segunda-feira, novembro 30, 2009

Tramp

Inverno político.

"O PS não deixa de surpreender quando está em causa a sobrevivência do seu chefe máximo. O jogo agora é de vida ou de morte".

Nos tempos que correm os indígenas devem andar muito atentos às movimentações mais ou menos ocultas dos principais responsáveis do sítio. O fogo-de-artifício é imenso, vem de todos os lados e importa perceber quem anda por aí a lançar foguetes para distrair a malta e desviar as atenções do essencial.

No meio deste imenso lamaçal, com o senhor presidente relativo do Conselho cada vez mais acossado, cheio de medo que um dias destes apareçam na Comunicação Social as suas brilhantes conversas com o seu grande amigo Armando Vara, por certo pérolas dignas de ficarem devidamente registadas nos anais da democracia, o Partido Socialista dispara para todos os lados e une-se com o único objectivo de condicionar, ameaçar e prevenir o imenso Inverno que está para chegar à política portuguesa e, obviamente, ao Estado de Direito. E, como o desespero não é normalmente um bom conselheiro, eis que dirigentes de peso do partido do senhor presidente relativo do Conselho vêm a público dizer que o verdadeiro problema da Justiça não é a corrupção, a interferência do poder político nas mais altas instâncias judiciais, a intervenção directa de gabinetes ministeriais na economia e nos negócios.

A grande questão, dizem, é o segredo de Justiça. Isso mesmo. É preciso combater as fugas de informação que descobrem os podres de tanto agente político que anda por aí a fingir que é digno de ocupar lugares públicos. E, para isso, o partido do senhor presidente relativo do Conselho está disposto a mudar não só a legislação, como a dar mais meios ao senhor procurador--geral da República e ao Ministério Público para que possam caçar e castigar os criminosos que divulgam factos e situações que põem a nu a porcaria que anda por aí a conspurcar as instituições e o próprio regime.

É evidente que este objectivo não pode espantar ninguém que vive neste sítio endividado até aos cabelos, pobre, deprimido, manhoso e cada vez mais mal frequentado. O contrário é que seria extraordinário. O partido do senhor presidente relativo do Conselho quer tapar o sol com a peneira com medidas repressivas sobre a Comunicação Social, pressões sobre magistrados e, claro, ameaças aos próprios empresários do sector. Descer mais baixo é difícil, mas tudo é possível. Até porque o Partido Socialista não deixa de surpreender quando está em causa a sobrevivência política do seu chefe máximo. O jogo agora é mesmo de vida ou de morte. Política, claro
."

António Ribeiro Ferreira

O carrasco da lei

"O universo judicial tornou-se um território onde as nuvens de gás lacrimogéneo ameaçam cegar o essencial e iludir o acessório. As sinuosas palavras do ministro Vieira da Silva serviram para transformar os juízes e os magistrados numa espécie de queijo e fiambre de tostas mistas. Se ligarmos as acusações de "espionagem políticas" às declarações de Jorge Lacão sobre o "maior problema" da justiça, o crematório está montado para o que a classe política prepara para o futuro próximo. Juízes, polícias e jornalistas são, para o poder político, os culpados de tudo.

Porque a corrupção só existe se for investigada e divulgada. O argumento da série "Os Tudors" parecerá, ao pé disto, uma comédia infantil. Até porque parece evidente que os problemas com o segredo de justiça só começaram quando o Face Oculta deixou de estar circunscrito aos investigadores. Ao contrário do que o poder político insinua. Como se esta comédia de enganos não terminasse aí, há outros pormenores caricatos. Um dos advogados de defesa de José Penedos é membro do CSM, que aprecia e dá notas aos juízes (incluindo os que investigam este caso). É isto lógico? O poder político quer xerifes maleáveis, e não homens-da-lei actuantes. É por isso que as leis criadas, como a reforma feita há dois anos, e que se quer reformar outra vez, têm servido para complicar a justiça. Há 250 anos, Cesare Beccaria, em "Dos Delitos e das Penas", dizia que "a obscuridade das leis" cria "o mais cruel carrasco". É deste carrasco que o poder político continua à procura
. "

Fernando Sobral

domingo, novembro 29, 2009

A Tout Le Monde

Foi para isto que se fez o 25 de Novembro?

"A consagração da carreira de Jaime Neves não foi a promoção a major general, há meia dúzia de meses, mas o comentário de Vasco Lourenço à promoção: "Uma ofensa aos militares de Abril e ao próprio 25 de Abril."

Claro que, tecnicamente, Jaime Neves também pode ser considerado um "militar de Abril". Sucede apenas que não se empenhou o bastante nos delírios que se seguiram ao dia 25, além de que, a partir de certa altura, os combateu activamente e, dezanove meses depois, ajudou a derrubá-los. Se quisermos recorrer ao cancioneiro da época, Jaime Neves destruiu o "sonho lindo" trauteado por José Mário Branco, um sonho que em português corrente consistia na transformação do país num entreposto da URSS ou, mais precisamente, numa réplica europeia da Havana que Otelo visitara a título pedagógico no meio do "Verão quente".

A história é velha: o 25 de Novembro de 1975 varreu, pelo menos formalmente, o PCP do poder que havia usurpado e entregou os destinos da república, pelo menos formalmente e de facto pela primeira vez, à escolha livre e universal do eleitorado. Isso talvez justifique a estátua de Jaime Neves que, entre a sincera homenagem e a ligeira paródia, os elementos do blogue 31 da Armada colocaram à porta do Campo Pequeno, em alusão aos que quiseram encerrar lá dentro a "burguesia".

Falta apurar se a (horrenda) estátua assinala uma vitória real da democracia ou se, à semelhança da extrema-esquerda quando celebra "Abril", o blogue 31 da Armada e os democratas à direita andam a festejar uma série de intenções por realizar ou, no mínimo, toscamente realizadas. Dado que o pior pesadelo é preferível ao "sonho lindo", não comparo o regime proposto (com maus modos) pelo PREC ao que se seguiu: comparo a euforia perante o contragolpe de há 34 anos com aquilo que há 34 anos temos. A verdade é que uma pessoa olha em volta e vê: um Estado absolutista, uma economia falida, uma justiça dúbia, uma política fraudulenta e, em suma, o atraso de sempre enfeitado com os pechisbeques informatizados de hoje. Foi para esta glorificação do socialismo "moderado" que se fez o 25 de Novembro? Jaime Alberto Gonçalves das Neves, um notável anticomunista com quem partilho a origem transmontana e um belo par de nomes, já respondeu que não. Ignoro as razões dele. Eu tenho as minhas. Você terá as suas. Comemorar o mal menor é que não indicia razão nenhuma
. "

Alberto Gonçalves

A ressaca

"O governo mostrou sinais de apoplexia com o comportamento da oposição. Mas que fez a oposição para gerar semelhante crise? Simples: opôs-se. Para sermos exactos, aprovou 13 diplomas que, entre outras benesses, adiam o novo Código Contributivo e prometem suspender, ou até extinguir, o admirável pagamento especial por conta, uma espécie de saque fiscal antes do tempo.

Por outras palavras: se a nossa política económica se resume a um assalto contumaz ao bolso do contribuinte, a oposição fez o favor de a interromper. Um gesto caridoso que devia obrigar o governo a puxar pela cabeça e a mudar de vida. Como? Repensando as suas despesas e a forma como atrapalha ou condiciona a livre criação de riqueza entre nós.

Infelizmente, o governo optou pela lamúria. É a típica reacção do toxicodependente quando privado da sua dose
."

João Pereira Coutinho

Rompuy é o homem certo

"A União Europeia exaspera qualquer pessoa: carece de ambição, tem falhas ao nível da coordenação e uma forte propensão para nos desiludir, a nós, cidadãos europeus.

Na semana passada, porém, foi dado um passo positivo com a nomeação de Herman Van Rompuy, primeiro-ministro belga, e de Catherine Ashton, comissária europeia para o Comércio, para os cargos de Presidente do Conselho Europeu e de Alto Representante para a Política Externa, criados pelo Tratado de Lisboa.

A opinião dominante considera que a representação e a comunicação são os dois principais problemas da União Europeia (UE). Discordo. Os verdadeiros problemas são: inaptidão para definir metas políticas comunitárias; incapacidade de concretização; e, acima de tudo, fraca coordenação e gestão de crises. Resumindo, a UE temproblemas que exigem um tipo de liderança específico.

Há um ano, a UE falhou na resposta à crise financeira. A Comissão Europeia enfiou a cabeça na areia; Nicolas Sarkozy, que então assegurava a presidência rotativa da UE, não foi capaz de gizar uma estratégia de cooperação com Angela Merkel; e não restava mais ninguém para traçar um rumo. Escrevi, na minha última crónica, que acredito na melhoria das relações franco-alemãs. Condição necessária mas insuficiente para ressarcir o governo ao nível da União.

Acredito igualmente nas qualidades de Rompuy, cujo trabalho como primeiro-ministro tem sido notável. Antes de assumir o cargo, há um ano, a Bélgica vivia uma grave crise institucional. Chegou-se a falar de uma separação entre Valões e Flamengos, do fim do país como o conhecemos. Rompuy conseguiu, em menos de um ano, unir as duas facções antagónicas no seio da sua volúvel coligação multilingue.

Os críticos alegam que a Bélgica é um país pequeno com pouco mais de dez milhões de habitantes e que, por isso, não é comparável ao colosso europeu, cuja população ronda os 500 milhões. No entanto, e tal como a UE, é um país linguística e culturalmente dividido. Rompuy conseguiu unir uma coligação ampla e fracturada. Ora, é precisamente esse o papel do presidente do Conselho Europeu.

Terá a UE abandonado a sua ambição de liderança global ao nomear Rompuy? Quer isto dizer que nos esperam mais dez anos de "umbiguismo"? Não me parece. Na próxima década não teremos de debater, negociar ou ratificar grandes tratados. Teremos, sim, de melhorar o funcionamento da UE, o que implica aceitar maior responsabilidade global. E para resolver a questão controversa e ridícula da sobre-representação da Europa em organizações internacionais, teremos de empenhar-nos num processo político sério que permita introduzir mudanças políticas e legais em diversos estados-membros. A UE não precisa de um presidente que finja representar uma Europa unida.

Sabemos que Rompuy tem algumas das qualidades necessárias para resolver as actuais lacunas da UE. Até pode falhar mas, até lá, estou disposto a dar-lhe o benefício da dúvida
."

Wolfgang Münchau

sábado, novembro 28, 2009

No More Heroes

Espionagem à Portuguesa

"A espionagem é a prática que consiste na recolha de informações de carácter secreto ou confidencial, dos rivais ou inimigos, sem autorização destes, com o fim de alcançar certa vantagem política, económica ou militar. Confesso que gosto da palavra espionagem, porque cria em mim um certo frenesim. Palavra de enorme significado histórico, que traz à memória os tempos da Guerra-Fria.

O termo ‘espionagem’ convive mal com o nosso léxico. Já na II Guerra Mundial os nossos ‘espiões de trazer por casa’ fizeram uma figura triste, porque se dedicaram a esta prática por dinheiro e não por ideias ou convicções. Um boa espionagem até que sabe bem. Exige um guia de truques, de tácticas e de ilusionismo. Mas a tese urdida pelo nosso ministro Vieira da Silva, esta, sim, de verdadeira contra-espionagem, é que deve ser repudiada, no que à Justiça diz respeito. Nunca soubemos ser espiões de coisa alguma, a não ser das sandes de couratos que são vendidas em qualquer rulote. Por isso, não é para levar a sério o que disse aquele membro do governo Sócrates.

Espião político, à moda portuguesa, que espia outro político, tem cem anos de perdão. Espião político, que espia os actores principais da Justiça, que a tenta condicionar ou intimidar e que não aceita o seu escrutínio, julgando-se acima da lei, merece condenação e reprovação social dos portugueses. Uma coisa é a capacidade de nos indignarmos, outra, bem diferente, é torpedear e atropelar as competências de cada um dos órgãos de soberania. Falar em espionagem política, embora seja um exagero, faz parte da disputa ou do jogo político e ideológico entre partidos. Falar de espionagem judiciária ou emboscada judiciária é meter a foice em seara alheia e isso não fica bem a um membro do governo.

