do conteúdo das famosas escutas - que só podem incriminar Sócrates, ou não houvesse factos conhecidos de suporte e a disponibilidade de presunções naturais irrespondíveis - Pacheco vai naturalmente obter os créditos resultantes da sua extensa e provavelmente acertada conclusão. Então ele, além do mais, não escutou as escutas e as suas conclusões não vão ao encontro da decisão do Tribunal do envio das gravações?
No PS, pergunto se não havia melhor que Rodrigues para encarnar o papel de defensor do PM? Bastava tão só uma formulação ligeiramente diferente das conclusões para tornar aceitável a obrigatória posição do partido. Mas Ricardo, mesmo para os que se ruborizam com a triste figura dos outros, é um permanente embaraço, e não só quando surripia bens alheios invocando auto-defesa que as imagens gravadas desmentem.
No seu melhor esteve Sócrates reclamando pedido de desculpas da Comissão! Não fosse ele quem é, e eu retiraria a convicção de que as escuta não o comprometem ou, pelo menos, que o Segredo de Justiça não iria ser levantado a breve prazo. O grande princípio da " Guerra dos Sexos" e dos advogados de defesa, a saber, "Negue sempre tudo" foi posto em hipérbole com o sobrenatural pedido de desculpas pelos agravos. Mas, nestas coisas, não somos todos admiradores do engenheiro?
(1) Substantivo politicamente incorrecto, mas que se lixe.
(2) Este é o partido de Mário Soares, Almeida Santos, Vera Jardim, …?"
Fernando Braga de Matos