O respeito pelo princípio da separação de poderes obriga a esclarecimentos públicos, sobre a espionagem judiciária, que é a que nos interessa, porquea outra pertence ao universo da política partidária. Se existem informações a este nível e contra a lei, praticadas pelos tribunais, que se divulguem, porque é informação de relevante interesse público; se não, que essas vozes se calem para sempre. O tacticismo político-partidário e a defesa da família política, com fins pouco transparentes, não justificam nem legitimam que se tente pressionar ou impedir a acção dos tribunais.

Mas reconheço que é chegada a altura de o Ministério Público prestar contas da violação do segredo de justiça e de produzir resultados visíveis, e com eficácia, nos processos mais mediáticos, que são estes que conferem a boa ou má imagem da Justiça
."

Rui Rangel

Os boys de Guterres

"O PROCESSO chamado ‘Face Oculta’ tem as suas raízes longínquas num fenómeno que podemos designar por ‘deslumbramento’.

Muitos dos envolvidos no caso, a começar por Armando Vara, são pessoas nascidas na Província que vieram para Lisboa, ascenderam a cargos políticos de relevo e se deslumbraram.

Deslumbraram-se, para começar, com o poder em si próprio.

Com o facto de mandarem, com os cargos que podiam distribuir pelos amigos, com a subserviência de muitos subordinados, com as mordomias, com os carros pretos de luxo, com os chauffeurs, com os salões, com os novos conhecimentos.

Deslumbraram-se, depois, com a cidade.

Com a dimensão da cidade, com o luxo da cidade, com as luzes da cidade, com os divertimentos da cidade, com as mulheres da cidade.


ORA, para homens que até aí tinham vivido sempre na Província, que até aí tinham uma existência obscura, limitada, ligados às estruturas partidárias locais, este salto simultâneo para o poder político e para a cidade representou um cocktail explosivo.

As suas vidas mudaram por completo.

Para eles, tudo era novo – tudo era deslumbrante.

Era verdadeiramente um conto de fadas – só que aqui o príncipe encantado não era um jovem vestido de cetim mas o poder e aquilo que ele proporcionava.

Não é difícil perceber que quem viveu esse sonho se tenha deixado perturbar.


CURIOSAMENTE, várias pessoas ligadas a este processo ‘Face Oculta’ (e também ao ‘caso Freeport’) entraram na política pela mão de António Guterres, integrando os seus Governos.

Armando Vara começou por ser secretário de Estado da Administração Interna, José Sócrates foi secretário de Estado do Ambiente, José Penedos foi secretário de Estado da Defesa e da Energia, Rui Gonçalves foi secretário de Estado do Ambiente.

Todos eles tiveram um percurso idêntico.

E alguns, como Vara e Sócrates, pareciam irmãos siameses.

Naturais de Trás-os-Montes, vieram para o poder em Lisboa,inscreveram-se na universidade, licenciaram-se, frequentaram mestrados.

Sentindo-se talvez estranhos na capital, procuraram o reconhecimento da instituição universitária como uma forma de afirmação pessoal e de legitimação do estatuto.


A QUESTÃO que agora se põe é a seguinte: por que razão estas pessoas apareceram todas na política ao mais alto nível pela mão de António Guterres?

A explicação pode estar na mudança de agulha que Guterres levou a cabo no Partido Socialista.

Guterres queria um PS menos ideológico, um PS mais pragmático, mais terra-a-terra.

Ora estes homens tinham essas qualidades: eram despachados, pragmáticos, activos, desenrascados.

E isso proporcionou-lhes uma ascensão constante nos meandros do poder.

Só que, a par dessas inegáveis qualidades, tinham também defeitos.

Alguns eram atrevidos em excesso.

E esse atrevimento foi potenciado pelo tal deslumbramento da cidade e pela ascensão meteórica.

QUANDO o PS perdeu o poder, estes homens ficaram momentaneamente desocupados.

Mas, quando o recuperaram, quiseram ocupá-lo a sério.

Montaram uma rede para tomar o Estado.

José Sócrates ficou no topo, como primeiro-ministro, Armando Vara tornou-se o homem forte do banco do Estado – a CGD –, com ligação directa ao primeiro-ministro, José Penedos tornou-se presidente da Rede Eléctrica Nacional, etc.

Ou seja, alguns secretários de Estado do tempo de Guterres, aqueles homens vindos da Província e deslumbrados com Lisboa, eram agora senhores do país.


MAS, para isso ser efectivo, perceberam que havia uma questão decisiva: o controlo da comunicação social.

Obstinaram-se, assim, nessa cruzada.

A RTP não constituía preocupação, pois sendo dependente do Governo nunca se portaria muito mal.

Os privados acabaram por ser as primeiras vítimas.

O Diário Económico, que estava fora de controlo e era consumido pelas elites, mudou de mãos e foi domesticado.

O SOL foi objecto de chantagem e de uma tentativa de estrangulamento através do BCP (liderado em boa parte por Armando Vara).

A TVI, depois de uma tentativa falhada de compra por parte da PT, foi objecto de uma ‘OPA’, que determinou a saída de José Eduardo Moniz e o afastamento dos ecrãs de Manuela Moura Guedes.

O director do Público foi atacado em público por Sócrates – e, apesar da tão propalada independência do patrão Belmiro de Azevedo, acabou por ser substituído.

A Controlinvest, de Joaquim Oliveira (que detém o JN, o DN, o 24 Horas, a TSF) está financeiramente dependente do BCP, que por sua vez depende do Governo.


SUCEDE que, na sua ascensão política, social e económica, no seu deslumbramento, algumas destas pessoas de quem temos vindo a falar foram deixando rabos de palha.

É quase inevitável que assim aconteça.

O caso da Universidade Independente, o Freeport, agora o ‘Face Oculta’, são exemplos disso – e exemplos importantes da rede de interesses que foi sendo montada para preservar o poder, obter financiamentos partidários e promover a ascensão social e o enriquecimento de alguns dos seus membros.

É isso que agora a Justiça está a tentar desmontar: essa rede de interesses criada por esse grupo em que se incluem vários boys de Guterres.

Consegui-lo-á?

Não deixa de ser triste, entretanto, ver como está a acabar esta história para alguns senhores que um dia se deslumbraram com a grande cidade
."

JAS

Cabala.

"O líder parlamentar do PS veio a público, no domingo, lançar a tese de mais uma cabala congeminada contra os socialistas: «Assistimos nas últimas semanas à tentativa de decapitação política doGoverno e doPS».Tese essa entremeada de acusações disparadas em todas as direcções e visando, emparticular, os magistrados judiciais. O regressado Francisco Assis regressou, pois, meia-dúzia de anos ao passado: aos pantanosos temposdasdesnorteadas reacçõesdo PS às ‘cabalas’ que tentou imputar ao processo Casa Pia. ASSIS veio assegurar-nos que, depois da nota do procurador- -geraldaRepública, ilibandoJosé Sócrates de indícios incriminatórios nas escutas em que foi interceptado comArmandoVara, «não há agora nenhuma razão para que subsista amais pequena dúvida»ou suspeita sobre o primeiro-ministro.

Ora, utilizando a terminologia do próprio José Sócrates, o mais que se poderá dizer é que não há nenhuma razão oficial, dada a posição doPGR, para que subsista qualquer dúvida formal sobre a conduta e o teor das conversas do primeiro-ministro. RELEMBRE-SE que Sócrates, confrontado há dias com a contradição entre o que discorreu telefonicamente com Vara sobre a TVI e o facto de, meses depois, ter negado no Parlamento estar a par do que quer que fosse sobre a mesma TVI, explicou com singeleza: «Uma coisa é, naturalmente, discutirmos com amigos, como fiz, relativamente a notícias que são publicadas nos jornais e a conhecimentos informais; outra coisa é, como disse no Parlamento, como primeiro- ministro, o conhecimento oficial desse negócio» entre a PT e a TVI.

Ou seja, Sócrates teria um conhecimento informal e não oficial do que disse ao Parlamento, formal e oficialmente, desconhecer. Com as escutas passa-se o mesmo. Não se quer que subsistam razões oficiais para manter dúvidas formais sobre aquilo que o PGR decidiu não configurar um indício de crime de Sócrates contra o Estado de Direito. Ainda que o procurador e o juiz de instrução de Aveiro tenham entendido o contrário. Subsistirão, por isso, imensas razões não oficiais e inúmeras dúvidas informais sobre este caso. O que não é bom para Sócrates. Nem para o PGR
."

JAS

Aves raras.

"Por falar em urgência, haja quem, também depressa, ponha ordem nos casos que enlameiam o país.

A ‘Face Oculta’, esta semana, conheceu novos e preocupantes desenvolvimentos.

Afinal, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o procurador-_-geral da República enredaram-se sem razão alguma nem sentido em declarações públicas sobre as conversas gravadas entre Armando Vara e José Sócrates, no âmbito das escutas realizadas ao primeiro pelos investigadores de Aveiro.

Noronha do Nascimento – ficou finalmente a saber-se – já tinha decidido no princípio de Setembro qual o destino que devia ser dado às certidões extraídas do processo que lhe tinham sido enviadas por Pinto Monteiro.

Mandou-as destruir. Às certidões e não às escutas, porque essas, como explicou o penalista Costa Andrade em sábio artigo de opinião publicado no Público de quarta-feira passada, são «irritantemente» válidas para o processo da ‘Face Oculta’.

Noronha do Nascimento e Pinto Monteiro não andaram simplesmente num jogo de pingue-pongue de responsabilidades ou a atirar a batata quente das mãos de um para o outro, como aqui escrevi na semana passada.

Confrontados com as escutas ao primeiro-ministro e chamados a intervir, demonstraram não estar à altura dos cargos que desempenham.

Pinto Monteiro levou quase dois meses a despachar para Aveiro a decisão que Noronha do Nascimento já lhe comunicara em 3 de Setembro sobre as duas primeiras certidões em causa. De permeio, em 27 de Setembro, houve eleições legislativas e, em 11 de Outubro, eleições autárquicas. E a decisão de Noronha do Nascimento sobre as ditas certidões só foi conhecida no sábado passado. Dois dias depois da reeleição do presidente do Supremo Tribunal de Justiça (ele, claro).

Coincidências.

Permanecem, porém e bem, as querelas e discussões jurídico-constitucionais sobre o acerto do comportamento do pocurador-geral da República e do presidente do Supremo.

Noronha do Nascimento decidiu sobre matéria para qual não teria competência? Responde o presidente do supremo que «o tribunal é que fixa a sua competência» – leia-se, in casu, ele próprio, como decisor único.

Desde quando os tribunais podem ignorar a lei e a Constituição e fixar a sua própria competência?

E, perante tamanha insensatez, o procurador-geral deixou passar o prazo de recurso? Com que propósito?

Sem mais respostas, o que um e outro fizeram foi sobrevalorizar-se e ceder a interesses que ambos consideraram mais altos do que a Justiça.

E a ela, assim, prestaram um péssimo serviço
."

MRAMIRES

sexta-feira, novembro 27, 2009

TRAIN IN VAIN

Ópio democrático.

"As escutas permanecem no limbo judicial, os escutados remetem-se ao silêncio e o país entra na mais patética estagnação lorpa.

Agora vem o governador do Banco de Portugal e sugere que a crise orçamental obriga a uma subida de impostos. Logo o primeiro-ministro desautoriza o governador e sossega a nação garantindo que os impostos não sobem. Não satisfeito e pleno de reverência institucional, o governador recua e confirma a desautorização. Portugal está transformado no país das meias verdades e das meias mentiras, tudo coberto por uma enorme nuvem de ópio que envolve uma multidão de gatos pardos.

O país está mais do que endividado, o ‘deficit' alcança uma liberdade descontrolada, a despesa espreita com uma rigidez metálica, o desemprego prospera e o crescimento económico é o pequeno polegar da família nacional. Mas na aparência, Portugal vive no mundo optimista do dr. Pangloss onde tudo é normal e onde tudo corre de acordo com um plano perfeito. Diga-se que o país está quase falido, parado e estático no lado curvo de um espelho que tudo deforma e transforma.

No centro da comédia democrática, os portugueses exibem uma passividade chocante, talvez fruto da miséria ou do medo de um futuro desgraçado. Enquanto o primeiro-ministro passeia o optimismo voluntarista de sempre, o país cai numa letargia política em que a realidade é substituída pelos sonhos pacíficos e psicadélicos do ópio. Mas já não é o ópio dos intelectuais em busca da religião do progresso, apenas uma peculiar imobilidade associada aos movimentos mínimos da resignação.

No Portugal democrático não existe pessimismo, nem crítica, nem palavras ou actos de revolta. Quanto ao PSD, vegeta entretido a devorar as próprias mãos. Quanto à Esquerda radical, agita-se no vácuo de uma agenda social. No entanto, subsiste uma lamúria longa e lenta que cobre a terra de norte a sul. Em versão imaginada, Portugal é a bela adormecida que espera eternamente pelo beijo redentor. De tanto esperar o país atrasou-se em relação à Europa e arrisca-se a perder o ‘timing' do desenvolvimento e do progresso.

Portugal é dominado por uma interpretação escolástica da política e do estado geral da nação. Primeiro vem a ideia de que o país nunca perde no concerto internacional. Depois vem o argumento da falta de sorte que contrasta com a injusta felicidade dos outros. Depois surge finalmente a dúvida logo dissipada com a convicção de que Portugal é um país diferente dos restantes e que se rege por um conjunto alternativo de valores.

Falta a coragem para olhar uma realidade falida e decadente e afirmar que algo de errado se passa em Portugal. Esta é a responsabilidade da política, esta é também a responsabilidade dos portugueses.
"

Carlos Marques de Almeida

A longa noite dos bancos mortos-vivos

"Não há meio do esqueleto do BPP sair do armário do Estado. O Governo prepara-se para renovar o aval ao empréstimo ao banco, que assim agoniza em prestações de seis em seis meses. O BPN devia ter sido salvo e não faliu. O BPP devia ter falido e foi salvo. Sobram dois buracos, a tapar com o mais silencioso dinheiro do mundo: o de contribuinte.

Passou mais de um ano. O Governo teve o primeiro instinto correcto, quando disse que o BPP não tinha risco sistémico e que teria de ser resolvido entre accionistas e clientes. Entre aldrabões e aldrabados. Depois de mudou de opinião. Avalizou um empréstimo. E nunca mais se livrou do problema. Nem livra.

Oficialmente, o Governo decidiu avalizar 450 milhões porque não corria riscos: tinha como garantia um conjunto de activos que, dizia, valem até mais - 600 milhões. Mas a "biografia não autorizada" desta intervenção conta outra história: o Governo interveio depois de saber que o BPP tinha clientes especiais. Não por serem muito ricos. Alguns por serem muito pobres.

Santuários religiosos. E centenas de milhões de euros de agricultores, depositados em caixas agrícolas que tinham caído no encantamento dos aprendizes de Rendeiro. Se estes agricultores tivessem perdido o seu dinheiro, não viriam à capital com cartazes e chapéus de cowboy. Gritariam como índios, montados em tractores e munidos de enxadas.

Avalizando um empréstimo, o Governo e a administração de Adão da Fonseca salvaram quem ainda hoje não sonha ter estado à beira da ruína. Mas privilegiaram alguns clientes. Prejudicando os demais. Incluindo aqueles que estavam na primeira linha de salvação. Os maiores credores do império do engano: os clientes do retorno absoluto. Até agora, absolutamente zero. Para mais, ainda apareceram dívidas das sociedades-veículo dos investimentos dos clientes. Dívidas que, assim, passaram a ser... dos clientes. A contabilidade é correcta. Mas revoltante.

E bizarra: se o BPP tivesse falido, estes clientes teriam ao menos disputado a massa falida. Mas, agora, pode não sobrar massa falida, se for verdade que ela foi encaminhada para esses clientes especiais. Nesse caso, os clientes podem queixar-se de desvio do seu dinheiro.

A salvação selectiva de clientes pode ter sido ilegal. Foi, certamente, imoral. Os chapéus de cowboy estão nas cabeças erradas: os clientes que os usam são, afinal, os que estão a ser toureados. É o jogo do passa-ao-outro-e-não-ao-mesmo, que Governo, administração, Banco de Portugal e CMVM badalam ante a estranheza de Bruxelas, que já não entende as razões de um aval a este zombie.

A razão é de que o Estado não quer entrar mais nem consegue sair do problema. Se retira o aval, o banco cai e os clientes acusam o Estado Português e a administração de ilegalidade na salvação dos clientes. Mantendo o aval, precisa que alguém tome conta do banco. Mas mesmo Duarte d'Orey, que agora sobe a parada para ficar no BPP, só fica se o Estado assumir prejuízos. Orey não quer um buraco, quer a licença para ser banqueiro que já uma vez pediu ao Banco de Portugal, sem sucesso.

Mais depressa apodrece o caixão encomendado que o BPP, que lhe estava destinado. O Estado está intimado a ficar com o buraco. É muito menor que o do BPN. Mas é muito mais asqueroso ter de pagá-lo. Algures em Sintra, João Rendeiro continuará a sorrir
."

Pedro Santos Guerreiro

Retrato do contribuinte enquanto português

"É o rosto simpático do socialismo em vigor. Não só por motivos estéticos, domínio em que a comparação de Gabriela Canavilhas com os restantes membros do Governo se torna embaraçosa para estes, mas, aparentemente, também por motivos económicos. Numa das suas primeiras declarações públicas, a ministra da Cultura explicou ser "obrigação fundamental do Estado apoiar os artistas" e "criar condições para a [respectiva] produção e criatividade". O contraste face aos seus colegas de Executivo é abissal: em regra, as únicas coisas que os demais ministros prometem à população activa que tutelam são impostos e obstáculos à produção, embora estimulem a criatividade no que respeita a esticar os salários. Só falta apurar se a diferença se deve à dra. Canavilhas ou ao ofício dos contribuintes. Se calhar, existem razões imperiosas para que os princípios que orientam o saque do fisco aos rendimentos de um escriturário ou de um industrial não se apliquem, muito pelo contrário, aos rendimentos de um escultor ou, conforme inscrito no programa governamental, de um trapezista de circo. A ser assim, não há mérito da dra. Canavilhas, mas demérito dos que escolheram a profissão errada e agora se desgraçam em trabalhos sem retorno em vez de saltitarem graciosamente em artes com rede. "

Alberto Gonçalves

quinta-feira, novembro 26, 2009

Mais impostos: importa-se de repetir?

"Há um ano, o País agitava-se: é melhor mais investimento público ou menos impostos? O secular dilema parece resolvido: Portugal prepara-se para fazer menos investimento público e cobrar mais impostos. Hã?

Ahã. Aumento de impostos por restrição orçamental. Redução de investimento público por constrição política. Mas a matemática falha: menos por menos não dá mais.

Os impostos não vão subir, promete Teixeira dos Santos. Mas hão-de subir, avisa Constâncio. Ambos dizem verdade, mas apenas um não engana. Défice de hoje é impostos amanhã. Tem-no sido sempre.

Era inevitável. A "revelação" das novas previsões do défice, da dívida pública, do limite de endividamento só surpreende quem não lê jornais. Nesta coluna, como noutras, escribas foram sendo chamados de bota-abaixistas sempre que faziam contas. Sempre que apontavam o dedo para o rei nu. Sempre que se indignavam com a irresponsável ausência do tema Finanças Públicas das campanhas eleitorais.

Portugal terá este ano um dos maiores défices desde os anos 80. E escala a maior dívida pública de sempre. Só em juros, o País paga este ano mais de cinco mil milhões de euros. Mais do que o Estado investe. Só em juros, sem contar com amortização da dívida. E vai piorar: porque o "stock" de dívida continua a aumentar, subindo quase 25 pontos percentuais do PIB em três anos; e porque as taxas de juro subirão. Como se paga isto? Paga-se impostos. Não para investir. Para pagar dívidas. As receitas podem voltar a subir com a economia. Mas quanto tempo demorará? Elas caem mais de 13% este ano. Vai ser preciso subir 20% para chegar ao mesmo nível.

A culpa é da crise, claro. Mas também daqueles que a não quiseram ver. Incluindo os que, no Governo, apresentaram, há um ano, o Orçamento do Estado mais expansionista da década: um Estado generoso, que distribuía benefícios por empresas, bancos, funcionários públicos, famílias. E, jurava-se, o mesmo défice.

E agora? Agora, os senhores deputados deviam estar concentrados em tirar-nos disto. Preferem estar focados em tirar de lá o PS. É mais fácil mandar um Governo abaixo que pôr uma economia em cima. A paralisia prometida pela Oposição tem esse fito.

Os devaneios acabaram. Durão prometera baixar impostos de supetão (e aumentou impostos), Sócrates propusera investimento tecnológico (e aumentou impostos). Sócrates propõe agora fazer investimento (e aumentará impostos). Não há mais choques chiques, há um cheque para as Obras Públicas. Eis toda a política económica.

Não bastava os espanhóis virem cá mostrar quem manda e informarem-nos da suspensão unilateral da linha de TGV Porto-Vigo. Também a Oposição promete chumbar o que puder e complicar o que não puder. A privatização da ANA e o aeroporto. As estradas. As portagens nas SCUT. A Alta Velocidade. O terminal de contentores.

A instabilidade da maioria parlamentar e a bomba-relógio das escutas do "Face Oculta" dão à Oposição a expectativa de queda do Governo. E ao Governo a oportunidade de cair para melhor. E enquanto os políticos olham com paus na mão para o cântaro suspenso cheio de doces, os governados esvaziam a paciência, os bolsos - e a esperança.

Vamos repetindo os aumentos de impostos esperando que, um dia, o desenvolvimento económico trate do problema. Como às crianças, dizemos-lhe "cresce e aparece". E nada acontece
."

Pedro Santos Guerreiro

Deve-se aumentar impostos?

"O governador do Banco de Portugal pôs o ministro das Finanças e a oposição de acordo no que diz respeito ao aumento de impostos.

Vítor Constâncio admitiu ontem que será necessário aumentar impostos até 2013 porque, diz, "para fazer baixar o défice para menos de três por cento vão ser precisas novas medidas, quer do lado da despesa, quer do lado da receita". Só que o governador do Banco de Portugal está sozinho na cruzada pelo aumento de impostos, já que não encontra apoios entre os economistas, que discordam da subida da carga fiscal. Também os empresários e gestores se mostram contrários à ideia de Constâncio. Alexandre Soares dos Santos vai mesmo ao ponto de afirmar que "aumentar impostos é um convite às pessoas e empresas para saírem do país" e defende que o que é necessário é gastar menos.

No outro prato da balança, e a favor do aumento de impostos, está o facto de ser o método mais fácil e mais rápido de aumentar a receita, permitindo queimar etapas na consolidação orçamental, uma vez que o crescimento económico é insuficiente para reduzir o défice. A questão também não é consensual na Europa, já que Alemanha e Reino Unido estão a aliviar a carga fiscal, enquanto a França decidiu criar o imposto do carbono e Espanha vai aumentar o IVA, criar novos impostos sobre o capital e suspender as deduções fiscais já em 2010. No caso português, onde a carga fiscal já é das mais pesadas da Europa, aumentar impostos significaria asfixiar ainda mais as pessoas e empresas e funcionaria como um travão ao desenvolvimento económico, dificultando a retoma num momento crucial e diminuindo a competitividade da economia nacional
."

La vita è bella

"Embora escreva antes do novo comunicado do procurador-geral da República, nesta fase dos acontecimentos todos têm idade e experiência para perceber que a história do eng. Sócrates e das escutas acabará em coisa nenhuma. Criminalmente, quem de direito já tratou do assunto. E na área política, onde alguns tentaram reinstalar a questão, a questão morreu à partida por força do espírito inquebrantável, digamos, do nosso primeiro-ministro.

A licenciatura na Independente, os projectos relativamente arquitectónicos, o licenciamento do Freeport, a escritura do apartamento lisboeta, o saneamento do "Jornal Nacional" da TVI , o lixo da Cova da Moura e o que calhou também foram casos cujas consequências políticas igualaram as criminais em nulidade. Se os eleitores retiraram ao PS a maioria absoluta, foi por motivos assaz alheios às trapalhadas que teimosamente rodeiam o eng. Sócrates.

As trapalhadas, está visto, não pesam, ou pesam em benefício do seu protagonista, que só precisa de repetir a tese da "campanha negra" para que o povo, ou pelo menos a parte suficiente do povo, o tenha como exemplo de resistência à adversidade. Resistir, aliás, é quanto basta ao eng. Sócrates, quer o seu nome surja a propósito do tráfico de influências quer do genocídio no Ruanda. Em entrevista recente a Ricardo Araújo Pereira, o monumento inabalável que nos governa contou as lições recebidas de Berlusconi no que respeita ao vestuário. Decerto por timidez, omitiu as outras.
"

Alberto Gonçalves

quarta-feira, novembro 25, 2009

Comunicado

"Ilibação progressiva" devia ser um termo da ciência jurídica em Portugal. Descreve uma tradição das procuradorias-gerais da República. Verifica-se quando o poder cai sob a suspeita pública. Pode definir-se como a reabilitação gradual das reputações escaldadas por fogos que ardem sem se ver porque a justiça é cega. Surge, sempre, a meio de processos, lançando uma atmosfera de dúvida sobre tudo. As "Ilibações" mais famosas são as declarações de Souto Moura sobre alegadas inocências de alegados arguidos em casos de alegada pedofilia. As mais infames, por serem de uma insuportável monotonia, são os avales de bom comportamento cívico do primeiro-ministro que a Procuradoria-Geral da República faz regularmente. Dos protestos verbais de inocência dos arguidos que Souto Moura deu à nossa memória colectiva, Pinto Monteiro evoluiu para certidões lavradas em papel timbrado com selo da República onde exalta a extraordinária circunstância de não haver "elementos probatórios que justifiquem a instauração de procedimento criminal contra o senhor primeiro-ministro".

Portanto, pode parecer que sim. Só que não se prova. Ou não se pode provar. Embora possa, de facto e de direito, parecer que sim. Este género de aval oficial de "parem-lá-com-isso-porque-não-conseguimos-provar" já tinha sido feito no "Freeport". Surge agora no princípio do "Face Oculta" com uma variante assinalável. A "Ilibação progressiva" deixou de ser ad hominem para ser abrangente. Desta vez, o procurador-geral da República não só dá a sua caução de abono ao chefe do Governo como a estende a "qualquer outro dos indivíduos mencionados nas certidões", que ficam assim abrangidos por estes cartões de livre-trânsito oficiais que lhes vão permitir dar voltas sucessivas ao jogo do Poder sem nunca ir para a prisão. Portanto, acautelem-se os investigadores e instrutores de província porque os "indivíduos mencionados em certidões" já têm a sua inocência certificada na capital e nada pode continuar como dantes.

Desta vez, nem foi preciso vir um procurador do Eurojust esclarecer a magistratura indígena sobre limites e alcances processuais. Bastou a prata da casa para, num comunicado, de uma vez só, ilibar os visados e condicionar a investigação daqui para a frente. Só fica a questão: que Estado é este em que o chefe do Executivo tem de, com soturna regularidade, ir à Procuradoria pedir uma espécie de registo criminal que descrimine vários episódios de crime público e privado e que acaba sempre com um duvidoso equivalente a "nada consta - até aqui".

Ângelo Correia, nos idos de 80, quando teve a tutela da Administração Interna acabou com a necessidade dos cidadãos terem de apresentar certidões de bom comportamento cívico nos actos públicos. A Procuradoria-Geral da República reabilitou agora estes atestados de boa conduta para certos crimes. São declarações passadas à medida que os crimes vão sendo descobertos, porque é difícil fazer valer um atestado de ilibação progressiva que cubra a "Independente", o "Freeport" e a "Face Oculta". Quando se soube do Inglês Técnico não se sabia o que os ingleses tinham pago pelos flamingos de Alcochete e as faces ainda estavam ocultas. Portanto, o atestado de inocência passado pelo detentor da acção penal, para ser abrangente, teria de conter qualquer coisa do género… "fulano não tem nada a ver com a 'Face Oculta' nem tem nada a ver com o que eventualmente se vier a provar no futuro que careça de qualquer espécie de máscara", o que seria absurdo. Por outro lado, a lei das prerrogativas processuais para titulares de órgãos de soberania do pós-"Casa Pia", devidamente manipulada, tem quase o mesmo efeito silenciador da Justiça.
"

Mário Crespo

Uma república das castanhas

"(Onde o autor se insurge contra os que apodam o País como "república das bananas", por manifesta falta de rigor geográfico - propondo "república das castanhas", pois coisa "frutosa" tem que ser, mas à europeia, e temo-las muito boas em Trás-os-Montes. A inspiração vem, mais uma vez, da corrupção e do assalto ao poder).

Uma das melhores dos momentosos últimos dias foi a declaração de Armando (salto à) Vara à saída do Tribunal onde acabara de ser interrogado no âmbito do "sucatagate": "Nunca pedi dinheiro a ninguém". Então, se não pediu a "ninguém", é porque pediu a "alguém", como qualquer intérprete linguista conclui (dizem-me aqui na "Pravda" que podia ter solicitado à mãe, por exemplo, e não havia problemas). Ficamos, pois, na situação do erro de português acoplado a "lapso freudiano"?.

Mas, fora galhofas de péssimo gosto, o que verdadeiramente importa, neste momento, é o conteúdo das conversinhas com Sócrates, escutadas com sanção de um Procurador da República e um juiz de Instrução Criminal, pois a investigação no polvo das "luvas"(1) e favorecimentos nas empresas públicas e semelhantes talvez consiga prosseguir sozinha (a esperança é a última a morrer, dizem).

Apreciei muito o ar de santa ingenuidade e indignação que o atrás referido ostentou, queixando-se da devassa de intimidade num bate-papo com um amigo. Ora, o regime especial de que goza, quanto a escutas, é-o por razão de Estado; se estava numa inócua situação de privacidade, então pretendia ser mais que os restantes portugueses, os "escutáveis"? E se era tema para possíveis oito anos de "choça", configurando crime de atentado contra o estado de direito, os portugueses querem saber antes que tudo seja varrido para debaixo do tapete.

Bem sei que esse resultado de interesse público se consegue através de violações do segredo de justiça e do uso de um meio de prova rigorosamente auxiliar e excepcional e isso é, no mínimo, preocupante, e, no máximo, perigoso.

Mas o facto é que quer a natureza, quer os sistema humanos procuram sempre equilíbrios, mesmo, eventualmente, através de modos caóticos ou quase-caóticos, de modo a alisar as distorções. Por isso o vácuo se esvai, o contrabando e o mercado negro surgem, ou se originam os refugiados e a emigração, por exemplo.

O que cria esta situação de fuga aos desequilíbrios é a "presunção de inocência" se ter convertido para os poderosos em "certeza de inocência" (há alguém preso?) e a incompetência ou má-fé dos legisladores, que, em pequenas ejaculações, apenas originam manchas, e não frutos - numa enorme confusão sem remédio.

Sabe-se, então, que em causa estavam interferências em meios de comunicação social (suplementarmente evidenciando a mentira do PM na Assembleia da República quanto ao afirmado desconhecimento do negócio da aquisição da TVI pela PT).

E sabe-se também alguns efeitos da campanha: o Jornal Nacional de sexta-feira, por Moura Guedes, na TVI, já foi; José Manuel Fernandes, director do "Público", também; flui o dinheiro para os oficiosos "Diário de Notícias" e "Jornal de Notícias" do "amigo Oliveira", graças à abundância de publicidade de origem estatal; a Anacom, entidade reguladora da comunicação social, já tem como novo administrador um ex-chefe de gabinete de Sócrates sem qualquer experiência no assunto, que a vai dirigir; o "Público" podia recorrer ao BCP desde que...
É um autêntico regabofe, com muita "rega" e abundante "bofe"!

Mas, se os portugueses querem saber, o Governo não quer que se saiba e até insulta os magistrados de Aveiro, classificando as legais escutas como "espionagem política"! Fê-lo Santos Silva, embora aqui eu admita que, dado o estatuto de trauliteiro de serviço, apenas contribua inimputavelmente para o arruído e gáudio gerais. Mas fê-lo também Vieira da Silva, ministro muito considerado(2), que, por isso, se devia abster de pronunciar atoardas chocantes e propagandísticas, em desrespeito pela separação de poderes e insulto aos magistrados e investigadores que, competente e sigilosamente, exerciam o seu múnus.

Se a tudo acrescentarmos o endividamento e défices, internos e externos, a demagogia e o abraço fatal às empresas, temos a nossa "república das castanhas" a competir realmente com as autênticas "repúblicas das bananas" populistas, como a Venezuela, a Argentina, a Nicarágua, o Equador e a Bolívia.

Como as coisas têm ido, o pouco prestígio de que gozam os políticos arrasta consigo, no descrédito, as instituições de que são suporte, nas quais já poucos confiam.

Ainda bem que nos encontramos num grande útero protector, o da União Europeia, pois, de outro modo, arriscavamo-nos, futuramente, a ouvir de novo as palavras atribuídas ao general Gomes da Costa, no seu pronunciamento em Braga, em 1926 (reconhecem a data?).
"É preciso acabar com esta m….!".


(1) Já quase me tinha esquecido que a palavra significa, em sentido próprio, uma peça de vestuário. Ainda bem que está a chegar o Inverno.

(2) Outra baixa importante é a do ministro das Finanças, um posto crucial que, desde os períodos eleitorais ao orçamento "distributivo", se vem cobrindo de descrédito.

Até me pergunto: Por que será que as duas grandes figuras angariadas pelos governos socialistas de Guterres e Sócrates, respectivamente Sousa Franco e Campos e Cunha, saíram rapidamente a bater com a porta?
"

Fernando Braga de Matos

75 mil euros

"Assim já é excessivo. Até agora, tínhamos uma campanha negra contra o primeiro-ministro por quinzena, média aceitável e a que nos habituáramos. Agora, as campanhas negras irrompem às duas e três por dia, o que além de não nos dar tempo para as digerir também não permite repudiá-las com vagar.

A título de exemplo, veja-se o sucedido esta semana, na qual, em cerca de 24 horas, se começou por inventar uma história de chantagem que envolve o Governo, os jornais que o Governo considera antipáticos e as receitas de publicidade que, lícita ou ilicitamente, o Governo controla. Logo a seguir, engendrou-se uma novela que envolve o eng. Sócrates, o apoio público do futebolista Figo ao eng. Sócrates e 75 mil euros de "lembrança" arrancados a uma empresa pública. Pelo meio, decidiu-se forjar uma fábula que sugere o absoluto caos da economia nacional.

Os autores da última calúnia são os responsáveis pela OCDE e, valha-nos isso, é fácil desmenti-los. Como o eng. Sócrates explicou em dezenas de ocasiões, Portugal limita-se a sofrer os efeitos da crise internacional, de que a crise caseira é mero reflexo. Prever, apenas com base em factos e estatísticas, que teremos a mais pífia recuperação económica da Zona Euro e a segunda pior de toda a OCDE é insinuar que as medidas aplicadas pelo Governo agravam a crise em vez de a mitigar. Para tal, seria necessário que as medidas do Governo estivessem brutalmente erradas, um absurdo que não convence ninguém. Só um Governo de incompetentes tomaria decisões prejudiciais ao país. Só um Governo de malucos insistiria repetidamente nessas decisões depois de constatar as suas consequências nocivas. E só um Governo de desonestos se serviria de mentiras e propaganda de modo a fingir junto do eleitorado que caminhamos rumo ao progresso e não ao abismo.

Claro que as pessoas informadas sabem que os nossos governantes e o chefe deles não são incompetentes, malucos ou desonestos. Mas a sucessão crescente de inverdades, difamações, rumores, cabalas, insultos, conspirações, ignomínias e boatos arrisca-se a criar em meia dúzia de crédulos a impressão contrária. E esclarecer os crédulos a 75 mil euros "per capita" sai caríssimo
. "

Alberto Gonçalves

terça-feira, novembro 24, 2009

Out in the cold

O rabo da pescadinha bem enfiado na boca

"O procurador-geral da República disse ao Expresso que, se fosse por ele, divulgava as escutas de Armando Vara e José Sócrates. Mas - que chatice - o Conselho Consultivo da procuradoria emitiu um parecer que impede a sua divulgação. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, depois de mandar destruir as escutas, admitiu que a sua decisão era passível de recurso. Mas - que chatice - os prazos de recurso já expiraram. Para alegados inimigos figadais, Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento estão neste caso particular em surpreendente comunhão. Não há indícios de prática de crimes por parte de José Sócrates. Não há legitimidade nas escutas a José Sócrates. Donde, importa escolher uma destas três hipóteses: 1) o juiz e o senhor procurador de Aveiro estão avariados da caixa-dos-pirolitos; 2) são tão incompetentes que andaram a ver crimes contra o Estado de direito onde o PGR não vislumbra coisa alguma; 3) são dois peões na gigantesca operação de assassinato de carácter do nosso pobre primeiro-ministro.

Mas agora que Pinto Monteiro concluiu - sozinho?, sem a abertura de um inquérito--crime? - que as conversas entre Vara e Sócrates têm a candura de Cândido, talvez o primeiro-ministro possa partilhar connosco o seu inocente conteúdo, para que não restem quaisquer dúvidas políticas depois de terem sido enterradas as dúvidas criminais. De outra forma, penderá sobre a sua cabeça mais um caso mal resolvido, coisa a que ele certamente já está habituado, mas que ainda assim não me parece ser o mais aconselhável para o bom funcionamento da nossa descredibilizada democracia.

Há quem olhe para tudo isto e prefira bater na comunicação social e na violação constante do segredo de justiça. É uma posição respeitável e com um fundo de verdade: hoje em dia é demasiado fácil manipular aquilo que é publicado na imprensa a partir do obscuro gabinete de um qualquer magistrado, cujas intenções nunca poderão ser avaliadas pelos leitores. Mas, quando nós vemos a justiça de topo a funcionar com a falta de clareza e de dignidade institucional do último par de semanas - já para não falar nos professores de Direito que partilham com a pátria as mais divergentes posições -, não nos podemos deixar de perguntar: será que com um segredo de justiça mais apertado os tribunais funcionariam melhor? Ou, pelo contrário, os poderosos teriam apenas menos trabalho para apagar as pegadas das suas asneiras? É esta pescadinha de rabo na boca que está entalada na garganta da democracia portuguesa. Violar o segredo de justiça pode ser injusto para os inocentes. Mas não violar o segredo de justiça pode tornar tudo ainda mais fácil para os culpados
."

João Miguel Tavares

O ministro com (demasiada) "boa imprensa"

"Teixeira dos Santos é um ministro com "boa imprensa". Demasiado boa. Não é que não mereça elogios (e temo-los feito nesta coluna) pela competência técnica que tem. Só que não merece tanta boa imprensa. Porque, se espremermos tudo o que fez nos quatro anos que leva à frente das Finanças, sai pouco sumo.

Durante dois anos, clamou que a redução do défice se devia mais ao controlo da despesa do que ao aumento da receita. Quando o Banco de Portugal, que inicialmente o elogiou, começou a torcer o nariz (dizendo que a consolidação orçamental terminou em 2007), o ministro passou a ser mais comedido. Mas não perdeu a "lata": recentemente apareceu a dizer que o défice de 2009 vai ficar acima da previsão inicial, por causa... da receita. Uma inverdade, como mostrou ontem o "Negócios", na linha do que defendem analistas independentes: descontando a queda da receita, o défice ficaria nos 6,8... Vá lá, quando muito, 7%. Longe dos 8% (???) finais.

Ontem, Teixeira dos Santos saiu-se com mais uma pérola: disse a este jornal que "acabaremos por ser penalizados" se não reduzirmos o défice. Ficamos-lhe todos agradecidos por mais uma declaração lapalissiana. Sim, porque até um caloiro de "Introdução à Economia" sabe dizer aquilo! Mas é chegada a hora de fazer o que deve fazer um ministro das Finanças sério: comece a trabalhar. Mesmo. Isto é, trace um plano e diga como vamos chegar a 2013 com um défice de 3%. Sem marketing!
"

Camilo Lourenço

Carga fiscal pesada

"O governador do Banco de Portugal disse que é preciso aumentar impostos até 2013 por causa do défice excessivo. Como gostam de dizer alguns economistas, não há almoços grátis, e o défice ou se paga imediatamente com mais impostos ou aumenta o endividamento, pagando-se assim mais encargos fiscais no futuro.

A subida de impostos penalizará ainda mais a frágil economia e é um travão ao dinamismo empresarial. Numa economia que já paga de impostos quase 40 cêntimos por cada euro gerado de riqueza, qualquer acréscimo representa um peso brutal.

Mas, tragicamente, nem tributos draconianos são suficientes para equilibrar as contas públicas. Como explicou ontem Constâncio, "para trazer o défice do valor em que está este ano para menos de 3% vão ser precisas novas medidas, quer do lado da despesa quer do lado da receita". Com uma estrutura tão rígida de despesa, com salários e reformas dos funcionários, juros da dívida e despesas de funcionamento, é doloroso cortar custos. A outra alternativa é reduzir o investimento, o que pode significar cortar músculo em vez da gordura a quem precisa de emagrecer. Por isso, o Governo deveria pensar no futuro do País e decidir se projectos faraónicos como as novas auto-estradas e outras parcerias público-privadas se justificam
."

Armando Esteves Pereira

A Terra a quem a enxovalha

"A UNFPA, uma das múltiplas derivações da ONU, declarou o controlo demográfico indispensável à inversão do "aquecimento global". Uma ideia disparatada? Um bocadinho, mas dentro do disparate mais vasto a que a histeria ecológica chegou é admirável que alguém retire enfim as conclusões devidas das suas premissas. Se, no entender da histeria, as "alterações climáticas" e o "aquecimento global" são responsabilidade do homem, não adianta combater o capitalismo, o progresso técnico e os EUA: a solução é ir directamente à fonte e combater o homem.

Para já, o objectivo explícito é a redução da natalidade, o que desloca o problema do Ocidente estéril para África e certa Ásia. Em princípio, o problema resolve-se mediante campanhas de esclarecimento (ou o método "a bem"). Caso as tribos do Níger ou do Mali não fiquem esclarecidas, prossegue-se através da esterilização forçada (ou o método "a mal"). Caso a natalidade não se deixe circunscrever de todo, será imperioso actuar sobre outras variáveis, especificamente a mortalidade (ou o método "a pior").

Aqui, abrem-se inúmeras opções, bastando decidir entre as rápidas, do envenenamento em massa ao bombardeamento maciço, e as limpas, dos fuzilamentos colectivos à paulada na nuca. As segundas têm a desvantagem da lentidão, as primeiras prejudicam os ecossistemas. Há que ponderar, escolher e agir com sensatez, na certeza de que a humanidade está a mais e o importante é deixar a Terra entregue aos bichos, o que, dada a importância concedida à ONU e aos senhores que na ONU "estudam" o ambiente, não parece um cenário muito distinto do actual
. "

Alberto Gonçalves

segunda-feira, novembro 23, 2009

Até amanhã e boa sorte!!!

E a criminalidade continua a diminuir...

1/ "Morta à pedrada e à facada na loja (mais aqui)"

2/ "Foi morta e atirada a um poço (mais aqui)"

3/ "Taxista mata idoso (mais aqui)"

4/ "Mataram idoso e levaram os 150 euros da reforma (mais aqui)"

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"Decapitação política"

"O PS reagiu ao comunicado do PGR ilibando Sócrates de responsabilidades criminais nas escutas onde foi interceptado. Francisco Assis retomou o argumento da cabala dizendo que o partido e o Governo foram alvo de uma "tentativa clara de decapitação política (mais aqui)"

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PGR "actuou de forma atabalhoada" e por "razões políticas".

"Actuou de forma tão atabalhoada, com tantos pontapés no direito na forma como agiu, que não acabou por credibilizar e dar força à decisão”, criticou o professor de direito e ex-líder do PSD no seu programa semanal de comentário,. “As escolhas de Marcelo Rebelo de Sousa”, transmitido ontem pela RTP.

Rebelo de Sousa deu “um exemplo” da “forma atabalhoada” como o PGR actuou: “das duas vezes que recebeu pacotes de escutas, o procurador primeiro leu as escutas, e chegou à conclusão que não havia matéria criminal, e só depois é que mandou para o Supremo Tribunal de Justiça [STJ], para saber se podia ler. Ora o que ele devia ter feito era ter aberto o processo para o enviar, porque a resposta do STJ foi: não pode ler, isso não é relevante, não pode tomar em consideração. Mas não, ele lê, forma a sua opinião e depois pergunta: - olhem, posso ler?”

Para Marcelo, Pinto Monteiro só teve este forma de actuar “por uma razão política”: “obviamente, que no fundo é não deixar a suspeição de que havia qualquer coisa em relação ao primeiro ministro
.”

Porcelain Heart

Um espectáculo

"É um belo espectáculo: o PGR mandou arquivar as escutas entre Sócrates e Vara por não ver nelas qualquer elemento incriminatório para o primeiro-ministro. E acompanha a opinião do Supremo, que ordenou a destruição das ditas.

Fim de história? Longe disso: a magistratura de Aveiro discorda da jurisprudência lisboeta. As conversas, que revelavam ilícitos, não serão destruídas por lá.

No meio deste tango, reputados penalistas entram em cena: para começar, o Supremo não tem competência para anular as escutas, muito menos para destruí-las (Costa Andrade); e o PGR, mais do que arquivar, devia divulgar as escutas ilegitimamente anuladas (Pinto de Albuquerque). A nossa Justiça é como a vacina da gripe A: os especialistas pedem-nos para termos confiança no sistema. Pena que os especialistas não tenham confiança uns nos outros
."

João Pereira Coutinho

Pregar aos peixes

"Muitos indígenas especialistas em comentários, os politólogos do costume, certas almas perdidas nos estranhos jogos da política e uns espertinhos cheios de análises andavam a suspirar há uns tempos por umas palavrinhas do Presidente da República.

Diziam que no meio desta imensa lixeira a céu aberto, com faces ocultas e visíveis, conversas perigosas do senhor presidente relativo do Conselho com amigos do peito sobre negócios de informação, fugas de informação para favorecer suspeitos e outras coisas mais, era fundamental, decisivo para o futuro do sítio, ouvir Cavaco Silva dizer umas palavras que aliviassem as almas penadas e sofridas de um povo triste, que vive, para mal dos seus pecados, num sítio pobre, cada vez mais pobre, deprimido, cada vez mais deprimido, cheio de manhosos que fingem acreditar na Justiça, cheio de mentirosos que prometem amanhãs sem coisa alguma, com uma enorme legião de larápios de colarinho branco e gravatas de marca e, obviamente, cada vez mais mal frequentado.

O Presidente da República lá foi resistindo como pôde a tanto apelo, recebeu pelo caminho um senhor que manda nos juízes e, finalmente, lá disse umas palavrinhas sábias para bons entendedores. Falou na sua vida pessoal, na educação e nos valores, a maior herança que recebeu dos seus pais. Honestidade, verdade e honra. É evidente que estas três palavrinhas valem o que valem. Isto é, não valem coisa alguma nos tempos que correm em que a desonestidade, a mentira e a pouca-vergonha são as chaves do sucesso individual e colectivo.

Mas Cavaco falou. Disse o que disse e a vidinha continua, com os altos magistrados da Justiça a darem espectáculos lamentáveis, o poder político cada vez mais metido nos corredores dos tribunais e os legisladores a prepararem novos diplomas para prevenir situações desagradáveis para os senhores que põem e dispõem neste sítio cada vez mais desagradável. Mas a realidade, essa, é implacável. E não há palavras bonitas que a façam desaparecer.

O défice das contas públicas chegou aos oito por cento, o desemprego está quase nos dez por cento e organizações internacionais, como a OCDE, fazem apelos lancinantes para reformas estruturais urgentes e não têm dúvidas de que o sítio vai ficar cada vez mais pobre e crescer menos do que a média europeia até 2017. É esta a triste realidade. Perante este cenário cada vez mais negro, não há palavras, por mais belas que sejam, que nos salvem de um destino miserável
."

António Ribeiro Ferreira

Segredos da Justiça

"A moda não é nova e tem doutrina consolidada por essa Europa fora. De cada vez que há investigações judiciais a pessoas com grande influência política ou económica emerge o debate sobre as violações do segredo de justiça e a presunção de inocência.

E emerge como valor absoluto perante o qual cedem todos os outros – consideração do interesse público, defesa do funcionamento das instituições, transparência e legalidade das decisões judiciais, separação de poderes, combate à corrupção, etc.

O caso ‘Face Oculta’ trouxe os gritos do costume. Alguns (muitos) tocam pela pungente ignorância e tontice com que proclamam a ‘irresponsabilidade’ dos investigadores de Aveiro. Outros, mais elaborados, provindos de gente (predominantemente advogados) com enorme capacidade de manobra nos bastidores da decisão política e judicial, querem uma inversão total do sistema.

Querem autoridade e hierarquia para melhor dominarem os segredos da Justiça. É um combate antigo, com gente que gosta de influenciar a escolha de procuradores, dar palpites para as direcções da polícia e levar juízes desembargadores e conselheiros a aprazíveis jornadas de caça. Por fim, há os do costume: cronistas arregimentados que defendem os seus próprios interesses.

Pode demorar, mas a história nunca lhes deu razão
!"

Eduardo Dâmaso

Além de redonda, a bola é totalitária

"Ganhámos." "Conseguimos o que todos ambicionávamos." "Parabéns aos portugueses." "Vamos à África do Sul." Peço licença para discordar: não ganhei nada, não ambicionava nada, não mereço parabéns e, excepto sequestro, é garantido que não irei, mesmo metaforicamente, a nenhum pedaço do hemisfério sul. Mas foi assim que os canais televisivos se me dirigiram quando os liguei após um jogo entre Portugal e a Bósnia. À hora que pelos vistos era a do jogo, eu estava em casa com amigos, a palrar sobre irrelevâncias que não incluíam o "professor" Queiroz. Excepto quando preciso de adormecer com urgência, nunca vejo futebol (três minutos daquilo e eis-me a ressonar). Por coincidência ou destino, os meus amigos também não poderiam importar-se menos com as conquistas da "equipa de todos nós", uma designação, de resto, assaz reveladora.

Visto que a equipa é "de todos nós", exclui-se à partida a possibilidade de alguns de nós genuinamente não lhe prestarem qualquer atenção. No máximo, admite-se que meia dúzia de casmurros finja não ligar à "selecção" e à bola em geral, quer para exibir "pseudo-intelectualismo" (um crime grave), quer para servir interesses obscuros. Na perspectiva do "mundo do futebol" (fascinante expressão), a hipótese do puro alheamento nem se põe.

Isto acontece porque o "mundo do futebol" é, na essência, totalitário. Um conhecido que trabalhou na produção de um dos 183 debates futebolísticos transmitidos pelas televisões contou-me que, durante o intervalo e depois das gravações, os participantes continuavam a conversa como se não estivessem em off e não houvesse outro tema. Para eles, de facto, não há, e acredito que, já de madrugada e nas respectivas camas, os sujeitos ainda se mantenham sob contacto telefónico, a fim de discutir a transferência do "médio-ala" Fábio Inocêncio ou o "losango" do Sporting.

Estão no seu direito? Completamente. O problema é que, do alto do seu suave autoritarismo, o "mundo do futebol" não concede esse direito aos outros. Um "telejornal" posterior ao Portugal-Bósnia mostrou o espanto do repórter perante a escassez de adeptos na praça do Marquês de Pombal. Na cabeça dele, era intolerável que milhões de cidadãos não enchessem as ruas do país em tresloucados festejos. Só não sei se o rapaz terminou a intervenção a pedir penas pesadas para os infractores porque, entretanto, adormeci
."

Alberto Gonçalves

domingo, novembro 22, 2009

Boa, Amado!

"O que leva Sócrates a nomear o seu braço-direito para a Anacom? O currículo de Filipe Boa Baptista é brilhante mas tem zero de telecomunicações... Vai ser autodidacta? Um vigia? Ou é tacho?

Até à crise do "suprime", os governantes ocidentais banalizaram a defesa de "uma economia liberal regulada". Depois, perderam a inocência: tiraram a palavra "liberal". Agora perdem a vergonha: tiram a palavra "regulada". Numa semana, o Governo nomeou um dos seus para a Anacom e acusou o Tribunal de Contas de ignorância.

A regulação é um empecilho. É por isso que existe. Antes era-o às grandes empresas privadas. Mas agora que as economias foram nacionalizadas pelo dinheiro dos contribuintes (que as salvaram), os políticos estranham o controlo. Não suportam que lhes falte a imunidade. E argumentam exactamente como as empresas monopolistas: quem põe em causa as suas decisões é irresponsável. Está a parar o progresso. Seja uma Autoridade da Concorrência, um Tribunal de Contas ou uma Quercus.

Como podem os políticos tirar a pedra do seu sapato? Acabar com os reguladores seria injustificável. Mais fácil é neutralizá-los. Basta nomear administradores pouco neutros.

Filipe Boa Baptista foi mais que um secretário de Estado do PS. Foi adjunto de Sócrates. A "Sábado" chamou-lhe "o homem secreto do Governo". Quando foi envolvido no caso "Freeport", fez uma das raras declarações em quatro anos. Para defender o seu nome? Não, para defender o nome de José Sócrates. Pode até vir a ser o mais competente regulador de comunicações do mundo. Mas vai ter de aprendê-lo. A conjugar o Direito Constitucional com o lacete local. Quando Sócrates quiser ter uma conversa sobre regulação de telecomunicações, já tem a quem ligar. Nem que seja "como amigo".

Amado da Silva, o presidente da Anacom, tem mais gente a seu lado que do seu lado. Sobra-lhe a sua própria reputação, que o coloca acima de suspeita. Mas as administrações dos reguladores não deviam estar entregues à auto-regulação de cada um. Como diz Amado, os estatutos "dão condições às pessoas para serem independentes". São se quiserem. Não são se não quiserem.

Guilherme d'Oliveira Martins quis. Não é por ser do PS que faz o que o PS quer. Tanto que o "chumbo" do Tribunal de Contas às estradas está já a ser alvo de pressões políticas e da maior campanha de desinformação desde o colapso do BCP. O costume: parar as estradas é travar o progresso, fabricar desempregados, um fanatismo legalista. O PS já deve estar a riscar dias no calendário para ver quando acaba o mandato de Oliveira Martins.

Nos últimos anos, os reguladores mais "livres" que este País conheceu, Jorge Vasconcelos, na ERSE e Abel Mateus, na Concorrência, foram substituídos para sossego do Governo. Libertários tratados como libertinos.

Não é preciso nomear dependentes para manietar reguladores. Basta escolher alguém que, em vez de transparente, seja invisível. Foi o que aconteceu na Concorrência. Manuel Sebastião tem currículo, foi escolhido não apenas "como amigo" de Manuel Pinho. Mas fecha-se em estudos do passado enquanto empresas como a Cabovisão estão no corredor da morte. Independente. Irrelevante.

Amado deu o benefício da dúvida a Boa Baptista, o que também prova que ele entra sob dúvida. Estas nomeações devem ser desgovernamentalizadas. Nem que seja passando-as pelo Parlamento: é preferível ter agonias como na escolha do Provedor de Justiça que nomeações Farinha Amparo. Boa?
"

Pedro Santos Guerreiro

A máscara do Zorro

"Por detrás da máscara do Zorro estava a alma da Justiça. Como todos os bons heróis, teve de se disfarçar para conseguir que o bem vencesse o mal. Não ficou só: quase sempre a Justiça teve de se disfarçar para conseguir parar os que têm da moral e da ética um conceito muito vago. É curioso como a Justiça, hoje em dia, passado o mundo da ficção onde Batman ou o Fantasma evoluíam, tem de continuar a mascarar-se. O fascinante caso "Face Oculta" mostra como a Justiça se tornou um jogo de bastidores, um rendilhado de poderes de casta, um discurso feito para dentro, e não para a sociedade. A pose do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e a sua difícil relação com as palavras claras são o símbolo de um novo tipo de Justiça. Aquele que já não tem nada a ver com o que se passa na sociedade e que vive fechado numa daquelas torres que povoam o mundo de Tolkien. A Justiça vive hoje no círculo do poder que já não tem a ver com o mundo real. Alimenta-se dum mundo burocrático, onde as regras são mais importantes do que os acontecimentos. O mundo do presidente do STJ é uma bola de cristal de vírgulas, prazos e parágrafos. Pouco tem a ver com a Justiça, como os pobres terrenos esperam das sumidades que criaram leis que já ninguém entende. Quem domina o poder do léxico tem as rédeas da Justiça em Portugal. E é por isso que ela, hoje, é o mata-borrão das esperanças da sociedade portuguesa. O mundo de Noronha do Nascimento é semelhante ao do Senhor dos Anéis, onde os Hobbits são desconhecidos. "

Fernando Sobral

A credibilidade das contas públicas

"O Ministério das Finanças prepara-se para actualizar o valor do défice orçamental para este ano (7% em vez dos 5,9% que teimosamente apregoou durante meses). Saúda-se a decisão mas estranha-se a dimensão do acerto. Porque tendo em conta o comportamento da despesa, nomeadamente a despesa corrente (que as Finanças não conseguem reduzir), e a evolução da receita fiscal (quebra de 69%), é altamente improvável que o Governo consiga colocar o défice nos 7% este ano. Mesmo sabendo que tem feito tudo para colocar algumas parcelas da despesa pública fora do orçamento (à semelhança do que está a ser feito um pouco por toda a Europa)…

Do ponto de vista político percebe-se a ideia do ministro das Finanças: mostrar a Bruxelas que o Governo tem as contas públicas debaixo de olho (recorde-se que a Comissão prevê um défice de 8% para Portugal em 2009). Mas se o ministro quer mesmo ser levado a sério em Bruxelas, o melhor é apontar baterias para outro lado. E divulgar um detalhado e credível plano onde explica como é que o Governo vai começar a reduzir o desequilíbrio orçamental… já em 2010.

Caso contrário, os mercados não vão acreditar que em 2013 o défice irá cair para os 3% exigidos pela Comissão (ainda há duas semanas o rating da República sofreu um abanão, cortesia da Moody's - o Outlook passou de "estável" para "negativo").

A credibilidade das nossas contas públicas depende mais da seriedade desse plano do que de uma mera actualização do défice para este ano
."

Camilo Lourenço

sábado, novembro 21, 2009

Check My Brain

Um País pronto-a-vestir?

"Há dias os jornais anunciavam o assassinato de uma jovem funcionária de um "callcenter" em Coimbra. Trabalhava ali apesar de ser mestre em biologia. Não é caso único: nas caixas de todos os hipermercados existem licenciados nas mais diferentes áreas. Dir-se-á: trabalham, coisa que começa a ser difícil de fazer num País com 10% de desemprego. Mas tudo isto demonstra a real dimensão da pobreza nacional. Portugal é uma gigantesca sopa dos pobres. Uns sem emprego, outros empregados com ordenados ridículos face ao que se investiu neles, outros sem hipóteses de regressarem ao mundo do trabalho. Fala-se muito das grandes empresas que têm fechado portas, mas o mais impressionante é a destruição das PME que alimentavam a teia social que é invisível. Num sítio como este, onde a circulação de dinheiro e o consumo é que animam parte da economia, estes dados são arrepiantes.
Durante anos esquecemos a necessidade de criar um modelo económico para Portugal. Agora, face à destruição de uma estrutura económica caduca, não há alternativa viável. Muitos dos empregos chacinados não regressarão e a maioria das pessoas ceifadas não têm qualificações para um outro modelo. Passámos demasiado tempo a discutir os nossos "clusters" e a debater relatórios como os de Porter. Tentámos comprar prontos-a-vestir mas as nossas medidas são diferentes. Construímos pouco a partir desse debate. Portugal criou o deserto e chamou-lhe paz social. Com tantos desempregados sem futuro veremos onde essa paz nos leva."

Fernando Sobral

Casamento de conveniência

"Um fotógrafo cometeu a proeza de registar o mais fugaz dos momentos, pleno de simbolismo histórico, nas comemorações do armistício de 11 de Novembro em Paris: Angela Merkel e Nicolas Sarkozy de mãos dadas.

Seria fácil criticar a forma ostensiva como exibiram a amizade franco-alemã quando se sabe que as relações entre ambos nos últimos dois anos e meio foram tudo menos cor-de-rosa.

Confesso que sou daqueles que considera o simbolismo algo de extremamente importante, até porque pode inaugurar um novo período de cooperação entre os dois países. Não será a reedição da amizade entre Helmut Kohl e François Mitterrand. No entanto, uma análise racional das opções políticas dos dois líderes leva-nos a concluir que é do seu interesse adoptarem, não uma ‘entente cordiale', mas uma ‘entente stratégique'. Por três razões.

A primeira, e a mais importante, pelo vazio de liderança no resto da Europa. A Comissão Europeia há muito que deixou de assegurar uma liderança eficaz. Herman van Rompuy, recém nomeado presidente do Conselho Europeu terá, sem dúvida, menos visibilidade do que Merkel e Sarkozy. E no que respeita aos líderes dos restante países grandes da Europa - Reino Unido, Itália e Espanha -, não constituem alternativa.

A segunda razão prende-se com o facto dos dois países terem mais em comum do que à primeira vista pode parecer. As suas economias são estruturalmente diferentes, porém, menos do que se diz. A visão política poderá também ser distinta, mas Merkel e Sarkozy terão, mais tarde ou mais cedo, de acordar uma estratégia orçamental credível para evitarem pressões que possam comprometer a moeda única.

A terceira razão remete para a permanência no poder. Se ambos vencerem as próximas eleições, as relações bilaterais manter-se-ão por mais oito anos. Nem um nem outro deixará a sua inimizade pessoal interferir no processo de cooperação. Isto não significa que passarão a concordar com tudo aquilo que discordaram até aqui. Mas há pontos em comum como a visão sobre o futuro do capitalismo. Consideram-se liberais no respectivo contexto nacional, embora críticos da "variante" anglo-saxónica. Juntos, os dois países serão, talvez, as únicas potências na zona euro.

Os interesses franceses e alemães raramente foram coincidentes nas décadas de 70, 80 e 90. O valor da sua relação residia na capacidade pontual de se unirem quando isso podia fazer a diferença. Se assim não fosse não teria havido sistema monetário europeu nos anos 70 nem tratado de Maastricht e moeda única nos anos 90. A amizade franco-alemã é vista actualmente como necessária, importante e desejável, mormente pelos cidadãos dos dois países. O contrário poderia levantar dúvidas sobre a coesão da zona euro a longo prazo.

À laia de conclusão, cito o desejo expresso por Angela Merkel em Paris: "Os nossos países precisam de melhorar a sua relação". Já não era sem tempo
."

Wolfgang Münchau

Venha a dolorosa

"A nossa filosofia económica foi em tempos resumida numa publicidade: ‘Queres dinheiro? Vai ao Totta.’ Nem mais: o governo não tem pataco para pagar as contas? Então que vá ao Totta, ou seja, que peça emprestado (7,7 mil milhões).

E porque não? Um poder político que respeitasse os portugueses já teria mudado de vida há muito tempo: teria enfrentado o nosso brutal endividamento; teria cortado seriamente na despesa por uma reforma do Estado consequente e séria; e teria promovido a iniciativa privada, em vez de limitá-la.

Fatalmente, a tradição lusitana nunca se preocupou com estes detalhes. E agora, com a economia estagnada e o desemprego a galopar, é tarde para corrigir maus hábitos. Moral da história? O governo quer dinheiro, o governo vai ao Totta. A conta, essa, é para a mesa do costume
."

João Pereira Coutinho

sexta-feira, novembro 20, 2009

O que resta ao Presidente

"Cavaco Silva declarou-se "preocupado" com o processo "Face Oculta". Depois do episódio das "escutas" em Belém e de uma explicação ao País que o País não podia perceber, a preocupação é tudo o que lhe resta. Raras vezes, se alguma, o regime precisou tanto de um presidente com autoridade sobre o pandemónio em volta, mas a autoridade de que Cavaco Silva evidentemente dispunha sumiu-se algures, entre trocas de e-mails, lanches de assessores com jornalistas e uma ligeira inclinação para a paranóia. Por isso a preocupação do PR é hoje sinónima da sua impotência e, por maioria de razão, da impotência de todos nós. Culpa dele, azar o nosso."

Alberto Gonçalves

quinta-feira, novembro 19, 2009

A fraude do Tratado de Lisboa

Com Tratado de Lisboa e com as escolhas já saudadas por Sócrates, percebe-se a saudação, UE é de facto uma coisa sem existência.
O bloco que poderia ser o mais poderoso do mundo, não quer sê-lo, ou não deixam, os seus inimigos dentro, como a Grã Bretanha e os seus inimigos como a França e a Alemanha que apenas servem interesses estranhos, nos EUA.
O Tratado de Lisboa levou a uma não eleição de pessoas sem poder e mesmo com Blair, seria o mesmo, no caso uma toupeira, salvo seja o pobre animal.
A UE se quer poder tem de ser um estado federal e com forças armadas federais.
O que existe é apenas uma coisa controlada por chefes de estado de antigas potências enfraquecidas e com dirigentes marionetas, sem poder negocial.
Agora que alguns discutem a desglobalização, nada melhor para continuar a crise, com o poder financeiro de Wall Street a continuar a especular e a fazer o que lhe apetece.
Assim, temos de facto, uma economia que vive ou melhor vai morrendo, à medida que o sector produtivo é entregue a países terceiros, sem imposições e sem regras que nós próprios impomos dentro da comunidade, muitas a despropósito, ou mais grave apenas, com o objectivo de destruir o tecido empresarial a verdadeira criação de riqueza nos vários sectores.
No fundo, se no espaço comunitário se canibalizam empresas, promovendo a deslocalização, de Portugal para Espanha, ou de Portugal para a Polónia de que serve a UE?
Somos de facto aliados dos EUA? Somos os aliados das conveniências de dirigentes corruptos que dirigem a UE, no fundo a UE é um Portugal em ponto grande.
Assim, se escolhem dirigentes fracos para fraca gente, ao sabor do poder económico global e ao sabor da crise que continua e continuará.
Um país e uma união de países não sobrevive sem tecido produtivo depois de ter comprado a crise americana subprime. Um sapo demasiado grande, mas que se justifica e classifica o que de facto é a UE, um barco sem duplo casco, já furado.

Afastem-se dos"Idos de Novembro"... Vejam os ucraneanos...

Mais uma vítima

"Conta o Sol que um vereador de Olhão eleito pelo Bloco de Esquerda é alvo de diversas queixas-crime por causa de umas trapalhadas imobiliárias. Segundo a mesma fonte, João Pereira (tal é a sua graça) tem um passado interessante na Judiciária, mediante investigações sobre cheques falsos e burlas. Questionado sobre o assunto, o sr. Pereira nega tudo e "tudo", nas palavras dele, é "política, da pior possível", além de uma tentativa de o "calar". Como não o calam, o sr. Pereira canta a conhecida cantiga das "campanhas negras" que regularmente lhe preparam e das "inverdades" de que amiúde o acusam. É curioso: o moralismo contra-poder parece-se mesmo com as desculpas esfarrapadas do poder - desde que seja o BE a ocupá-lo."

Alberto Gonçalves

quarta-feira, novembro 18, 2009

Muros e lamentações

"Além das evocações formais, os 20 anos da queda do Muro de Berlim suscitaram por aí uma conversa piedosa sobre "os muros que falta derrubar" ou coisa parecida. A princípio, pensei com surpresa e agrado que a conversa versasse as desgraçadas paredes dos meus vizinhos, as quais me tapam o sol e transformam o quintal num poço fundo. Infelizmente, os muros em questão são, principalmente, o dos EUA na fronteira com o México, o de Espanha na fronteira de Ceuta com Marrocos e o de Israel na fronteira com a Cisjordânia. Em algumas cabeças, portanto, qualquer pedaço de betão ao alto é comparável à estrutura berlinense e exige derrube imediato, de preferência aos gritos de "Ich bin ein palestiniano".

Por acaso, trata-se de uma comparação tonta. Se repararmos bem, as vedações citadas são herdeiras directas da Muralha da China, da Muralha de Adriano e das muralhas em geral, que ninguém, julgo, propõe destruir. Ou seja: são justamente o inverso da falecida construção alemã. As primeiras servem para evitar a entrada de indesejados num dado território, a segunda impedia que os habitantes do território fugissem. Uns constituem uma protecção, contra a emigração clandestina, o tráfico de drogas, armas ou pessoas e até o terrorismo; a outra era uma prisão e um símbolo da maior calamidade do século XX.

Se estas variações lexicais não importam aos que vêem em cada pedregulho uma "causa", é certo que importam aos sujeitos reais que, do lado de dentro dos muros, beneficiam ou sofrem as respectivas funções. Mas a realidade não alimenta as ilusões de líricos, as exactas ilusões que, afinal, levantaram o muro de Berlim. A ausência de ilusões levantou os muros restantes
"

Alberto Gonçalves

terça-feira, novembro 17, 2009

Bruxas ou coisas do diabo?

Não acredito em bruxas, mas que as há...
Após escrever artigo sobre a decisão do Estado Espanhol determinar que as vacinas eram 3 e que 2 seriam com adjuvantes, (1) a única escolhida pelo governo português foi uma das com adjuvantes, assunto debatido mas pouco aparecido na comunicação social, vá lá se saber por obra de quem ou de que entidade etérea.
Em Espanha parece que de facto as grávidas serão vacinadas com vacinas sem adjuvantes.
Nem falo dos laboratórios, qualquer pessoa que ande pela net, sabe e pode pesquizar as vacinas existentes no mercado. Adianto apenas que são 3 laboratórios na Europa.
Ao que parece a EMEA aprovou a vacina sem adjuvantes.
Há apenas considerandos que podem ser tirados de conclusões precipitadas de políticos e médicos, assim como não se podem tirar conclusões precipitadas sobre factos que podem ou não estar relacionados.
O estado polaco através da sua ministra atacou a OMS e a EMEA e não aceitou comprar vacinas não testadas sob o ponto de vista de segurança e não sob o ponto de vista imunogénico.
Passando ao lado, o que sei, é que 20 minutos depois de escrever o artigo, o meu computador foi atacado por vírus, calculada e meticulosamente feito por gente que sabe o que faz.
A imprensa faz a campanha de intoxicação ou de censura como mandam os patrões e os sponsors, ou seja quem paga mais.
Tirem as conclusões que quiserem.

Cruzes, credos

"Oitenta e quatro por cento dos italianos discordam do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que dias antes proibira (?) os crucifixos nas escolas públicas do país. Dado o número, é de admitir que os ateus de lá não possuam a fina sensibilidade dos ateus de cá, os quais, através de umas agremiações excêntricas, aplaudem a sentença e pedem a sua imediata importação. Segundo percebi, temem que a ingerência religiosa, assim exposta e abusiva, traumatize as criancinhas.

É capaz de ser um receio exagerado. Não me lembro se na minha sala da "primária" havia crucifixos. Lembro-me de que fora da sala havia uma igreja inteira, que contemplei da janela durante quatro anos. Além da igreja, existiam nas imediações oito capelinhas e uma filial da Santa Casa da Misericórdia. A escola, pública e laica, chamava-se "do Adro" e no adro jogávamos à bola. Contas feitas, marquei inúmeros golos e não sofri qualquer trauma, excepto nas canelas. Nunca experimentei apetites de frequentar a missa ou a catequese, provavelmente porque os meus pais vagueavam naquele tipo de ateísmo em que a religião não chega a ser assunto. Ao contrário dos peculiares ateus que não pensam noutra coisa.

Se querem poupar as criancinhas à imposição religiosa, os progenitores talvez fizessem melhor em ignorar os crucifixos e dirigir o combate para, por exemplo, o "ambientalismo" recorrente nos currículos e "actividades" escolares. Nas cabeças dos petizes, nenhuma cruz na parede tem uma fracção do impacto provocado pela doutrinação de patranhas sobre o "aquecimento global" e o papel do homem nas mudanças climáticas. O "ambientalismo" não é uma religião? É, sim senhor. Se não bastassem os seus mitos e os seus santinhos para o atestar, agora um tribunal britânico deu razão a um trabalhador alegadamente despedido em nome das respectivas "crenças ecológicas". De acordo com o juiz, o "credo ambiental" (sic) merece ser tão protegido da discriminação quanto os credos "tradicionais".

Em suma, estamos oficialmente no domínio da pura fé, com a agravante de que as proezas da Greenpeace não são exactamente o Cântico dos Cânticos e o "documentário" de Al Gore não é o "S. Mateus" de Bach. Não tenho um único argumento favorável à presença dos crucifixos, mas a preocupação com o bem-estar das criancinhas implica resguardá-las de todas as manipulações, sobretudo das ideológicas que, legitimadas pelo espírito da época, tomaram de assalto a "educação" e obrigam a referi-la entre aspas.

Perdida em preciosidades que vão do "ambiente" à educação sexual, passando pelo "multiculturalismo" e pelos enigmas que cabem na "educação cívica", a escola contemporânea abdicou daquilo que a escola do meu tempo, mesmo com uma igreja de Nicolau Nasoni a 50 metros e com doses variáveis de sucesso, ainda tentava: ensinar. Curiosamente, ou poucos protestam tamanha ingerência na liberdade alheia ou poucos os ouvem
."

Alberto Gonçalves

segunda-feira, novembro 16, 2009

Welcome To The Jungle

Uma questão de honra.

"Mark Felt foi um daqueles príncipes que o sólido ensino superior norte-americano produz com saudável regularidade. Tinha uma licenciatura em Direito de Georgetown e chegou a ser uma alta patente da marinha dos Estados Unidos. Com este formidável equipamento académico desempenhou missões complexas no Pentágono e na CIA.

Durante a guerra do Vietname serviu no Conselho Nacional de Segurança de Henry Kissinger. Acabou como Director Adjunto do equivalente americano à nossa Polícia Judiciária. Durante vários anos foi Director Geral interino do FBI. Foi nesse período que Mark Felt se tornou no Garganta Funda. Muito se tem escrito sobre as motivações de um alto funcionário do aparelho judiciário americano na quebra do segredo de justiça no Watergate. Todo o curriculum de Felt impunha-lhe, instintivamente, a orientação clássica de manter reserva total sobre assuntos do Estado. Hoje é consensual que Mark Felt só pode ter denunciado a traição presidencial de Nixon por uma razão. Para ele, militar e jurista, acabar com o saque da democracia americana era uma questão de honra. Pôr fim a uma presidência corrupta e totalitária era um imperativo constitucional.

Felt começou a orientar em segredo os repórteres do Washington Post quando constatou que todo o aparelho de estado americano tinha sido capturado na teia tecida pela Casa Branca de Nixon e que, com as provas a serem destruídas, os assaltos ao multipartidarismo ficariam impunes. A única saída era delegar poder na opinião pública para forçar os vários ramos executivos a cumprir as suas obrigações constitucionais. Estamos a viver em Portugal momentos equiparáveis. Em tudo. Se os mecanismos judiciais ficarem entregues a si próprios, entre pulsões absurdamente garantisticas, infinitas possibilidades dilatórias que se acomodam nos seus meandros e as patéticas lutas de galos, os elementos de prova desaparecem ou são esquecidos. Os delitos ficam impunes e uma classe de prevaricadores calculistas perpetua-se no poder.

Face a isto, há quem no sistema judicial esteja consciente destas falhas do Estado e, por uma questão de honra e dever, esteja a fazer chegar à opinião pública elementos concretos e sólidos sobre aquilo que, até aqui, só se sussurrava em surdinas cúmplices. E assim sabe-se o que dizem as escutas e o que dizem as gravações feitas com câmaras ocultas que registam pedidos de subornos colossais. Ficámos a conhecer as estratégias para amordaçar liberdades de informação com dinheiro do Estado. E sabemos tudo isto porque, felizmente, há gente de honra que o dá a conhecer. Por isso, eu confio no Procurador que mandou investigar as conversas de Vara com quem quer que fosse.

Fê-lo porque achou que nelas haveria matéria de importância nacional. E há. Confio no Juiz que autorizou as escutas quando detectou indícios de que entre os contactos de Vara havia faces até aqui ocultas com comportamentos intoleráveis. E, infelizmente o digo, confio, sobretudo, em quem com toda a dignidade democrática e grande risco pessoal, tem tomado a difícil decisão de trazer ao conhecimento público indícios de infâmias que, de outro modo, ficariam impunes. A luta que empreenderam, pela rectificação de um sistema que a corrupção e o medo incapacitaram, é muito perigosa. Desejo-lhes boa sorte. Nesta fase, travam a batalha fundamental para a sobrevivência da democracia em Portugal. Têm que continuar a lutar. Até que a oposição cumpra o seu dever e faça cair este governo
."

Mário Crespo

Almeidas do regime.

"Grandes almas, grandes homens estes que zelam de dia e de noite pelo pântano. Social, económico, político e judicial.

A normalidade e a tranquilidade estão prestes a regressar ao sítio. Depois de uns dias de grande agitação e de muita excitação, as autoridades do costume arregaçaram as mangas, puseram-se ao trabalho e, imagine-se, sacrificando um dia de merecido repouso, vieram dizer aos indígenas que podem ficar descansados, discutir à vontade o destino da selecção nacional e começar a preparar o Natal de todas as compras e hipocrisias.

Tudo bem, portanto. Pelo meio há umas coisinhas sem qualquer importância que o vento do Outono há-de levar para bem longe. Nada de relevante. Afinal, no meio de muita sucata, parece que aconteceram umas conversazinhas pouco edificantes que uns espiões políticos a soldo de uma qualquer força oculta, nacional ou estrangeira, sabe-se lá, puseram a circular para afectar a imagem do sítio e dos seus excelsos governantes. Esses terríveis espiões, que obviamente já têm o seu destino traçado, com um longo e merecido castigo, tiveram até o topete de desconfiar que o senhor presidente relativo do Conselho tinha cometido um atentado contra o Estado de Direito, crime punido até oito anos de cadeia. Almas venenosas, perversas, sem vergonha, que ousaram escutar e emitir certidões em que davam conta das suas suspeições.

É evidente que tal comportamento é inaudito, inadmissível e feriu os mais profundos sentimentos das almas que zelam, de dia e de noite, pela paz social e pelo bom-nome do senhor presidente relativo do Conselho. E assim, antes que seja tarde e a insídia chegue aos ouvidos dos indígenas, vá de destruir tais escutas e enterrar o mais rapidamente possível este triste e lamentável caso que enlameou uma das mais altas figuras do Estado. O sítio, manhoso, pobre, deprimido, cheio de larápios, recheado de mentirosos e obviamente cada vez mais mal frequentado, vai rapidamente retomar a sua vidinha triste e cinzenta. E as autoridades do costume vão imediatamente tomar as medidas necessárias e suficientes para impedir que algum espião perverso ao serviço de forças ocultas possa mais alguma vez perturbar os negócios, os arranjinhos, as vigarices e os tráficos de influência das mais altas figuras do Estado de Direito. É caso para dizer que o sítio não tem presente, não tem futuro, mas tem almeidas competentes e eficazes que no momento certo varrem o lixo para as profundezas do Inferno. Grandes almas, grandes homens estes que zelam de dia e de noite pelo pântano. Social, económico, político e judicial.
"

António Ribeiro Ferreira
"O Governo de José Sócrates prepara-se para avançar com o polémico imposto negativo (IN).

Segundo o seu programa, a intenção é " introduzir, ao longo da legislatura, um novo apoio público às famílias trabalhadoras com filhos, de modo a reduzir o risco de pobreza entre aqueles que trabalham, declaram ao fisco os seus rendimentos e têm filhos a cargo. Assim, uma família trabalhadora com filhos que tenha rendimentos inferiores ao limiar da pobreza terá o apoio público necessário à superação desta situação".

Se é uma novidade em Portugal, a discussão em torno do imposto negativo já tem barbas nos países anglo-saxónicos. Concebido nos anos 60 pelo famoso economista, Milton Friedman, a ideia é simples: os trabalhadores com rendimentos familiares inferiores a um determinado limite passam a receber um subsídio do Estado equivalente a essa diferença.

Em Portugal, os defensores do IN propõem que este se articule com o salário mínimo. No fundo, o IN estaria para o salário mínimo como o Complemento Solidário para Idosos (CSI) está para as pensões mínimas. Este foi lançado em 2005 com o argumento de que as pensões mínimas revelam fraca eficácia no combate à pobreza porque parte dos seus beneficiários não é pobre pois beneficia de outro tipo de rendimentos.

Ora, o mesmo se pode dizer do salário mínimo, que é devido a todos independentemente do rendimento da unidade familiar. E da mesma forma que o CSI implicou uma estagnação das pensões mínimas (que, em 2010, vão crescer apenas 1,25%, em média, cerca de três euros), é natural que o mesmo aconteça com o salário mínimo, contrariando a valorização dos ordenados dos trabalhadores mais pobres do país.

Mas no caso do imposto negativo, as potenciais perversões (que subsistem em qualquer prestação social) são muito maiores do que as do CSI. O IN transfere o financiamento das remunerações mínimas da entidade patronal para os contribuintes. Trata-se, na prática, de uma forma de subsidiação (à custa dos sectores mais competitivos da economia) de empresas com modelos de negócio insustentáveis e de trabalhadores pouco produtivos, adiando a tão necessária reconversão do tecido empresarial português. Se uma empresa não consegue pagar um salário de 450 euros, então deve fechar; e se um trabalhador não merece, pelo menos, 450 euros, deve ser requalificado ou então despedido.

E será que esta é a melhor forma de usar os dinheiros públicos? Se o objectivo é reduzir a pobreza e combater as desigualdades, não será preferível canalizar estes recursos para a melhoria e expansão do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de educação público?

Com esta medida, o Governo pretende dignificar o trabalho. Porém, se é verdade que os subsídios estatais são fundamentais para a redução da pobreza, não é nada evidente que contribuam para a valorização de um trabalhador e da sua actividade profissional
. "

Manuel Esteves

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